Zezé Moreira em 1954 |
Quis o destino que ele e seu irmão, Aymoré
Moreira, morressem no mesmo ano, em 1998, com diferença de pouco mais de três
meses. Seu nome verdadeiro era Alfredo Moreira Júnior, e morreu em 10 de abril,
no Rio de Janeiro, no Hospital Pedro Ernesto, aos 90 anos, tendo como causa uma
insuficiência respiratória, provocada por pneumonia, depois de passar 25 dias
internado. O futebol perdeu uma de suas figuras mais íntegras e competentes.
Ele foi um autêntico gigante na História do futebol brasileiro, um homem que
transcendeu à sua obra e ao seu tempo.
Zezé jamais escondeu sua paixão pelo
Botafogo, pelo qual jogou e foi técnico, mas seu caixão acabou coberto por uma
bandeira do Fluminense, do qual também foi treinador. Com exceção do médico
Lídio Toledo, dos ex-jogadores Pampolini, Adalberto, Tomé e Gilson, e do
técnico Paulo Amaral, que foi seu preparador físico no alvinegro, nenhum
dirigente do clube apareceu para prestar a última homenagem. O Fluminense, ao
contrário, esteve representado pelo presidente Álvaro Barcelos, o ex-presidente
Francisco Horta e os ex-jogadores Orlando Pingo de Ouro, Escurinho, Ítalo e
Pinheiro. Telê Santana, impedido de ir ao enterro por problemas de saúde, eram
amigos íntimos, enviou uma coroa de flores com os seguintes dizeres: “AO
MESTRE, COM CARINHO.”
Zezé Moreira quando veio a falecer já era
viúvo, há oito anos, e deixou um filho, Wilson Moreira, e um neto, Wilson
Júnior. O filho, por sinal, aventurou-se no mundo da bola para seguir a
tradição da família, nos anos 50 e 60, jogando pelo Vasco, Fluminense e
Botafogo. Depois, foi pra Espanha e atuou pelo Bétis. Ao encerrar a carreira,
tornou-se advogado e seguiu a sua vida fora dos gramados.
Alfredo Moreira Júnior, que depois virou
“Zezé Moreira”, nasceu em Miracema, interior do estado do Rio de Janeiro, já na
divisa com Minas Gerais, em 16 de outubro de 1907. O apelido “Zezé”
foi devido à admiração que tinha por um certo jogador de nome “Zezé” Guimarães,
que jogava pelo Fluminense.
O menino Alfredo começou a bater sua bola
nos fundos da casa do Vigário com os colegas. Depois organizou o time de
Baixo contra o time da rua de Cima, e, com o tempo, o time da zona norte da
cidade virou o Operário e, da rua de Cima, o Miracema. Aos doze anos o primeiro
embate esportivo com a camisa do Miracema F.C., e o início de sua fulgurante
carreira. Zezé era tudo no Miracema, de roupeiro a jogador, até mesmo o
dinheiro que recebia dos pais para consertar o sapato era desviado para a
confecção de chuteiras na Sapataria do Granato. O time ganhou nome e fama, e
passou a excursionar para as cidades vizinhas. Jodir, Rubens Carvalho, Odati e
Neguinho, são alguns dos companheiros que fizeram parte dessa jornada inicial
de Zezé Moreira em sua terra natal.
Em uma entrevista concedida ao “Projeto
História em Multimídia do São Paulo Futebol Clube”, na capital paulista, em
1993, Zezé fez um breve relato de sua infância em Miracema:
- Meu
pai era tremendamente contra o futebol, aliás, a minha vinda da cidade onde eu
nasci foi por causa de futebol. Para que eu me livrasse do futebol ele me
trouxe. Foi o contrário. Ali foi o meu paraíso. Futebol foi sempre a minha
paixão. Apanhei como boi ladrão. Todas as vezes que meu pai me encontrava
jogando bola no campo, eu apanhava. Apanhava não de chinelo, nem de tapa, nem
de palmada, eu apanhava de tala. Sabem o que é tala? Tala é um rebenque que se
usa pra bater em cavalo e eu apanhava com aquilo. A minha vinda pro Rio
foi justamente por isso, porque ele viu que eu, com a idade de 15 anos, jogava
no meio dos homens. E havia até um fato engraçado: eu jogava e tinha sempre
dois, três companheiros que ficavam olhando se meu pai vinha, porque se ele me
visse jogando, ele entrava no campo e me levava. Ele era terrível, ele não
gostava de futebol, ele achava que o jogador de futebol era vagabundo, não
trabalhava. E ele não queria isso, ele queria que eu como mais velho dos
homens, tomasse conta da farmácia dele. E eu não queria saber de farmácia, eu
tinha pavor de farmácia. Eu não tolerava aqueles sais salou, iodofórmio,
aquelas coisas que tinham um cheiro ativo. Enjoava-me, eu não gostava de
farmácia. Mas ele... O remédio que ele teve foi me trazer pro Rio de Janeiro,
eu vim com 16 anos, em 1923.
Além de ter tido como mestra Clarinda
Damasceno, Zezé teve na vida esportiva grandes ensinamentos para o resto da
vida. O domínio do medo, a coragem, a lealdade e a determinação empregadas nas
partidas de futebol, levaram-no aos 16 anos, a deixar Miracema para abrir
caminhos novos na grande cidade, o Rio de Janeiro.
Foi justamente Zezé que, em 1930, levou os
irmãos para trabalhar e estudar no Rio, arrancando-os de nossa pequena
Miracema. Lá, os quatro passaram a atuar pelo já extinto Sport Club Brasil:
Zezé era lateral; Aírton era central; Aderbal era meia e Aymoré, goleiro.
