Uma caixa de sapatos,
uma lâmpada caseira transparente com o miolo retirado com esmero, um espelhinho
de bolso (um ou outro com foto de mulher nua), sol, um quadrinho da película
cinematográfica (conseguido com os operadores das máquinas, quando arrebentava
algum filme, nos cinemas) e pronto: o “cineminha estava armado”. Captava-se a
luz solar com o espelhinho (se a brincadeira fosse à noite, tinha que se usar
iluminação elétrica), direcionando-a para dentro da caixa através de um
orifício na sua parte posterior; a luz atravessava a lâmpada, que, cheia
d’água, simulava uma lente, até chegar ao celuloide preso a um outro orifício
na parte anterior – final: a imagem (de apenas um quadro) era projetada na
parede em tamanhos variados, conforme se aproximava ou recuava a caixa da
parede.
Antes da construção do complexo do Clube XV, em 1966, foi inaugurado, em 1964, o novo Cine XV de Novembro, no prolongamento da Rua Matoso Maia. Por fora e à distância, parecia o meu “cineminha” ampliado “milhares de vezes”: uma “caixa de sapatos”.
Assim como em “Gata
Borralheira” que embarca na linda carruagem (que era uma abóbora) puxada por
brancos e imponentes cavalos (que, na verdade, eram sapos), o Conto de Fadas
estava se realizando.
No pórtico, dois amplos
guichês com “janelas” de vidro deixavam ver as lindas recepcionistas, de
tailleur verde médio/escuro, bem maquiadas e de arrumados penteados. Era até
agradável chegar um pouco antes, para apreciá-las. Alguns poucos degraus e os
porteiros Olímpio Martins, Amadeu Poly e Carlinhos Cagiano (uniformizados com
calça preta, paletozinho cinza-claro e gravatinha borboleta) recolhiam os ingressos.
Após atravessar as enormes portas de vidro (duas fixas e duas móveis),
chegava-se ao hall (devia medir uns 13m x 8m). Muito iluminado, exibia os
vários cartazes dos próximos filmes, pendurados nas paredes da direita ou nos
cavaletes (tudo em alumínio e vidro). Confortáveis sofás e poltronas permitiam
um descanso e um bate-papo. Do lado esquerdo, a bomboniére (que abrigou o
primeiro freezer de produtos da Kibon da cidade). Com o Miguelzinho de Martino
atrás do balcão (ele era o gerente). Por vezes, ficava o Cléber Padilha, ou sua
esposa, Magali (esta também cobria alguma ausência das bilheteiras). O piso
todo em mármore branco, sem formas simétricas e com rejuntamento em preto,
contrastava na cor com as luxuosas cortinas dos banheiros em veludo cinza
médio-escuro.
Mais alguns degraus e
desviava-se (para a esquerda ou para a direita) do paredão de proteção de luzes
para a sala de projeção: o espetáculo continuava. As confortáveis poltronas
estofadas (em cinza claro rajadas de cinza escuro) deviam ser em número de oito
nos conjuntos laterais e dezesseis ou mais nos centrais, perfazendo um total de
964 lugares.
Lindas luminárias nas paredes iluminavam todo o recinto, que possuía grandes “bocas” de ar-refrigerado no teto e umas pequenas no piso, embaixo de algumas fileiras de poltronas. O piso era de tacos e descia em forma de tobogã. Os dois corredores eram atapetados. No final, existia um palco com subida pelos dois lados. Enquanto se esperava, ouvia-se música instrumental de famosas orquestras da época (Ray Conniff, Burt Bacharach, Românticos de Cuba, Tabajara, Paul Muriat, Bert Kaempert). Não se via a tela, já que era encoberta por lindas cortinas de tecido de fundo creme (poderia ser branco) e estampas grandes em vermelho (predominante) e verde. Elas só abriam no momento do início da projeção (em tela pequena, ou maior, se cinemascope).
Dois dos porteiros se transformavam em “lanterninhas”, cuja função era ajudar os retardatários na localização de lugares e verificar possíveis atos que prejudicassem o patrimônio.
Só se lamentava quando
se acendiam as vermelhas luzinhas dos painéis acima das grandes portas de
madeira indicando a saída.
Pelo menos, naquele
dia, o espetáculo estava encerrado. Mas outro dia viria e outro espetáculo
poderia ser apreciado.
PS: E os “amassos”?
Hem!? Bom! Isso fica para outra ocasião.
(Fotos cedidas por Marcelo de Martino)
(Fotos cedidas por Marcelo de Martino)
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