Nota do blog: essa
matéria, do repórter Fellipe Awi, foi publicada no jornal “O Dia” de 21 de fevereiro de 1999.
O NOBRE PALCO DE UM
HOMEM SÓ
Há apaixonados por
futebol que não perdem um jogo no Maracanã, outros que colecionam camisas e
ainda há aqueles que enchem as paredes de pôsteres. Existe um, no entanto, que
foi bem mais longe: construiu um estádio sozinho. O contador aposentado João
Goulart Ligiéro é assim. Há mais de 40 anos, levantou um estádio para 10.800
torcedores em Comendador Venâncio, um pequeno distrito de Itaperuna, noroeste
do Estado do Rio. Agora, aos 75 anos, quer terminar sua obra de arte.
- Enquanto tiver força para viver e um centavo no bolso, vou extravasar
meu amor pelo futebol neste estádio. Falta construir o muro, terminar de fazer
os bancos de reservas e aumentar a lotação para 17 mil pessoas – diz João,
sem saber que estaria construindo o quinto maior estádio do Estado.
A sobrevivência do
Estádio Aarão Garcia depende da força e do dinheiro de João desde que a
construção começou, em 1955. Cansado de esperar pela prefeitura de Itaperuna,
este ex-jogador do Porto Alegre – time que deu origem ao Itaperuna – deu início
ao seu grande sonho. Sem ter como
contratar peões, botou a mão na enxada e começou a obra, tijolo por tijolo,
pedra por pedra.
- Tive apenas a ajuda ocasional de um pedreiro e de um coveiro, que
cuidou do gramado. Eu era apenas um contador, mas aprendi a construir graças à
minha obstinação. E o dinheiro vinha do meu bolso e de doações da família e de
alguns amigos da região – conta João, que continua mantendo o estádio,
apesar de receber quatro salários mínimos.
Foram três anos de
muito suor, literalmente. O contador encontrou várias dificuldades para tocar a
obra. João não lembra bem da moeda, mas sabe que comprou o terreno por um preço
cinco vezes maior do que realmente valia. Depois, foram os aterros destruídos
por constantes tempestades. Mas nada o fez parar.
- Diziam que ele nunca conseguiria construir um estádio num vale como
aquele, mas o João estava obcecado. Ele não descansaria enquanto não visse uma
partida de futebol ali – conta Dona Elza, a companheira de 53 anos.
- Existem coisas na vida que só se faz com teimosia – emenda João.
A grande ajuda, porém,
veio de outro problema. Pelo projeto, a rodovia BR-356 passaria exatamente
sobre o campo. Desesperado, João teve uma ideia genial: deixou que a obra da
estrada continuasse, mas aproveitou a terraplanagem para construir um campo
melhor, com medidas oficiais (105m x 68m), no terreno ao lado.
Hoje, ele pouco
aproveita de sua obra. Prefere ver o time amador do Venancense jogar por lá, ou
mesmo a garotada da região, que enche o campo com intermináveis peladas. Mas
não esconde o time que gostaria de ver pisando naquele gramado:
- Seria a maior honra de minha vida receber o Vasco aqui. Acho que não
iria aguentar de emoção.
A COR DO VERDÃO
Durante a construção do
estádio, João Ligiéro conseguiu, através de um amigo, “importar” placas de
grama do campo do Palmeiras, o Parque Antarctica. As placas vieram de São Paulo
em caminhões e foram cultivadas em Comendador Venâncio.
Como uma homenagem ao
clube paulista, o Esporte Clube Venancence adotou as cores verde e branco no
uniforme do time e nas paredes do estádio Aarão Garcia. Virou o Verdão do Rio.
VIDA DE JOGADOR
A construção do estádio
foi apenas o ápice da paixão de João Ligiéro pelo futebol. Aos 16 anos, aceitou
trabalhar como regente de um colégio interno de Itaperuna para poder jogar no
time, sem receber um tostão no fim do mês.
- Meu salário era a satisfação de jogar no time do colégio. Era um belo half-direito
(os atuais meias que jogam pela direita) – lembra.
Depois de disputar
torneios de futebol amador, foi jogar no Porto Alegre, time que deu origem ao
Itaperuna.
Eu vi esse senhor cava muito o morro em torno do campo para fazer os degraus das arquibancadas nos anos 80 eu tinha 18 anos de idade. Essa estoria e verdadeira.
ResponderExcluirObrigado pelo depoimento e confirmação dos fatos.
ResponderExcluirVerdade, moro perto do campo e vi várias vezes o senhor João Ligiéro passar para trabalhar fazendo as arquibancadas onde hoje podemos assistir nossos jogos. Foi também meu professor quando estudei no Colégio Nicoláo Bastos Filho.
ResponderExcluirQue história maravilhosa, isso daria um filme, que Deus dê muita muita luz pra esse senhor corojoso e arrojado...
ResponderExcluirParabéns
Eu assisti muitos jogos neste estádio. Não tinha a minima idéia do que tinha ocorrido. O sr João Ligiéro era também um ótimo professor de inglês no ginásio. Essa é uma das histórias mais bonitas de Comendador Venancio.
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