Nota: reportagem da revista Placar edição 361/77. Não consta o autor da matéria.
Após dez anos os grandes vão ter de
enfrentar os pequenos também em seus estádinhos. E fora do Maracanã o sarrafo é
mais embaixo. É a volta dos tempos em que ser campeão carioca exigia, além de
bom futebol, um espírito de luta que o grande estádio já estava matando.
A revolução na tabela do Campeonato Carioca e
na política da federação está enchendo de esperança os torcedores – eles
existem – dos pequenos clubes. Enquanto percorre as obras do novo campo do
Olaria, o diretor Edmundo dos Santos chega a ficar com os olhos brilhantes:
- No segundo turno, o time que a
gente enfrentar na casa deles vai ter de jogar aqui, grande ou pequeno. Até a
tal da tabela dirigida, Campeonato Carioca tinha mais graça, tinha mais sabor.
E a gente justificava mesmo a fama de que Bariri era um alçapão, uma armadilha
para os grandes.
Clube organizado, com quatro piscinas, sauna, belo salão de festas, concentração refrigerada, duas nutricionistas para cuidar da alimentação dos atletas e cuidados médicos como poucos grandes têm, o Olaria espera agora repetir façanhas como a de 1947, quando venceu o Fluminense de Píndaro e Pinheiro, ou de 1948, quando ninguém sabe como 30 mil pessoas entraram no estádio para ver o supertime do Vasco.
- Quem não conseguiu lugar – conta o
velho porteiro do clube – subiu em dois vagões de boi, no ramal ferroviário que
passava aqui atrás do campo para o Curtume Carioca, para ver um pedaço do campo
na ponta dos pés. Mr. Barrick, um juiz inglês, só começou a partida quando
chegaram dois choques da polícia especial, chefiados por Mário Vianna.
Ali perto, ma rua Teixeira de Castro,
também junto aos trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina, o estádio do
Bonsucesso também já viveu seus dias de glória. Pode até ser considerado um bom
estádio, com capacidade para mais de 20 mil pessoas, gramado melhor que o de
São Januário e iluminação que só perde para o do Maracanã.
- No entanto – diz o torcedor Fuad
Bunain -, nesses últimos dez anos o Bonsucesso não jogou uma dezena de vezes
aqui contra times grandes. Dirigi o Bonsucesso e por ele perdi uma loja, tive
títulos apontados, sofri o diabo. Para dirigir clube pequeno o cara tem que ser
vaidoso ou maluco. Fui os dois, mais maluco que vaidoso.
Agora, no entanto, voltas as
esperanças de que não seja necessário nem vaidade nem insanidade para formar no
Bonsucesso grandes equipes como as de 1955 e de 1968/69.
Claro, a simples mudança na tabela e
dos ventos políticos não vai conseguir salvar os pequenos clubes da noite para
o dia. Por exemplo: quem vai hoje ao São Cristóvão não consegue vislumbrar
solução para o clube. Cercado de indústrias e situado exatamente sob o viaduto
que ligará o campo de São Cristóvão à Avenida Rodrigues Alves, o estádio não
oferece a menor condição para jogos oficiais de futebol.
- Quem te viu e quem te vê – lamenta
o conselheiro Benito Rodrigues. – O São Cristóvão que já foi grande, que já foi
campeão carioca, hoje vive de lembranças. .
Lembranças como a vitória de 6 a 2
sobre o Vasco, em 1943, no estadinho superlotado – “superlotado pela nossa
torcida, pois s vizinhos vascaínos não tinham nem coragem de vir até aqui”.
- Antigamente, era preciso mais que
jogar bola para vencer aqui; era preciso ter um time de machos. Agora não
precisa nem jogar bola nem ser macho. Na verdade, não precisa nada: o futebol
morreu em Figueira de Melo. Aqui não dá mesmo para jogar.
A Portuguesa tem menos memória.
Fundada em 1924, só 34 anos depois passou a disputar o futebol carioca – e só
em 1962 conseguiu campo próprio, comprando as instalações do hipódromo que
funcionou fugazmente na Ilha do Governador. Tem boa arquibancada, muito espaço,
segurança. A única ameaça, lá, era o que os locutores de rádio chamavam de
ventos uivantes, que sopravam do mar para a terra e realmente carregavam a
bola.
- Nem vento tem mais aqui – garante o
diretor Antônio Fernandes. – Cortaram o morro aí do lado e acabou o vento
encanado.
Também o Campo Grande não tem
tradição no futebol carioca – só entrou no Campeonato Carioca quando o Canto do
Rio foi afastado, depois da transformação do Distrito Federal em Estado da
Guanabara. E lamenta que a Federação tenha vetado o estádio Ítalo Del Cima para
jogos contra os grandes clubes.
- Pretendíamos investir 400 mil
cruzeiros na iluminação do estádio, mas assim não dá para tirar o investimento.
Pedimos as arquibancadas do carnaval, mas o prefeito Marcos Tamoio negou. Vamos
ver como é que fica. Pelo menos agora a gente está com mais poder político na
Federação – diz o presidente Ilídio Ferreira.
O Madureira tem a mesma queixa. O
tradicionalíssimo alçapão de Conselheiro Galvão também foi aprovado para os
jogos contra os grandes – e, pior, o clube não tem dinheiro para melhorar o
estádio.
- De tanto jogar no Maracanã a troco
de migalhas, empobrecemos de vez – lamenta o vice-presidente Orestes Araújo. –
Além do mais, os comerciantes daqui nos abandonaram. Antigamente isto aqui era
uma verdadeira família, todo mundo unido. Agora, Madureira é uma cidade, e os
comerciantes moram na zona sul, na beira da praia.
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