segunda-feira, 23 de outubro de 2023

DUDU E O TÚNEL DO TEMPO – POR SERGIO PUGLIESE

 


Nota: postado em sua página no dia 08 de julho de 2020. Dudu faleceu no dia anterior. Mais uma narrativa maravilhosa do Sergio (Museu da Pelada), do qual sou fã e admiro muito seu trabalho.

 

No carro, indo para Arraial do Cabo, parecia aquele menino de 14 anos que não via a hora de entrar no Maracanã ou em São Januário. Era impressionante, mas mesmo indo aos estádios semanalmente, a prazerosa sensação não cessava. Acho que isso é o que chamam de magia. O campo gigante, o gramado verdinho, a tal aglomeração, que hoje virou sinônimo de palavrão, os bandeirões, as organizadas e eles, os ídolos, nossos super-heróis.

 

Eu sempre ficava com olhar fixo no túnel à espera da entrada dos artistas do espetáculo. O primeiro que eu procurava era Dinamite, meu maior ídolo no futebol, e, em seguida, buscava Dudu. Não era difícil avistá-lo, afinal ele era grandalhão. Volta e meia eram publicadas matérias criticando seus quilinhos a mais. E eu lá estava preocupado com isso! O cara jogava uma barbaridade! Roubava a bola do adversário, avançava com um vigor de touro faminto e disparava um míssil certeiro de fora da área. A torcida delirava! "Esse gordinho joga demais!", era uma frase recorrente nas arquibancadas. Mas Dudu não era um ídolo improvável, Dudu jogava muita bola e em uma entrevista à Placar, que tenho guardadinha aqui comigo, Zico alertava seus companheiros: "Preocupem-se em marcar Dudu".

 

Chegou a ser cotado para a Copa de 82. Mas logo saiu do Vasco, foi para Portugal e nunca mais ouvi falar. Claro que ao longo do tempo busquei outros ídolos na saída do túnel, mas Dudu ficou guardado em um cantinho da memória afetiva. Jamais esquecerei o dia em que falando sobre velhos ídolos com um motorista de táxi ele disse..." o Dudu sei que anda muito doente e trabalha na Prefeitura de Arraial do Cabo". Foi impactante. Dudu, doente? Aquele gigante? Impossível! Não falei nada, mas a maquininha do tempo instalada em nosso cérebro foi rebobinando, rebobinando e voltei à arquibancada, um menino e seu ídolo indestrutível.

 

Pouco tempo depois, Armando Carvalho e Marcelo Cortez, parceiros do Museu da Pelada, nos deram o caminho das pedras para encontrarmos um Dudu debilitado, trêmulo, mas com um humor ácido, saboroso. Que resenha! Na companhia do próprio Marcelo e de Da Silva, campeão da Libertadores pelo Olímpia, do Paraguai, rimos e acariciamos nossas almas com doces recordações. Não bebemos porque seu fígado já havia pedido arrego há tempos, mas pude abraçá-lo e agradecê-lo por aqueles momentos sublimes nos estádios. Que felicidade ter chegado a tempo, nem sempre dá. Ontem, Dudu pendurou as chuteiras, saiu de campo e entrou no túnel, o mesmo túnel que eu, ansioso, esperava que surgisse, gigante, imbatível, iluminado.


Minhas considerações: Carlos Eduardo Alberigi, o Dudu, morreu em 07 de julho de 2020, aos 60 anos, em Cabo Frio, onde se encontrava internado para tratamento de um câncer no fígado, cinco dias após completar 60 anos. Diabético, por muitos anos enfrentou uma batalha contra o alcoolismo. Dudu nasceu em Arraial do Cabo, em 02 de julho de 1960. Também conhecido como “Dudu Dentão”, foi destaque do Vasco entre os anos de 1979 e 1983. Vestiu a camisa cruzmaltina em 273 jogos e marcou 32 gols, conquistando o título carioca de 1982. Ex-volante voluntarioso, de boa qualidade técnica, mas de constante luta contra a balança. Era presença constante nas convocações da seleção de base e disputou o Torneio de Toulon, na França, em 1980, com a Seleção de Novos.  

 

 

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