Estação |
Lendo os jornais, tomamos conhecimento sobre os fiscais que
lesam os cofres públicos em milhões de reais. São chamados de ‘colarinhos
branco’, que, geralmente, sempre ficam impunes. Aqui, na nossa cidade, em
tempos idos, tivemos também ladrões semelhantes, por suas habilidades.
Carlito era um negro, na época com vinte e dois anos, pele
lisa, olhos grandes, fala rouca. Vivia de pequenos furtos, fazia mandados,
gostava de frequentar o cinema, não pagava o ingresso porque era amigo do Burú,
o porteiro, e o Miquelzinho, gerente, fazia ‘vista grossa’. Seu ponto era
sempre o Mercado Municipal.
Naquela noite ele estava na estação da Leopoldina, à espera
de malas dos viajantes, que sempre vinham no trem de ferro e aportavam em
Miracema, a última parada. O Cavaliere com suas 15 malas de couro, mostruários
de armarinhos; o Vicente Guerra, da Casa Hasenclever, homem gordo, já velho,
mas sempre viajando. O Tomaz, empregado do Hotel Braga, sempre esperando os
hóspedes para lavá-los até lá, onde o Senhor Toninho, um negro gordo e
lustroso, com uma perna dura, os acomodavam.
E lá vêm outros passageiros descendo do trem de ferro.
Naquela noite, eram poucos. O velho Marota, vestido de cáqui e boné recolhendo
as passagens. Daí a pouco, após o desembarque, o trem voltava, indo até o
viradouro para ficar em posição de sair no outro dia.
No dia seguinte, ao amanhecer, chegava de novo o Carlito na
estação para estar com o maquinista, seu conhecido, aquele louro forte sempre
de roupa azulada. Os dois iam para o trem de carga munidos de um furador de
sacos, começavam a tirar de cada um deles uma pequena quantidade de café pilado
que o Carlito, no dia seguinte, revendia para o Zé Custódio, que, em pouco
tempo, acumulava uma grande quantidade e revendia para o Mané Lino que, por sua
vez, revendia para outro comprador de Juiz de Fora, juntamente com o seu café
já estocado.
Carlito tinha desavença com Mané Catinga (outro biscateiro).
Dizia que Mané conversava muito, jogava conversa fora, era puxa saco. Naquela
época o Mané Catinga era doador de sangue; vendia o seu sangue para tomar umas
pingas; botava uns óculos preto e um terno branco e às vezes entrava na roleta
do Caboclo para jogar, perdendo o pouco que tinha amealhado.
Caboclo morava na Rua Padilha, onde tinha um bar e nos fundos
era onde funcionava a roleta de bichos; gostava de tomar umas bebidas e ficava
valente e atrevido. Numa noite foi ouvir a banda tocar e, de repente, sacou da
arma e meteu fogo no meio dos músicos acertando o dedo de um deles, e foi
preso. No dia seguinte foi encontrado morto: havia tomado veneno que levara com
ele.
Mas naquela mesma noite o Carlito não sabia que seria a
última vez que iria estar na estação. No outro dia foi encontrado, também
morto, dentro do banheiro do mercado, esvaído em sangue em consequência de uma
hemoptise. Será?
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