Estava
no jardim, sentado em um banco, lendo o Página Um, quando chegaram dois
senhores de certa idade e sentaram no banco em frente. Um deles usava bermuda
branca, tênis moderno e chapeuzinho, o outro era gordo e careca. O gordo dizia:
“É, Miracema já teve bons jogadores de futebol, assim como o Geraldo Neves,
Galietinha, Rubens Carvalho, Zé Capetinha, Gentil, Agrícola...”
Diz o
da bermuda: “Lembro-me de todos eles, lembro também do Ribeirão Santo Antônio,
como tinha água, já peguei traíra, bagre, carás, lambaris. Lá em cima, na Rua
da Laje, na Rua do Nenzinho, como era chamada, onde dava passagem para o
Departamento do Café, tinha uma ponte de madeira, o poço era fundo, os
carroceiros tiravam areia para vender nas construções, tomava-se banho pelado, mas era preciso estar vigiando as roupas, para que outros garotos não desse nó na
camisa e urinasse para ficar mais difícil de desatar”.
Diz o gordo: “O time do Miracema era um dos melhores da região, jogava muito com o Floresta, de Cambuci, com o Paduano, que dava briga em todas as partidas, o Nacional, de Muriaé e também o Flamengo, do Rio de Janeiro”.
Diz o
da bermuda: “Na Fazenda do Angico armávamos os anzóis de espera e no outro dia
era só tirar as traíras, tinha um poço redondo que não dava pé. Certa vez
morreu afogado um menino chamado João de Deus e custaram achar de tão fundo. Na
época das enchentes, o Altair e o Orney improvisaram quatro tambores amarrados,
com umas tábuas por cima e usando bambus compridos andaram debaixo à cima por
todo o ribeirão”.
O gordo: “Depois veio o time do Esportivo,
comandado pelo Gerson, o time do Tupã, comandado pelo Nézio, e o Miracema, pelo
Jair Polaca. Era uma disputa ferrenha no campeonato, e muita briga entre os
torcedores. Os jogadores da época eram o Dizinho, Mingo, Tanga, Molequinho,
Amadeu, Norival, Maninho, Olavo Cueca, Jaminho, Noqueta, Zequinha Samel,
Boaventura, Juscelino, Pernoca, Brazinho, Amado, Pontão, Parafuso, Dida, Paulo
Pimenta, Chocalho, Walter Carapuça, Lauro, Bitico, Nígel e muitos outros. Tinha
o poço da pedra que ficava nos fundos da chácara da Dona Luzia Cava, uma italiana,
que além de ali pescarem, roubavam as frutas existentes. Na Fazenda do Conde
tinham várias cachoeiras e muitas árvores nativas. Aos domingos, muitas pessoas
passavam o dia pescando e fazendo piquenique”.
“Pô,
você só fala nesse tal de Ribeirão Santo Antônio! Será que ele é tão importante
assim? Vamos falar de outra coisa”.
“É,
mas um ribeirão numa cidade é vida. Hoje, mesmo com placas clamando pela sua
preservação, ainda continuam jogando dentro dele pneus, latas, bananeiras,
garrafas plásticas e até lixo caseiro, degradando o meio ambiente. Lembro-me do
tempo da Usina Santa Rosa: jogavam vinhoto que matava os peixes e fazia
proliferar os mosquitos. Hoje fazem construções nas margens do ribeirão, com
canos de plástico aparecendo. Você pode até atravessar o seu leito sem molhar
os pés. Tenho saudades daqueles tempos em que o Ribeirão Santo Antônio tinha
água. Já peguei traíra que quando tirei da água o ribeirão abaixou dez
centímetros”.
Depois
desta, disse o outro: “Vamos embora”. E saíram os dois conversando.
Nota: do seu livro Tipos & Fatos Inesquecíveis
Nenhum comentário:
Postar um comentário