Análise do balanço do Vasco aponta para dificuldades
financeiras.
Eurico Miranda tem o defeito de tentar mostrar força só no
gogó. Quando a realidade dá as caras, a frase de efeito constrange – como
quando o Vasco foi rebaixado à segunda divisão, em 2015, apesar de o presidente
ter garantido que se mudaria para a Sibéria se isso acontecesse. O Vasco vai brigar nas
cabeças, com certeza, dizia o cartola em entrevista coletiva que havia convocado,
em 20 de dezembro de 2016, para falar sobre as finanças vascaínas. Meses
depois, após publicado o balanço financeiro do clube, chega a realidade. Não há
nenhuma evidência de que tenha condições de disputar as primeiras posições do
Campeonato Brasileiro. Nem perto disso. O Vasco de 2017 continua em estado de
insolvência.
Antes de nos aprofundarmos nos números, um alerta. Tudo o que
você lerá aqui foi extraído do balanço financeiro vascaíno. Mas há razões para
desconfiar do documento. A auditoria independente Anend, contratada por Eurico
para verificar as contas de 2016, como manda a lei, expressou em seu relatório
que não pôde checar todos os dados. Os auditores não conseguiram confirmar se
havia dinheiro em caixa, por exemplo, nem uma série de outros indicadores cujos
valores foram apresentados pela direção cruz-maltina. A auditoria avaliou as
finanças com o que tinha e responsabilizou a administração do time pelo que
viu, mas não pôde testar.
Dito isso, comecemos pelo dinheiro que entra no caixa. O
Vasco faturou R$ 213 milhões em 2016, o maior valor de sua história, mas com um
enorme asterisco. A maior parte do aumento se deve aos R$ 60 milhões em luvas
que recebeu da TV Globo por vender, antecipadamente, os direitos de transmissão
para as temporadas de 2019 a 2024. O faturamento recorrente, sem as luvas, está
na casa dos R$ 150 milhões. Outras fontes de receitas mostram performances
preocupantes. O Vasco teve em 2016 as piores rendas de sua história recente –
desde 2010, quando passou a detalhá-las – em bilheterias, patrocínios e
transferências de atletas. O que segura as pontas é a TV.
Depois vem o dinheiro que sai do caixa. Apesar de jogar a
Série B, campeonato no qual a competitividade é menor, os gastos aumentaram
para quase R$ 200 milhões. Repare o descompasso entre quanto o Vasco arrecada e
quanto o Vasco gasta. Faltaram R$ 50 milhões para que o clube conseguisse
apenas fechar a conta – sem que pagasse um centavo sequer das dívidas que
acumulou ao longo dos últimos anos, assunto para o parágrafo seguinte. Eurico
só terminou o ano no azul porque recebeu as luvas pelo contrato de 2019 a 2024.
Uma receita que não se repetirá nem em 2017, nem tão logo.
Se o problema fosse pontualmente o descompasso entre receitas
e despesas, estaria tudo certo. O Vasco tem condições de, na primeira divisão,
elevar suas receitas com bilheterias e patrocínios para tentar fechar a conta.
Mas não é o caso. O resultado das trágicas gestões de Roberto Dinamite e do
próprio Eurico é um endividamento maior do que o Vasco. O clube possui R$ 205
milhões em dívidas de curto prazo, que precisam ser pagas no decorrer de 2017,
equivalentes a 40% de todo o seu endividamento. Você não precisa de calculadora
para chegar à conclusão. Se o Vasco fatura coisa de R$ 150 milhões, mas gasta
R$ 200 milhões com despesas e tem R$ 205 milhões a pagar em dívidas, faltam R$
255 milhões apenas para que o clube termine 2017 no zero a zero. A auditoria é
clara sobre a situação no relatório que acompanha o balanço: Eventos ou
condições futuras podem levar o Vasco a não mais se manter em continuidade
operacional. Em português claro: o
Vasco pode quebrar de vez.
Eurico alega que a situação hoje é melhor do que quando
reassumiu o time, no fim de 2014. É verdade. O endividamento foi reduzido de R$
653 milhões naquele ano para R$ 517 milhões em 2016. Mas a razão precisa ser
colocada em contexto. A direção vascaína abateu R$ 113 milhões de sua dívida
com o governo, via renegociação do Profut, graças a descontos em juros, multas
e encargos. Não há dúvida de que a diminuição e o alongamento da dívida fiscal
foram uma vitória. Isso destravou os pagamentos do patrocínio estatal da Caixa,
que exige lisura nas obrigações com o governo para pôr o dinheiro na conta do
clube. Só não dá para se apegar à redução de uma dívida de longo prazo para
colar a versão de que as coisas melhoraram.
Por que o Vasco não fecha as portas? Fosse uma empresa comum, o clube entraria em um processo de recuperação judicial e teria seus bens leiloados para pagar os credores. Não é assim que funciona no futebol. Não há juiz que compre a briga de tomar São Januário e a sede vascaína numa canetada. Em vez disso, as receitas são penhoradas aos poucos para pagar os que chegam às últimas instâncias na Justiça. O efeito disso é perverso. As bilheterias, os patrocínios e a TV mal chegam ao caixa do clube, que por sua vez vai atrás de empréstimos para honrar sua folha salarial. À torcida, resta assistir aos resultados em campo de um clube em estado de falência. Rebaixado em 2013 e 2015, o Vasco que se cuide em 2017.
Por que o Vasco não fecha as portas? Fosse uma empresa comum, o clube entraria em um processo de recuperação judicial e teria seus bens leiloados para pagar os credores. Não é assim que funciona no futebol. Não há juiz que compre a briga de tomar São Januário e a sede vascaína numa canetada. Em vez disso, as receitas são penhoradas aos poucos para pagar os que chegam às últimas instâncias na Justiça. O efeito disso é perverso. As bilheterias, os patrocínios e a TV mal chegam ao caixa do clube, que por sua vez vai atrás de empréstimos para honrar sua folha salarial. À torcida, resta assistir aos resultados em campo de um clube em estado de falência. Rebaixado em 2013 e 2015, o Vasco que se cuide em 2017.
Fonte:
Revista Época
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