Jogaram juntos até 1933. Aderbal foi o único que saiu do meio
esportivo, pois virou um músico de alto nível.
Zezé Moreira foi um médio com forte poder
de marcação e que chegava sempre junto. Começou no Sport Club Brasil, da Praia
Vermelha, em 1928, e posteriormente atuou no Botafogo – onde ficou por mais
tempo e jogou ao lado de seu irmão Aymoré Moreira – Flamengo e América, todos
do Rio. Em São Paulo vestiu a camisa do Palestra, hoje Palmeiras – campeão
paulista de 1934 – retornando ao Botafogo para encerrar a carreira em 1943.
Assim durou a sua trajetória de 15 anos como jogador. No América e no Palestra
também esteve ao lado do irmão Aymoré.
Formado pela Escola de Educação Física, em
1944, logo começou a trabalhar como preparador físico nas categorias de base do
Botafogo, quando, em 1948 assumiu a direção técnica do time profissional. Foi
um grande começo, já que se sagrou campeão, após 13 anos de jejum do time da
estrela solitária. Também conquistou títulos por outros clubes como Fluminense
– campeão carioca em 1951 e 1959, campeão da Copa Rio em 1952 e do Rio-São Paulo
em 1960, Nacional – campeão uruguaio de 1963 e 1969, Vasco – campeão da Taça
Guanabara em 1965 e do Rio-São Paulo em 1966, São Paulo – campeão paulista em
1970, Bahia – campeão baiano em 1975, 1978/79, Cruzeiro – bicampeão mineiro em
1975/76, e da Taça Libertadores em 1976. Treinou também o Belenenses, de
Portugal, Palestino, do Chile, Canto do Rio, Corinthians, Sport Recife e
América (RJ).
Uma das maiores conquistas como técnico
foi o primeiro título da seleção brasileira conquistado no exterior – o
Pan-Americano do Chile, em 1952. O sucesso do esquema tático aplicado no
Fluminense, campeão carioca em 1951, levaria Zezé Moreira ao comando do Brasil
e a mais uma conquista histórica. Talvez, mais do que com o título, no Pan de
52, o país inteiro tenha vibrado com a desforra promovida por Zezé e seus
comandados, na vitória de 4 a 2 sobre o Uruguai, no Estádio Nacional de
Santiago, festejada como parte de uma reparação à humilhação da tarde de 16 de
julho de 1950, no Maracanã.
Dois anos depois, Zezé permanecia no
comando da Seleção e a classificava para a Copa de 54, eliminando o Chile e o
Paraguai. Na Copa de 1954, realizada na Suíça, o time era bom, mas não foi
capaz de superar a forte seleção da Hungria, nas quartas-de-final. A derrota de
4 a 2 e a conseqüente eliminação, talvez tenha sido a mais dramática decisão
enfrentada por Zezé Moreira, apesar de todo o favoritismo do esquadrão húngaro
para vencer a Copa. Favoritismo esse que foi suplantado na final pela Alemanha,
com a vitória de 3 a 2.
Depois da Suíça, vieram cinco anos de um
quase ostracismo. Mas isso não o enfraqueceria – pelo contrário. Com humildade,
enfrentou a experiência de dirigir o Canto do Rio, tradicional lanterninha dos
campeonatos cariocas. E Zezé o colocou em quinto lugar. Após sete anos sem um
título, deu ao Fluminense o carioca de 1959, por antecipação.
O retrospecto de Zezé Moreira como técnico
da Seleção em jogos oficiais, entre 1952 e 1955, é o seguinte: 13 jogos; 9
vitórias; 3 empates; 1 derrota. Ainda na seleção, integrou a comissão técnica
nas Copas de 1958, 62, 66 e 70. Foi espião do técnico Telê Santana nas Copas de
1982 e 86.
Outros números de sua carreira como
treinador: Corinthians – 58 jogos, São Paulo – 57 jogos, Cruzeiro – 131 jogos,
Fluminense – 467 jogos. É o técnico que mais vezes dirigiu o Fluminense na
história. Zezé Moreira tinha o costume de comandar os treinos de chapéu, mas
fora de campo, a elegância era sua marca registrada, usando sempre terno e
gravata. No início dos anos 90, quando passou a frequentar mais a cidade natal,
de vez em quando o encontrava passeando sempre elegante e com uma postura
invejável. Zezé era torcedor do Botafogo, pelo qual jogou e iniciou a carreira
de técnico, mas sempre teve uma ligação muito forte com o Fluminense, por quem
nutria um carinho e admiração.
Era um inovador de funções táticas. Foi
ele quem lançou o zagueiro Pinheiro, do Fluminense, como líbero, descobriu Telê
Santana e criou a tática do ponta voltando para ajudar a marcar no meio-campo,
função que Telê desempenhava muito bem no time Tricolor. Foi um dos poucos
técnicos que durante muitos anos imprimiu uma marca pessoal nas equipes que
dirigiu. Eles jogavam de maneira diferente, marcavam por zona, com um beque na
sobra, e um falso ponta que ajudava na marcação. Zezé ganhou notoriedade como
técnico por causa dessa marcação por zona, sistema que foi elogiado por muitos
e combatido ferozmente por outros. Com o passar do tempo, ele desmentiu os que
o acusavam de técnico teimoso, mostrando ser um treinador evoluído e estudioso,
capaz de fazer com que a equipe que comandava se adequasse a outros diferentes
sistemas.
Parabéns por nos mostrar em um texto muito elucidativo a história desse miracemense que ainda é referência no futebol brasileiro. Carlos Magno, de Pádua.
ResponderExcluirExcelente texto!
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