segunda-feira, 12 de março de 2018

CARLITO - POR JOSÉ ERASMO TOSTES


Estação
Lendo os jornais, tomamos conhecimento sobre os fiscais que lesam os cofres públicos em milhões de reais. São chamados de ‘colarinhos branco’, que, geralmente, sempre ficam impunes. Aqui, na nossa cidade, em tempos idos, tivemos também ladrões semelhantes, por suas habilidades.
Carlito era um negro, na época com vinte e dois anos, pele lisa, olhos grandes, fala rouca. Vivia de pequenos furtos, fazia mandados, gostava de frequentar o cinema, não pagava o ingresso porque era amigo do Burú, o porteiro, e o Miquelzinho, gerente, fazia ‘vista grossa’. Seu ponto era sempre o Mercado Municipal.
Naquela noite ele estava na estação da Leopoldina, à espera de malas dos viajantes, que sempre vinham no trem de ferro e aportavam em Miracema, a última parada. O Cavaliere com suas 15 malas de couro, mostruários de armarinhos; o Vicente Guerra, da Casa Hasenclever, homem gordo, já velho, mas sempre viajando. O Tomaz, empregado do Hotel Braga, sempre esperando os hóspedes para lavá-los até lá, onde o Senhor Toninho, um negro gordo e lustroso, com uma perna dura, os acomodavam.
E lá vêm outros passageiros descendo do trem de ferro. Naquela noite, eram poucos. O velho Marota, vestido de cáqui e boné recolhendo as passagens. Daí a pouco, após o desembarque, o trem voltava, indo até o viradouro para ficar em posição de sair no outro dia.
No dia seguinte, ao amanhecer, chegava de novo o Carlito na estação para estar com o maquinista, seu conhecido, aquele louro forte sempre de roupa azulada. Os dois iam para o trem de carga munidos de um furador de sacos, começavam a tirar de cada um deles uma pequena quantidade de café pilado que o Carlito, no dia seguinte, revendia para o Zé Custódio, que, em pouco tempo, acumulava uma grande quantidade e revendia para o Mané Lino que, por sua vez, revendia para outro comprador de Juiz de Fora, juntamente com o seu café já estocado.
Carlito tinha desavença com Mané Catinga (outro biscateiro). Dizia que Mané conversava muito, jogava conversa fora, era puxa saco. Naquela época o Mané Catinga era doador de sangue; vendia o seu sangue para tomar umas pingas; botava uns óculos preto e um terno branco e às vezes entrava na roleta do Caboclo para jogar, perdendo o pouco que tinha amealhado.
Caboclo morava na Rua Padilha, onde tinha um bar e nos fundos era onde funcionava a roleta de bichos; gostava de tomar umas bebidas e ficava valente e atrevido. Numa noite foi ouvir a banda tocar e, de repente, sacou da arma e meteu fogo no meio dos músicos acertando o dedo de um deles, e foi preso. No dia seguinte foi encontrado morto: havia tomado veneno que levara com ele.
Mas naquela mesma noite o Carlito não sabia que seria a última vez que iria estar na estação. No outro dia foi encontrado, também morto, dentro do banheiro do mercado, esvaído em sangue em consequência de uma hemoptise. Será?


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