Nota: o jornalista Carlos Lima
escreveu essa crônica que foi publicada no Jornal dos Sports.
Dona Jurema:
Todos nós lamentamos a sua ida.
Paciência, moça. Vontade do Senhor. Nada somos ante os Seus desígnios. Nem os
grandes nomes podem evitar que se cumpra a Sua vontade. Sei que a senhora está
em um bom lugar. Se for verdade que a dor purifica, não tenho dúvidas em
afirmar que a pranteada amiga está mais do que purificada. E posso dizer que a
senhora sabia da gravidade do seu estado de saúde. Guerreira, forte, lutadora,
gladiadora, decidida, sabia sim que o que lhe restava era lutar, nos momentos
finais de sua existência para não deixar Roberto baquear. E a senhora lutou
heroicamente. Não fora a sua fibra e a imagem que se teria da senhora era a de
uma mulher doente, combalida pelo mal, que se deixara carregar para um leito de
dor, entregando-se à doença e deixando que a vida de esvaísse em cada gotícula
de seu sangue. Pelo contrário, a senhora se levantava. Bastava uma trégua e lá
estava a saudosa amiga ao lado do Roberto, junte dele, discutindo o seu último
contrato.
Uma brava guerreira, minha amiga.
Agora a senhora se foi. Deixou suas filhas, seu menino, e deixou Roberto. Nada
disso poderá passar em brancas nuvens, dona Jurema. O futebol tem muitas
histórias. Há assuntos vários e incontáveis. Só que na página desse grande
futebol aquela que ser referir ao AMOR só terá dois personagens – JUREMA &
ROBERTO. E não será uma história como Romeu & Julieta, Marília &
Dirceu. Não. É uma história diferente. Exclusiva. Inédita. Roberto é aquele
escravo do amor que se apaixonou por Jurema, a sua ama e senhora. Nunca será a
história de JUREMA DE ROBERTO e sempre de ROBERTO DE JUREMA. Por isso peço que
a senhora, onde quer que esteja, continue a ajudar, com sua memória e espírito
forte, a esse menino de 30 e poucos anos, Roberto. Que ele volte logo,
correndo, aos campos de futebol. Que ele reassuma a sua função de líder, de
artilheiro, de ídolo de um povo inteiro. Que ele se transforme em uma fera, nos
jogos, lutando mais ainda nos noventa minutos, caminhando para os gols,
chutando com raiva a bola – sim, que ele faça da bola sua inimiga e a chute com
mais força para desabafar no pontapé certeiro, toda a mágoa que a sua ausência
causou – que ele faça do jogo da bola um meio de extravasar seu sentimento, sua
dor, sua saudade. E o povo saberá respeitar Roberto quando a bola entrar nas
redes e ele, em lugar de pular de alegria, ele vai apenas olhar para o céu e
deixar rolar uma lágrima, dona Jurema. É que ele estará procurando a senhora,
como fazia nos tempos de Maracanã, São Januário, etc. Cada gol lhe permitirá
uma espiada para o lugar onde a senhora estava, ali, firme, pegando junto, ao
lado dele, brigando por seu Roberto.
É preciso que a senhora influencie,
espiritualmente, para que Roberto supere esse drama com a sua saída do cenário
para sempre, dona Jurema. E o futebol será a sua válvula de escape, até a
consumação dos tempos e, em conseqüência, o passar, o caminhar, a marcha dos
dias, meses e anos, todos esses fatores irão dando maior tranqüilidade a
senhora, já edificada em granito firme no coração do craque, será sua deusa na
lembrança eterna. Não pode abandonar Roberto agora que a senhora se foi. A
senhora marcou sua vida no futebol dos homens como a grande mulher. Esse
futebol já teve nomes que hoje são saudade. Que falta fez uma Jurema para Mané
Garrincha, heim, minha amiga?
Nada posso fazer pela senhora a não
ser incluí-la em minhas orações, como já fiz. Roberto precisa da senhora. Não
se preocupe com seus amigos. No primeiro dia em que Roberto voltar a jogar pode
estar certa que tricolores, vascaínos, botafoguenses, americanos, do Bahia, do
Corinthians, etc. todos estarão de pé, aplaudindo freneticamente a entrada de
Roberto em campo. Saiba, porém, que os aplausos são para Jurema. Será a nossa
homenagem póstuma. Maior que missas, cultos, discursos, luto, etc. Roberto era
seu: ROBERTO DE JUREMA. Hoje ele é do povo todo que vai tratá-lo procurando lhe
dar o mesmo carinho, o mesmo afeto, o mesmo amor, dona Jurema. Precisamos,
porém, que a senhora continue a ajudar. Que sua memória fique viva nos dias
vindouros de Roberto. Aí, sim, ele será outra vez o grande Roberto que ganhou
de Deus o presente raro de ser um ídolo e de ter tido, na vida, uma grande
mulher. Hoje ele não falará mais com a senhora. Terá, porém, o direito
inigualável de pedir, em oração, que a senhora jamais o abandone. Tenho certeza
que atenderá as suas preces. Repouse em paz, cabocla guerreira, exemplo
invulgar de amor... Saudades botafoguenses.
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