segunda-feira, 23 de março de 2020

ALTIVO LINHARES: ALTIVO ATÉ NO NOME - POR MAURÍCIO MONTEIRO

ALTIVO LINHARES, LUIZ FERNANDO E MARCUS FELIPE
(AO FUNDO O COLÉGIO ESTADUAL DEODATO LINHARES)


Nascido na zona rural, na fazenda Cachoeira Bonita, teve uma infância triste e sem colegas; inicia os seus estudos num Colégio Primário do povoado e depois é levado, como interno, para Leopoldina. Lá se envolve em brigas com os colegas e passa a dormir no quarto do roupeiro; depois foge pela linha férrea e chega a Miracema com os pés sangrando de tanto andar. Mandado para Campos e, sem sucesso nos estudos, retorna a Miracema a procura de emprego. Até os quinze anos andava descalço e vestia um “Riscado” como qualquer trabalhador braçal.

Adoece e durante a enfermidade entra em conflito com o padrasto e se retira para a fazenda e passa a morar numa das casas abandonadas desta. Não se empregando, ia muito cedo para Pádua a procura de Advogado para se apossar de suas terras; como era menor de idade esta luta seria demorada e difícil, mais um ano de lutas, para, finalmente conseguir o seu quinhão. Enamora-se de Zina Queiroz e após um ano estava casado, depois de conseguir um empréstimo com seu amigo Francisco Perlingeiro para pagar as despesas do casamento e comprar um carro de bois.

Muda-se para a fazenda e lá começa a derrubar matas para o plantio do café, cana, arroz, mandioca, instala um Alambique para a Cachaça e uma Olaria. Inicia a construção da sede, mas por falta de recursos não consegue terminá-la; faz um tapume debaixo do assoalho e lá passa a residir; enquanto a lavoura ia se formando. Instala uma Serraria na Rua Santos Dumont, mas a economia do distrito estava estagnada, foram dois anos perdidos. Volta para a fazenda, é um ano farto em chuvas e as suas lavouras floresceram, era o tempo de fazer o pecúlio com seguidas colheitas fartas.

Foi aí que os seus olhos se voltaram para o povoado, sem estradas, sem escolas, muita gente vivendo de expediente e jogos de azar. Passa a se interessar pela política, pelos “Tenentes” revoltosos que queriam reformas drásticas para o Brasil. Através do tribuno Maurício de Lacerda, faz contatos com vários deles, abriga-os em sua fazenda, auxiliando-os. No Rio, encontra-se com Juarez Távora e dá uma ajuda substancial para a Coluna Prestes, de dez contos de Réis – uma soma respeitável para a época.

Os revoltosos chegam ao poder em 1930, com Getúlio Vargas e Altivo é a principal figura no norte do Estado, tomando Miracema, Pádua, Itaocara e Cambuci, chegando como orador em Campos do movimento Revolucionário.

Assume a Prefeitura de Pádua e abre as estradas de Pádua a Miracema, depois até o Porto de Itaocara. Aqui remodela o Jardim, a Praça Ary Parreiras e o Jardim de Infância. Para esta missão, aluga todas as carroças do distrito. Através de Ary Parreiras consegue mais duas grandes obras: o Grupo Escolar Ferreira da Luz e a ponte sobre o rio Paraíba, em Itaocara. Não chega a inaugurar em virtude de passar a responder um processo em Petrópolis.

Volta em 1936 como deputado classista, chega à líder do governo e é um dos deputados mais temidos da Assembleia: nenhum liderado assinada um projeto sem a sua prévia anuência, e chega a ser chamado por “O Lampião do Norte”. Um ano e meio depois, com o Golpe de Estado de 1937, ele está de volta como prefeito de Miracema. Foram oito anos de poder absoluto, ninguém fazia nada na cidade sem clássica pergunta “E o altivo?”. Deixa Prefeitura em 1945 e volta dois anos após como prefeito eleito, até 1950, quando preside a mais violenta eleição de nossa história, fazendo o seu sucessor, Plínio Bastos de Barros.

