terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

CARNAVAL DE MIRACEMA - POR JOSÉ ERASMO TOSTES


O carnaval de Miracema sempre foi um dos mais animados em todo o Estado do Rio de Janeiro, onde aqui aportavam pessoas de vários lugares. Durval Manhães era o ornamentador oficial da cidade, onde a Rua Direita tinha como teto a serpentina, o piso de confete e o ar era impregnado com o perfume da lança-perfume.
O primeiro bloco que temos conhecimento chamava-se Bloco da Rolha, que desfilava em carros abertos cantando músicas que até hoje não saem de nossa lembrança, nos salões do Aero Club e no Primavera. ESTE ANO VOU SAIR NO BLOCO DA TERCEIRA IDADE, NESTE ANO DE DOIS MIL, VOU MATAR MINHA SAUDADE. Com a batida dos tambores começamos a cantar estes primeiros versos da marchinha de carnaval em Miracema no ano 2000. Nosso bloco estava formado em frente ao Banco do Brasil, e ao começar o desfile, parece que meu corpo e minha mente foram transportados para carnavais do passado. Olhando para o lado direito, vejo a garagem do Otílio Átila, onde na traseira de um ônibus estava escrito: “O sol nasce para todos”. Esta frase era dirigida a um seu concorrente de transporte. Do lado esquerdo, vejo o Saliba Félix, sempre sorridente, acompanhado pela família.
Nos primeiros passos do bloco, já estávamos em frente ao Hotel Braga, onde víamos em suas várias janelas viajantes que vinham aqui apreciar o nosso carnaval. Do outro lado, lá estava Wady Miguel, esposa e filhos pequenos, e mais à frente a Casa Nice, do Demétrio e a Alfaiataria do Amaro Leitão. Do outro lado, a Farmácia Queiroz, e os foliões a cantar: A ESTRELA DALVA, NO CÉU DESPONTA, E A LUA ANDA TONTA, COM TAMANHO ESPLENDOR.
O nosso bloco é composto de senhoras de nossa sociedade, a maioria sessentonas com os cabelos já brancos, e cantavam o segundo verso de nossa marchinha: O TEMPO PASSA, O TEMPO VOA, O CABELO SE ESTÁ BRANCO, É DE PEGAR TANTA GAROA.
E continuam a cantar e sambar numa alegria frenética como se fossem garotas de quinze anos. E as lembranças voltam novamente. Já estamos na Casa Azul, que depois veio a ser o Bar Pracinha. Do outro lado, o Bar Savoya, dos irmãos Maia. Mais à frente, a loja do José de Assis, com um serviço de alto-falantes MR3, tocando CIDADE MARAVILHOSA, CHEIA DE ENCANTOS MIL, CIDADE MARAVILHOSA, CORAÇÃO DO MEU BRASIL.
Na outra esquina, o Paschoalino Granato na sacada, com os filhos a jogar serpentina que cobria a rua, e os confetes a nos tocar o rosto suado. Do outro lado, o Felício Antônio, sempre de chapéu e gravata borboleta, com os filhos fantasiados, e a música tocando: O TEU CABELO NÃO NEGA MULATA, PORQUE TU ÉS MULATA NA COR.
Novamente volto à realidade, e o nosso bloco continua a cantar o terceiro verso de nossa marcha: SOU DO BLOCO REVIVER, REVIVER ESTÁ COM A VEZ, VOU SAMBAR COM ALEGRIA, E CHAMAR TODOS VOCÊS. E continua a bateria, os músicos e os sambistas. Já a esta altura o nosso bloco, com o dobro de pessoas, que se contagiando, vão engrossando as alas com moças, rapazes e crianças.
Novamente as lembranças, e vemos Dona Ziza, do Melchíades Cardoso, saindo da janela onde se posicionava para dançar em todos os blocos que por ali passavam. Já estávamos passando pelo bar do português Antônio Pinheiro, onde os encostos das cadeiras eram todos de linho branco, e o povo a cantar: A MINHA CANINHA VERDE QUE VEIO LÁ DE PORTUGAL, VAMOS TODOS MINHA GENTE, FESTEJAR O CARNAVAL.
Na esquina da Loja do Chicrala Amim, em frente à garagem do Osmar Rezende, que fazia a linha Miracema/Cataguases, ao fundo vejo um Ford 41 preto, de duas portas, e o Osmar sempre mascando um cigarro. Carmindo Feijó e Dona Quita na sacada da Força e Luz, e do outro lado a Samaritana, no prédio antigo, com as portas de madeira, onde vejo o Chico Damasceno, Dona Dulce e Cirene com o menino Gutemberg, hoje prefeito, e a música continuava tocando: MEU PIRIQUITINHO VERDE TIRA A SORTE POR FAVOR.
E mais uma vez vejo o rosto das pessoas que compõem o nosso bloco. O prazer, o contentamento, a alegria por estarem desfilando. Eu de bermuda, sapatos e chapéu branco, óculos de grau. Parecia até ouvir: SOU O PIRATA, DA PERNA DE PAU, OLHO DE VIDRO, CARA DE MAU.
Já estávamos passando pela alfaiataria do Ernesto Granato, onde todos os anos se transformava num bazar que vendia de tudo para o carnaval: lança-perfume Rodo metálica, confetes, serpentinas, máscaras, óculos, fantasias diversas e tudo para enfeites. E aparece o Paulo Pires, com uma sombrinha na mão dançando o frevo, e mais à frente a Casa Rainha, do Joffre Salim, Nacib Gandour, e na esquina a Casa Cacheado. Do outro lado a Casa Chicrala Salim, e a música e o povo cantando: ATRAVESSEI O DESERTO DO SAARA, O SOL ESTAVA QUENTE E QUEIMOU A MINHACARA.
Nosso carnaval tinha a animação que não víamos em outras cidades. Foliões como o Zé Faca, Roque Ciuffo, Jair Polaca, Lúcia Gualter, são personagens que sempre ficarão em nossa memória. E volto a ouvir o quarto verso de nossa marchinha: SE A LÚCIA AQUI ESTIVESSE, AH! MEU DEUS, QUE BOM SERIA, ERA MAIS UMA VOZ VIBRANTE, E TAMBÉM MAIS ALEGRIA.
Chegando em frente à agência Ford e da Farmácia do Azarias, o bloco passa a fazer a dispersão, como todos os outros. Olho para traz e vejo as cabeças brancas do bloco da terceira idade, que ainda cantam o refrão: O TEMPO PASSA, O TEMPO VOA, O CABELO SE ESTÁ BRANCO, É DE PEGAR TANTA GAROA.
Nota: do seu livro Tipos e Fatos Inesquecíveis. 

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