Nota: crônica publicada no jornal O
Globo, em 04 de abril de 2005, com redação de Felippe Awi e fotos de Jorge
William. Na véspera, o Fluminense derrotou o Flamengo por 4 a 1, conquistando a
Taça Rio e o direito de disputar a final do Campeonato Carioca, contra o Volta
Redonda, vencedor da Taça Guanabara.
Angustiados, porém de pé, na hora da despedida. Geraldinos folclóricos
assistem ali ao último clássico no Maracanã. A área ganhará cadeiras após o
Estadual.
A torcida ainda comemora o segundo
gol do Fluminense quando quatro bombeiros surgem do meio da multidão carregando
na maca uma senhora inconsciente. Sua aparência é frágil, apesar de estar
vestida com uma roupa de super-herói. Em meio à alegria tricolor, as pessoas a
acompanham com fisionomia tensa, mas geraldino que é geraldino já viu esta cena
outras vezes. Trata-se de Maria de Lourdes da Silva, 63 anos, conhecida na
geral do Maracanã como a Vovó Tricolor. Ali naquela maca sua pressão está a 18
por 10.
- A emoção de ver o Fluminense aqui
na geral é muito grande. Meus filhos e netos ficam preocupados porque já cansei
de passar mal. Aí entro na ambulância, vou ao posto médico e depois volto para
o jogo – contava ela pouco antes de a bola rolar
Foi o último clássico em que Maria de
Lourdes cumpriu esta rotina. Depois dos dois jogos da final do Estadual, a área
mais popular do Maracanã será extinta para que sejam instaladas cadeiras.
Ficará apenas a lembrança dos personagens que a geral criou.
A geral era diferente quando a Vovó
Tricolor começou a freqüentá-la há 25 anos. As torcidas se misturavam e mal
havia espaço em decisões como a de ontem. Anos de violência, arrastões e até
uma certa promoção que deixou a área três vezes mais cara que a arquibancada
serviram para deixá-la menos cheia. O charme, porém, não se perdeu.
Que o digam os geraldinos fiéis que
estiveram lá ontem. Havia o gorila, o cabelo duro, o homem que chora. Mas havia
também famílias sem fantasias e com filhos, levadas por uma constatação: a
geral tornou-se mais segura que a arquibancada. Apenas 12 policiais e 12 cães
cuidam da área.
- Há mais de um ano não vejo briga
por aqui. Aqui não tem torcida organizada – lembra o sargento Lenildo,
responsável pela geral.
- O geraldino tem o privilégio de participar da festa – diz o autor do cartaz, o contador tricolor Celso Lima.
Participa mesmo. Onde mais o torcedor
pode xingar e ser ouvido pelo xingado? Há outros gritos curiosos:
- Ô, repórter! Deixa o Junior descer
logo para o vestiário. Ele precisa descansar.
A velha guarda da geral já está
saudosa de tudo isso. Há 30 anos por ali, Samuca se lembra do dia em que ajudou
o ladrilheiro a pular o gramado e ajudar o Flamengo a ser campeão em 1981. Ontem,
ele estava de terno e gravata, com uma máscara do presidente Lula.
- Vim assim para pedir ao Chiquinho
de Carvalho (presidente da Suderj) para não acabar com geral. Eles têm de ouvir
um pedido do presidente.
- Se acabarem com a geral, vou entrar
com uma liminar – arrisca o rubro-negro Sidney Alves, que andava de bicicleta
por ali até ter o brinquedo confiscado pela polícia.
Chiquinho conta que já ouviu vários pedidos como estes. A eles, responde que o Maracanã deve seguir as normas da FIFA, que obriga todos os torcedores a verem o jogo sentado. Os geraldinos preferem assistir a tudo de pé, com placas publicitárias atrapalhando a visão e com boas possibilidades de levar um copo de urina na cabeça. Ninguém sabe como vai ser daqui para frente, como resumiu o tricolor Gilberto Pereira.
- Não sei se vou me acostumar àquele grito da arquibancada: “Senta! Senta!”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário