sábado, 24 de fevereiro de 2018

A ENCHENTE - POR JOSÉ ERASMO TOSTES

Praça do Marcelino 
Altas horas da madrugada, um telefonema vindo de Flores, avisava: podem colocar toda a mercadoria para um lugar mais alto. Caiu uma tromba d’água aqui, e a água vai descendo com muita violência e rapidez.

Naquela noite ninguém dormiu; os funcionários da firma do Marcellino foram todos convocados para ajudar a salvar as mercadorias perecíveis que ficavam nos pontos mais baixos. Foram remanejadas para outros lugares arroz, açúcar cristal, milho, fubá, macarrão, farinha de trigo e muitas outras. No armazém onde ficava o sal grosso, onde havias sido descarregados trezentos sacos no ia anterior, os da parte debaixo foram molhando e os de cima iam arriando pelo subir das águas.

Os moradores das casas vizinhas iam colocando todos os seus pertences, de acordo com o subir das águas, até não ter mais onde elevar, e assim ficava tudo molhado. A companhia de força e luz deixou toda a cidade às escuras, aumentando assim mais a confusão. Os vizinhos pedindo socorro, mas como socorrer se todos estavam precisando de ajuda?

No leito do ribeirão Santo Antônio, cheio de curvas, víamos descerem sua correnteza caixotes, bananeiras, porcos, galinhas, Banha Pinto em latas de vinte quilos e árvores arrancadas pela violência da chuva, numa velocidade vertiginosa. 
Tivemos a notícia que o Grupo Escolar Dr. Ferreira da Luz havia caído, as toras e pranchões da serraria do Melchíades Cardoso eram levados pela água e muitos moradores das partes mais baixas iam recolhendo as mesmas para serem aproveitadas.  

As águas passavam por cima da ponte da Rua do Centenário, entravam pela Rua Direita, davam a volta pela Fábrica de Tecidos e desaguavam na Rua da Delegacia. Os moradores ficavam vigiando para ver se baixavam, sem quase nada poder fazer.

Após dois dias o sol veio fazendo a sua festa, as águas baixaram e víamos moradores na limpeza com enxadas, rodos e vassouras nas mãos para tirar a sujeira acumulada. O mau cheiro era insuportável e os prejuízos incalculáveis. Via-se nas calçadas objetos diversos dos moradores para secar, lavados pelas donas de casa. Em frente à loja do Marcellino Pereira Tostes, filas de pessoas carentes para pegar os alimentos que foram atingidos pela água, para muitos uma dádiva do céu.


Ainda bem que isso foi há mais de cinquenta anos, e o telefonema quem deu foi o Neném Fachada. 

Nota: do seu livro Tipos & Fatos Inesquecíveis. 

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