Os
fundadores da Leader venderam muitos doces caseiros antes de sonhar com a
construção do império varejista. Aproveitou o conhecimento do pai, o
ferroviário Octavio Machado Gouvêa, para montar uma barraquinha de quitutes
feitos pela mãe na estação de trem da cidade de Palma, na Zona da Mata de Minas
Gerais.
Passada
a fase de vendedor ambulante na estação de trem, Newton Fernandes Gouvêa foi
trabalhar, em 1941, como caixeiro em um armarinho, no seu primeiro e último
emprego onde teve um patrão. Em menos de dois anos já estava gerenciando o
comércio e ampliando o negócio do chefe. Chamou o tio, o lavrador Omar Machado
Gouvêa, para trabalhar a seu lado no estabelecimento.
Em
1951, com o tio Omar e o irmão Laênio Fernandes Gouvêa, Newton conseguiu ser
dono do próprio negócio, um bar na cidade de Miracema, no interior do Rio de
Janeiro, onde jogava futebol. Por uma garrucha, um carro velho e algumas notas
promissórias, eles compraram um bar, o Bar Leader. Um ano e meio depois, os sócios
trocaram o bar por um bazar, um armarinho onde vendiam tecidos e outras
utilidades. “Bar não era o nosso negócio. Sabíamos vender tecido, roupas,
calçados”, lembra Laênio, de 80 anos.
Sucesso quebrou ex-patrão
Com
criatividade e cheques pré-datados, o trio de sócios conseguiu abrir o Bazar
Leader. Venderam todo o estoque de bebidas do bar que compraram e, com o
dinheiro, compraram outro estabelecimento, desta vez uma loja, localizada na
cidade de Palma, sua terra natal. Para abastecer o bazar, Newton viajou ao Rio,
onde encontrava produtos para vender na loja do antigo patrão. Com pouco
dinheiro e alguns cheques, ele conseguiu encher o caminhão com o crédito que
herdara do emprego anterior na Rua da Alfândega.
|
Loja em Palma (MG). Fotografia cedida por Beto Metri |
“Abrimos
nossa primeira loja no peito e na raça, sem dinheiro. Mas o Newton tinha
crédito através do Araújo na Rua da Alfândega, onde já havia um mercado
atacadista de tecidos e de armarinhos”, conta Laênio, hoje com 80 anos. “Ele
partiu com muito pouco dinheiro, mas conseguiu mesmo assim encher a loja e foi
um sucesso estrondoso, porque vendíamos muito barato”, acrescenta o irmão do
presidente do Conselho de Administração da Leader.
O
“sucesso estrondoso”, contam os fundadores da rede varejista, quebrou o maior
concorrente dos Gouvêa na cidade. Detalhe: o concorrente quebrado em questão
era o antigo patrão de Newton, o Sr. Araújo. “Nosso armarinho fez tanto sucesso
que o nosso maior concorrente, o ex-patrão do Newton, teve que fechar a loja”,
disse, ao lado dos outros sócios. “Ele era rico, fazendeiro, tinha muitas lojas
e continuou nosso amigo, gostava muito do Newton”.
|
Miracema. Foto internet |
“Fios puxadinhos”
Quinze
dias após a inauguração, a primeira loja Leader estava vazia; venderam tudo,
segundo contam os Gouvêa. “Tivemos que disfarçar os buracos com cobertor, para
a clientela não ver que estávamos sem estoque algum”, lembra Laênio. O Newton
teve de voltar rapidamente ao Rio para comprar mais produtos no atacado da Rua
da Alfândega.
Logo
Newton descobriu o mercado de São Paulo, que vendia mais barato, e passou a ser
abastecido por fabricantes paulistas. “Nosso grande sucesso foi minha ida para
SP”, lembra o presidente do Conselho de Administração da Leader.
Foi
em SP que Newton desenvolveu uma técnica que, segundo eles, foi decisiva para
ganhar tanto mercado. Compravam produtos com pequenos defeitos e ganhavam
“enormes” descontos para revender pelo terço do preço que praticavam seus
concorrentes. “O Newton procurava produtos com leves defeitos, bules
descascados, tecidos com fios puxadinhos. Era um sucesso porque aquele pessoal
com baixo poder aquisitivo não ligava para esses defeitos praticamente
imperceptíveis. Se o bule custava nove cruzeiros, a gente vendia por um”.
|
Bazar Leader em Miracema. Fotografia cedida por Beto Metri |
A
fama de barateiros chegou às cidades vizinhas e os Gouvêa passaram a vender
para comerciantes das redondezas. Descobriram o filão do atacado e compraram
caminhões para abastecer lojas em Minas e no Rio. Vendiam de tudo um pouco,
entre tecidos, roupas, calçados, perfumes, arreios para cavalos, violões. Além
disso, ainda na década de 50, abriram outras lojas no interior e contaram com
os cunhados Júlio Corrêa e Marcelo Barros Torres.
O
vendedor de bombons José Castro, que foi trabalhar para eles na loja de Palma
como auxiliar de serviços gerais (inclusive como faxineiro) foi convidado a
abrir uma filial em Itaperuna (RJ) e se tornar sócio. “Foi trazendo aqueles
elementos que tinha visão, pessoas de confiança para que tenhamos sucesso,
tinha visão, teve do tio, tinha visão de pessoas, talentos”, conta José de
Castro.
Crédito e mimos
Os
fundadores da Leader lembram que vendiam a quilo produtos encalhados no
estoque. Foi o que aconteceu com alguns sapatos, que ninguém conseguia vender.
Além da venda a quilo e do garimpo de produtos “levemente” defeituosos para
comprá-los e revendê-los mais barato, uma estratégia que deu certo foram os
mimos para os clientes, como pegá-los no ponto de ônibus e pagar-lhes um café.
Outra tática, que não era comum na época, foi conceder crédito. Aprenderam a
vender fiado com o irmão mais velho, Dirceu Gouvêa, que tinha um negócio
próprio em Niterói, próximo à capital.
Em
1966, já com três unidades no interior do estado do Rio, a Empresa chegou à
cidade de Niterói (RJ). Em 1970, nasceu a União de Lojas Leader S.A. “Não
tínhamos mais para onde crescer no interior e viemos para Niterói, atraídos
pelo Dirceu”, conta Newton.
|
Os irmãos Dirceu, Newton e Laênio. Foto da internet de 2011. |
Na
década de 80, com 10 lojas de departamento, os fundadores da Leader começaram a
profissionalizar a gestão. Iniciaram com os próprios filhos, que os sucederam
no comando.
|
Newton Gouvêa. Foto da internet |
O
primeiro a assumir as rédeas da empresa foi Carlos Alberto Corrêa, filho de
Júlio Corrêa, cunhado de Newton. “Foi uma das situações mais difíceis por que
passei na vida. Eu sabia que o meu sobrinho estava mais preparado que os meus
filhos naquela ocasião. Chamei um de cada vez na minha sala e eles reconheceram
isso”, lembra o fundador da Leader.
Texto de Sabrina Lorenzi, iG, de
13/06/2011
Publicado no Blog Vagalume
Nota do Blog: o senhor Newton faleceu em 1º de maio de
2015, aos 90 anos.