Nota: crônica transcrita do Jornal
dos Sports, de 08 de novembro/1992, homenageando o Queixada no seu
aniversário de 70 anos. Ademir faleceu em 11 de maio de 1996, aos 73 anos.
Seus números dentro de campo
comprovam que não é para qualquer mortal. Mas, esperem, não é somente esse
fantástico recorde, que atesta a miraculosa força atlética e todo o genial
talento desse nosso caro e mitológico Ademir Marques de Menezes, em seus
venturosos, às vezes, também atribulados e sofridos anos de profissionalismo de
vintém.
De pique direto, fulminante
velocidade e precisão absoluta nos arremates, geralmente por baixo e penteando
a grama, quem foi melhor do que ele? Pode parecer até delírio de saudosismo.
Mas não é nada disso. Querem ver só? Pessoalmente, tenho visto, ao longo de
tantos temporais, aqui e fora, atacantes da mais fina qualidade, possuidores de
extrema mobilidade e rushs fatais. Nenhum deles, porém, com o sendo de
equilíbrio, a bem dotada noção do momento da explosão e o inacreditável poder
de fogo, para fazer a coisa certa. Dir-se-ia o próprio imponderável. Mas, pagou
caro tributo. Com seguidas fraturas de demorada recuperação e a sagrada
intimidade maculada pelos alvoroçados caçadores de escândalo, que por aí também
já existiam.
Produto da vitoriosa geração que nos
deu Zizinho, nascido e moldado pelo inquieto uruguaio Ricardo Diez, técnico do
campeoníssimo Sport Club do Recife, eis que esse fogoso Ademir, após exaltado
sucesso pelos estádios do Sul – Rio, São Paulo e Minas –, transforma-se, de
repente, em alvo da cobiça de dois pretendentes gananciosos, mas
irreconciliáveis: Vasco e Fluminense. Ele até que teria sido mais balançado pelo
Fluminense, ainda de Ondino Vieira, que o queria a todo custo, tanto que nele
via a mais expressiva descoberta de sua carreira.
No entanto, mais esperto e valendo-se
da preguiçosa indefinição dos parvos cartolas tricolores, coube-lhe, por
destino, os ares mais promitentes de São Januário, para alegria e ufanosa
realização do pai e empresário, “Seu” Menezes, o sempre sorridente e lépido
“Muriçoca”. E, é claro, porque a grana cruzmaltina era muitíssimo mais
generosa. Vem daí, o seu desabrochar para a glória. Como a de afirmar-se
artilheiro, sem rival em sul-americanos memoráveis (média de 13 gols). Mais a
honra de ser o primeiro, no Mundial de 50, e herói de nada menos de 54 gols em
49 partidas, unicamente, ao curso de 1949.
Com Tesourinha, Zizinho, Heleno e
Jair Rosa Pinto, vestiu a camisa 11 (só porque não podia ficar fora do bolo de
gente tão especial), soube sempre se apresentar com soberba e digna atuação, durante
o torneio continental de Santiago do Chile, em 1945. Nos pés e a cada desafio,
a marca inconfundível do irresistível rocketing the Ball.
De outra feita, agora por influência
e clamor de Gentil Cardoso, terminou por bater às portas do Fluminense. O
Fluminense – lembram-se – não passava de um risível timinho, a torcida já
impaciente à espera do milagre de uma vitória que não vinha nunca. Foi quando
ocorreu a Gentil soltar uma de suas tiradas – neste episódio, a que mais e
melhor definiu a magia desse craque de mil travessuras com a redonda: - “esse
Ademir é só o que nos falta para sairmos de todo o nosso sufoco!” E gritou,
profético e temerário:
- Deem-me Ademir e eu vos darei o
campeonato.
Os que suponham que se tratasse de
mais uma potoca do velho marinheiro, quebraram a cara. E não é que aquele time
tomou jeito e que, jogando com também Pedro Amorim, que sempre sabia das coisas
e fazia gols, ficou com o título. O Fluminense inteiro do pernóstico tênis à
vaidosa natação, cantou vitória o ano inteiro. Enquanto Gentil, na sua doce
sombra, sorria e falava, de coração aberto:
- Ah, meu craque Ademir! Devemos tudo
a ele!
E era a mais pura e santa verdade. A
mais e eloqüente sincera manifestação de humildade do velho sábio, matreiro e
milagroso Preto Velho.