Foto: Arte GloboEsporte.com
O Vasco da Gama passou para a Série A da Divisão
Principal em 1923 e nesse mesmo ano conquistou o título carioca, assinalando
uma campanha admirável. O quadro principal vascaíno obteve 12 vitórias, 1
empate e uma derrota nos 14 jogos do certame.
Havia um segredo: ao contrário das demais equipes que
disputavam os torneios de futebol, o Vasco arrebanhava para o seu time
trabalhadores comuns e negros que, misturados aos portugueses, formaram a
estrutura que mudaria os rumos do futebol brasileiro. Na época, Flamengo,
Fluminense, Botafogo e América, os chamados grandes, só permitiam jogadores
brancos em seus times. O Paysandu e o Rio Cricket iam mais longe: só aceitavam
jogadores descendentes de ingleses.
Apavorados com o crescente prestígio vascaíno,
especialmente depois da conquista do título de 1923, os clubes grandes de então
se reuniram para exigir que o Vasco e os demais pequenos se submetessem a uma
investigação em torno das posições sociais de seus atletas. A ordem era que se
eliminassem os jogadores profissionais ou que não fossem capazes de assinar a
súmula das partidas.
O Vasco contava com vários analfabetos no time e, numa
iniciativa pioneira, costumava ofertar a seus jogadores galinhas, porcos e
patos quando vencia seus jogos. Esse tipo de premiação acabaria apelidada de
“bicho” e que ganharia outros contornos na fase do profissionalismo explícito.
Desesperados, os grandes partiram para uma alternativa, onde ocorreu a primeira
dissidência no futebol do Rio. Clubes na época aristocráticos, como Flamengo e
Fluminense abandonaram a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) e
criaram a Associação Metropolitana de Esportes Amadores (AMEA), sob condições
baseadas em discriminação racial e social. Outros clubes foram admitidos na
AMEA. O Vasco tentou filiar-se, mas foi impedido sob o argumento de que não
possuía um campo apropriado – o clube disputava seus jogos no campo da Rua
Moraes e Silva. Não era bem esse o problema. Tanto que foi proposto ao Vasco
eliminar doze de seus jogadores, exatamente os negros e operários, por não
atenderem aos requisitos impostos pela AMEA, para que o aceitasse na nova
entidade. Não havia mais dúvida: era racismo mesmo.
Diante do ultimato, o presidente do Clube, José
Augusto Prestes, assinou um ofício no dia 07 de abril de 1924, que ficou famoso
na história do futebol carioca e brasileiro, desistindo de participar da nova
liga criada. Campeão do ano anterior recusou-se a satisfazer estas condições
indignas e preferiu não se filiar à AMEA, permanecendo na LMDT ao lado de
outros clubes pequenos. No ano seguinte, entretanto, a AMEA abandonou o
preconceito e os clubes da divisão principal da LMDT ingressaram na AMEA. Este
episódio foi decisivo para a extinção do racismo no futebol carioca. Os
campeões de 1924 foram o Fluminense (AMEA) e o Vasco (LMDT).
Nota: a título de esclarecimento, o Vasco não foi o primeiro clube a contar com jogadores negros em seu elenco. No entanto, o clube é muito lembrado pela grande resistência em defender seus jogadores negros e demais trabalhadores comuns, no início dos anos 20, o que é louvável e deve ser feito esse registro. Inclusive, em 1905 foi eleito um presidente negro, Cândido José de Araújo. Ao longo de sua história o Vasco sempre levantou a bandeira contra o racismo.
A Ponte Preta, em 1900, com Miguel do Carmo, um
jogador negro que também era presidente e foi um dos fundadores do clube; o
Bangu, em 1905, com Francisco Carregal, o primeiro jogador negro do futebol
carioca; o Campos Atlético Associação, de Campos dos Goytacazes, que teve como
característica o fato de ser fundado por e para os negros, em 1912, com as
cores roxa, preta e branca, simbolizando a união das raças, são equipes que
merecem ser citadas por essas iniciativas pioneiras no esporte brasileiro. Há
de se destacar que o Fluminense – contra o Rio Cricket pelo Campeonato Carioca
de 1910 – teve em seu quadro atuando apenas nesse jogo oficial, o atleta negro
Alfredo Guimarães.
DOIS
EXEMPLOS DE PRECONCEITO NO FUTEBOL NO INÍCIO DO SÉCULO PASSADO
- Nota oficial da Liga Metropolitana, publicada no jornal “Gazeta de Notícias” de 14 de maio de 1907:
“Comunicamos-vos que o Diretório da Liga, em sessão
hoje, resolveu por unanimidade que não sejam registrados como atletas pessoas
de cor.”
- ARTIGO 4: sobre registros de jogadores na Lei do
Amadorismo, divulgada no Diário Oficial de 20 de dezembro de 1917:
“Não poderão ser registrados os que tirem os meios de
subsistência de profissão braçal, aqueles que exerçam profissão humilhante que
lhes permitam o recebimento de gorjetas, os analfabetos e os que embora tendo
profissão estejam, a juízo do Conselho Superior, abaixo do nível moral
exigido.”
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