sábado, 4 de novembro de 2023

O FIM DA GERAL NO MARACANÃ

 


Nota: crônica publicada no jornal O Globo, em 04 de abril de 2005, com redação de Felippe Awi e fotos de Jorge William. Na véspera, o Fluminense derrotou o Flamengo por 4 a 1, conquistando a Taça Rio e o direito de disputar a final do Campeonato Carioca, contra o Volta Redonda, vencedor da Taça Guanabara.

 

Angustiados, porém de pé, na hora da despedida. Geraldinos folclóricos assistem ali ao último clássico no Maracanã. A área ganhará cadeiras após o Estadual.   

 

A torcida ainda comemora o segundo gol do Fluminense quando quatro bombeiros surgem do meio da multidão carregando na maca uma senhora inconsciente. Sua aparência é frágil, apesar de estar vestida com uma roupa de super-herói. Em meio à alegria tricolor, as pessoas a acompanham com fisionomia tensa, mas geraldino que é geraldino já viu esta cena outras vezes. Trata-se de Maria de Lourdes da Silva, 63 anos, conhecida na geral do Maracanã como a Vovó Tricolor. Ali naquela maca sua pressão está a 18 por 10.

- A emoção de ver o Fluminense aqui na geral é muito grande. Meus filhos e netos ficam preocupados porque já cansei de passar mal. Aí entro na ambulância, vou ao posto médico e depois volto para o jogo – contava ela pouco antes de a bola rolar

 

Foi o último clássico em que Maria de Lourdes cumpriu esta rotina. Depois dos dois jogos da final do Estadual, a área mais popular do Maracanã será extinta para que sejam instaladas cadeiras. Ficará apenas a lembrança dos personagens que a geral criou.

A geral era diferente quando a Vovó Tricolor começou a freqüentá-la há 25 anos. As torcidas se misturavam e mal havia espaço em decisões como a de ontem. Anos de violência, arrastões e até uma certa promoção que deixou a área três vezes mais cara que a arquibancada serviram para deixá-la menos cheia. O charme, porém, não se perdeu.

Que o digam os geraldinos fiéis que estiveram lá ontem. Havia o gorila, o cabelo duro, o homem que chora. Mas havia também famílias sem fantasias e com filhos, levadas por uma constatação: a geral tornou-se mais segura que a arquibancada. Apenas 12 policiais e 12 cães cuidam da área.

- Há mais de um ano não vejo briga por aqui. Aqui não tem torcida organizada – lembra o sargento Lenildo, responsável pela geral.

 


O geraldino moderno vai até lá para ver e ser visto. Como as transmissões de TV valorizam cada vez mais as figuras exóticas, vale tudo para aparecer. O rubro-negro Aquino de Lima levou a sério o ditado e chegou a botar uma melancia na cabeça. Outros fazem propaganda, mas a maioria aderiu aos cartazes com textos engraçados, de incentivo aos times ou com recados para a TV Globo. Ontem, as campeãs foram as mensagens para o Papa, mas houve quem se lembrasse que, daqui a uma semana, não tem mais nada disso: “Adeus geral. O meu amor por você será eterno”.

- O geraldino tem o privilégio de participar da festa – diz o autor do cartaz, o contador tricolor Celso Lima.

 

Participa mesmo. Onde mais o torcedor pode xingar e ser ouvido pelo xingado? Há outros gritos curiosos:

- Ô, repórter! Deixa o Junior descer logo para o vestiário. Ele precisa descansar.

 

A velha guarda da geral já está saudosa de tudo isso. Há 30 anos por ali, Samuca se lembra do dia em que ajudou o ladrilheiro a pular o gramado e ajudar o Flamengo a ser campeão em 1981. Ontem, ele estava de terno e gravata, com uma máscara do presidente Lula.

- Vim assim para pedir ao Chiquinho de Carvalho (presidente da Suderj) para não acabar com geral. Eles têm de ouvir um pedido do presidente.

- Se acabarem com a geral, vou entrar com uma liminar – arrisca o rubro-negro Sidney Alves, que andava de bicicleta por ali até ter o brinquedo confiscado pela polícia.


Chiquinho conta que já ouviu vários pedidos como estes. A eles, responde que o Maracanã deve seguir as normas da FIFA, que obriga todos os torcedores a verem o jogo sentado. Os geraldinos preferem assistir a tudo de pé, com placas publicitárias atrapalhando a visão e com boas possibilidades de levar um copo de urina na cabeça. Ninguém sabe como vai ser daqui para frente, como resumiu o tricolor Gilberto Pereira.

- Não sei se vou me acostumar àquele grito da arquibancada: “Senta! Senta!”.

 

 

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