Depois de vinte anos de Poder, volta para a fazenda, mas três anos após é convidado pelo governador Amaral Peixoto para ser o interventor da capital do Estado que atravessava série crise financeira. Era um convite audacioso para um político do interior. Aceitou o convite e, em troca, seria nomeado ministro do Tribunal de Contas. Muda-se para o Rio, onde era o primeiro chegar à sede do executivo. O rigor de sempre, sabia impor respeito e ordem. Como a Prefeitura Municipal de Niterói estava com excesso de funcionários, começou a demitir, cada vez mais, todo mês era uma leva, para ao final, chegar a mil! Foi um escândalo na ex-capital do Estado.

Começou a fazer obras, implantou o serviço de trolley bus na cidade e recuperou as finanças da Prefeitura Municipal d Niterói. Os vereadores aproveitaram e dobraram os seus vencimentos e do prefeito. Ele recusou a pagar e também não recebia o seu porque fora votado fora de época. O presidente do PSD, Barcelos Feio, que era também Secretário de Segurança, se bate pelos vereadores e Amaral Peixoto fica entre a cruz e a espada, neutro, não queria também desagradar ao amigo e correligionário a quem confiara à missão.

O impasse vai se agravando, e ele não cede. Por fim escreve uma carta ao governador: “V. Exa. me conhece há muito tempo e sabe que não me eduquei na escola do esbanjamento do dinheiro público para formar clientela eleitoral”. Entrega a Prefeitura ao seu chefe de Gabinete, José Geraldo Costa, assassinado dias depois no Restaurante Monteiro e volta para Miracema.

Aqui, deixa o PSD e funda o PL levando quase todos os seus seguidores, menos Melchiades Cardoso e Dirceu Medeiros. Pela primeira vez conhece uma derrota eleitoral. Perde por apenas dois votos e Moacyr Junqueira é eleito. Volta a disputar a eleição para prefeito de Miracema e Niterói. Vence com folga em Miracema; e perde por pouco em Niterói – onde fez apenas dois comícios e com mais empenho seria eleito também. Completa a sua obra administrativa com mais duas construções: a Casa de Saúde e o Ginásio Cenecista. Não faz o seu sucessor e abandona a política.

“De cem em cem anos nasce um homem como o Altivo!”, dizia-me o professor Álvaro Lontra que hoje é nome de uma escola, com aquela autoridade moral, o sendo de autoridade. O Homem que nasceu com inata capacidade de intimidar e comandar os homens. Fundava um Partido Político com a maior facilidade, envolvia os adversários e os destroçava.

O “altivismo” foi quase uma religião em Miracema, os grandes oradores da UDN não conseguiam convencer os seus adeptos, exercia um fascínio sobre o homem da rua e nos poderosos de então. Homem mais de ação do que de palavras, mas o seu discurso de posse como prefeito de Miracema é uma peça oratória que deve figurar nos anais da cidade.

Nunca esquecia um agravo. Tempos depois, Amaral é nomeado embaixador nos Estados Unidos e veio a Miracema para inaugurar uma ponte; quando a caravana chegou a Miracema, Altivo reuniu os choferes de praça e deu uma “corrida” na caravana em plena rua Direita.

Afastou-se completamente da política cumprindo o seu último mandato de prefeito e o filho, Luiz Fernando é nomeado engenheiro do D.E.R. e começa a abrir estradas e asfaltar, pavimentando o seu caminho para sua candidatura a deputado. Eleito e reeleito por duas vezes, com expressiva votação, torna-se líder da Arena e em marcha batida para governar o Estado, representando dez municípios. A sua morte nos deixou órfão de representação popular. “Foi o maior desastre de minha vida”! É o choro silencioso do pai, com duas lágrimas grossas. Luís Fernando era mais um executivo do que político, mas tinha um professor em casa e ia longe.

Quando o seu busto foi inaugurado ao lado da Biblioteca, Amaral Peixoto e Moreira Franco vieram prestigiar a solenidade e foram fazer uma visita de cortesia. Ele os recebeu friamente, diante de um Amaral alegre por reencontrar um antigo amigo de lutas políticas, a quem devotava o maior apreço.

Na ausência do filho, continuei a fazer minhas visitas para colher informações visando um livro para resgatar a memória do município, ele ia enumerando as obras que fez – quase todas as existentes, as melhores, sempre – ainda sonhando com mais coisas para a sua cidade, dominado pelo amor à pátria que segundo Marcel Proust “É a grande frivolidade daqueles que estão morrendo.”


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