segunda-feira, 11 de julho de 2016

CRESCEM EVIDÊNCIAS DE QUE O PERNILONGO TAMBÉM TRANSMITE ZIKA


O mosquito Aedes aegypti tem sido apontado como o principal vetor do vírus Zika, que, estima-se, infectou até junho 49 mil pessoas dentre 139 mil casos notificados no Brasil, e causou o nascimento de 1,6 mil crianças com microcefalia em 582 municípios.

Mas, além do Aedes aegypti, o Zika também pode ter outros vetores, como o mosquito Culex quinquefasciatus, conhecido popularmente como pernilongo ou muriçoca, sobre o qual crescem as evidências de que pode estar envolvido na emergência do vírus no país.

O alerta foi feito por Constância Flávia Junqueira Ayres Lopes, pesquisadora do IAM (Instituto Aggeu Magalhães) da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em Recife, Pernambuco, em uma mesa-redonda sobre “O mosquito, o vírus e o que temos para combatê-los”, durante a 68ª Reunião da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que ocorreu no último sábado (9/7), no campus de Porto Seguro da UFSB (Universidade Federal do Sul da Bahia).

“Há sérias dúvidas se o Aedes aegypti é um vetor exclusivo do vírus Zika”, disse Lopes. “Em ambientes silvestres várias espécies de Aedes estão implicadas no processo de transmissão. Por que em ambientes urbanos somente uma espécie estaria envolvida?”, questionou.

De acordo com a pesquisadora, o mosquito Aedes aegypti começou a ser incriminado como vetor do vírus Zika em 1947, quando foi encontrado em uma floresta com nome homônimo em Uganda, na África, por pesquisadores financiados pelo Instituto Rockefeller, dos Estados Unidos.

Os pesquisadores estavam tentando isolar o vírus da febre amarela e, para isso, estudaram mosquitos de espécies de Aedes, velhos conhecidos como transmissores da doença.

Ao analisar o material coletado, eles observaram que o vírus que isolaram era diferente e o batizaram de Zika em homenagem à floresta onde foi descoberto.

Desde então, diversos outros isolamentos do vírus Zika foram feitos a partir de diferentes espécies de Aedes, como o Aedes africanus, contou a pesquisadora.

Em 1966, quando houve a primeira emergência do vírus Zika, na Malásia, foram analisados inúmeros pools de mosquito no país asiático e identificado apenas um como Aedes aegypti.

Mudança na forma de controle

Na avaliação de Lopes, uma das implicações de ter outras espécies envolvidas na transmissão do vírus Zika, caso seja comprovado, é que mudará drasticamente a forma de controle da infecção, que hoje está focada exclusivamente no Aedes aegypti.

Os hábitos do Aedes aegypti são bastante diferentes dos do Culex quinquefasciatus, ressaltou.

Enquanto o Aedes aegypti pica durante o dia, o Culex quinquefasciatus pica durante a noite. Isso deve provocar uma mudança de hábito das pessoas – especialmente as grávidas – que estão tomando medidas de proteção contra a picada, como o uso de repelentes, somente durante o dia.

Além disso, enquanto o Aedes aegypti tem preferência por colocar ovos em água parada, de chuva, o Culex quinquefasciatus gosta de colocar seus ovos em água extremamente poluída, como a de esgoto e de fossa. “Isso irá requerer um investimento na melhoria das condições de saneamento no país, que é um problema histórico”, avaliou a pesquisadora.

O controle do Culex quinquefasciatus, contudo, deve ser mais fácil do que o do Aedes aegypti, estimou Lopes.

Enquanto a fêmea do Aedes aegypti prefere depositar seus ovos de forma distribuída para garantir que sua prole tenha maiores chances de sobrevivência, a fêmea do mosquito Culex quinquefasciatus deposita seus ovos em um único lugar.

“Os criadouros do Culex quinquefasciatus são mais concentrados e têm um alto nível de infestação, enquanto os do Aedes aegypti são mais distribuídos”, comparou a pesquisadora.

“A chance de sucesso de um programa de controle de Culex quinquefasciatus é muito maior do que o de Aedes aegypti. Prova disso é que até hoje não há um controle efetivo da dengue no Brasil”, avaliou.

De acordo com a pesquisadora, Recife – a cidade considerada o epicentro da epidemia do vírus Zika no Brasil – é a única no país onde há incidência de filariose – uma doença parasitária crônica causada por vermes nematoides (as filárias). O parasita é transmitido pelo mosquito Culex quinquefasciatus, que é o vetor exclusivo.

Um trabalho realizado por colegas dela na Fiocruz de Recife identificou que os casos de microcefalia registrados na cidade ocorreram exatamente em regiões onde também foram notificados casos de filariose.

“Cerca de 85% das mães que tiveram bebês com microcefalia vivem em áreas onde foram registrados casos de filariose”, afirmou Lopes.

Algumas das características das regiões onde moram essas mães são as baixas condições de saneamento básico, com esgoto a céu aberto.

“Se o vírus Zika fosse transmitido exclusivamente por Aedes aegypti seria uma doença democrática, como a dengue é. Todo mundo pega, e não somente as pessoas que estão extremamente expostas a picadas e à transmissão do vírus”, avaliou.


Texto Campos 24 Horas 

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