quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

O TRÁGICO FIM DE UM TIME

 


Nota: matéria do jornal O Dia de 29 de outubro de 1995, assinada por Elis Regina Nuffer e fotos de Antônio Cruz.

 

Até o início daquele sábado fatal, o grupo de veteranos do Sanjoanense Futebol Clube, de São João da Barra, tinha um projeto: integrar as famílias no esporte. Foi tudo por água abaixo na viagem da tragédia que nunca sairá da cabeça do povo da cidade. A história do time começou no dia 08 de julho de 1986 com Sidney Moreira, 42 anos; Cileide Moreira, 41, o Leca; e João Batista Vieira, o Robalinho, 40, mas as alegrias nunca mais vão se repetir no grupo. O time acabou no acidente com o ônibus da Auto-Viação Gargaú, que caiu no Rio Macuco, com 55 jogadores e torcedores, após rolar de uma ribanceira de 80 metros.

Os três amigos também estavam no ônibus, mas escaparam. Sidney só quebrou o fêmur, porém, perdeu a mãe, Jurema Mota Moreira, 62. O destino não foi menos cruel com Leca, cuja mulher, Ângela Maria Moreira, também morreu na hora. Só Robalinho e a mulher, Noeli Vieira, tiveram apenas ferimentos leves. O filho de Leca, Everton, de nove anos, também estava no ônibus e é um dos sobreviventes. Ele não consegue falar no assunto, pois viu a mãe morta ao seu lado. Um jogador, Zulício Melo Novas, 57, morreu na hora. Na quinta-feira, às 16h, São João da Barra parou para agradecer pelos sobreviventes, com missa realizada na Igreja Nossa Senhora da Penha, na praia de Atafona.

Na segunda-feira, mais de 800 pessoas acompanharam o enterro das cinco vítimas que foram encontradas logo após o acidente. O time estava com jogos agendados até dezembro, em várias cidades. A viagem para Friburgo foi marcada em junho. “Não sabíamos que estávamos assumindo um compromisso para a morte de nossos familiares”, desabafou José Martinho Sena, 57, um dos responsáveis pelo grupo desde 1989. Se tudo tivesse dado certo, ontem o time teria jogado em Itaocara, como aconteceu no ano passado.

 

‘Deus precisa do que é bonito’

Alexia dormia no colo da mãe, a dona de casa Antônio Ribeiro, 33, quando houve o acidente. O pai se lembra de tudo, desde o primeiro tombo do ônibus. Naquele momento, só gritava por Deus. Na última queda, percebeu as pessoas caindo por cima dele, mas não podia fazer nada. Lutou contra a morte dentro do rio, até conseguir segurar numa moita e subir no barranco. “Acredito que minha filha não era mesmo para este mundo e temos que nos conformar, pois Deus também precisa do que é bonito”, falou, chorando.

A pequena Alexia completou dois anos no último dia quatro. A casa da família está em obra e o quarto dela foi o primeiro cômodo a ficar pronto. Toda contente, a menina não se cansava de olhar na porta e dizer que estava bonito. Vaidosa, Alexia já tinha batom e não gostava de sair de casa sem antes passar perfume. Sentia a falta do pai, a quem chamava de Tutu, até quando ele estava em casa.

 

Uns se foram, outros ficaram...

Havia seis pessoas da família Sena no ônibus, mas só Alexia morreu. Uma das amiguinhas dela, Raísa Beatriz Brandão, de cinco anos, teve o mesmo destino trágico. O seu corpo foi o último a ser encontrado, no final da tarde de terça-feira, pelo avô Cezarino Brandão, um dos jogadores do Sanjoanense. Quando encontrou o corpo da neta, ele o abraçava e beijava o tempo todo. Duas semanas antes do acidente, Raísa foi eleita a garota do Colégio Estadual Alberto Torres, onde estudava. Sempre alegre, ela não perdia uma brincadeira, e nas festas públicas, era a primeira a subir no palanque e não deixava de dançar uma música, sempre ao lado da vovó Ercíria Brandão. Ela fraturou as costelas e ainda não aceita a morte da neta.

Raísa foi enterrada na quarta-feira, após rápido velório na Igreja Nossa Senhora da Boa Morte, onde foi batizada. No acidente também morreu o bebê Jaqueline Melet, a única que foi enterrada no Cemitério Caju, em Campos. Ela era filha de Eliana e Malvino Melet, um dos veteranos do time. Quem sobreviveu, jamais esquecerá aquele dia. Das crianças que ficaram – Everton, filho de Leca e Ângela – vai demorar muito para ter uma vida normal. Ele chora o tempo todo.

Os passageiros garantem que o acidente ocorreu por falha do motorista, Raimundo Augusto, que morreu na hora, e também culpam a Gargaú. Segundo eles, o ônibus estava sem embreagem e o motorista reclamava que estava trabalhando sem dormir há dois dias. No entanto, um dos donos da empresa, Sérgio Paes, garante que o veículo saiu da garagem em perfeitas condições mecânica e o motorista estava de folga há quatro dias. Por enquanto, as famílias não entraram na justiça para receber indenização.

 

Sena, um ídolo do futebol brasileiro

Esse time que hoje chora, tem muitas alegrias para contar. Uma delas, era a participação de Jorge Luiz Sena, 42 anos, um dos veteranos, que começou a carreira como jogador do Flamengo, em 1972, na época de craques como Zico, Júnior e Rondineli. Sena foi rejeitado pelo Vasco que o taxou de “franzino” – tem 1,72 metros e pesava 66 quilos – mas foi aceito pela equipe rubro-negra e de lá chegou ao profissional do São Cristóvão, sendo o terceiro artilheiro do Campeonato Carioca, em 1975. No mesmo ano, foi vendido para o Atlético de Madrid, da Espanha, e depois emprestado ao Rayo Valecano, ficando um ano e dois meses no futebol espanhol.

Voltou ao Brasil para se casar com Eliene Ribeiro Sena, hoje com 41 anos, mas a saudade apertou tanto que pediu para retornar de vez. Foi então para o América (RJ), Vitória (BA), Santa Cruz, Palmeiras, Bahia, Taquaratinga (SP), Leônico (BA), Flamengo (PI), Uberlândia, Taguatinga, Americano, Goytacaz e Guarapari, onde encerrou a carreira conquistando o título de campeão capixaba de 1987.

 

 

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