Nota: matéria do jornal O Dia de 29
de outubro de 1995, assinada por Elis Regina Nuffer e fotos de Antônio Cruz.
Até o início daquele sábado fatal, o
grupo de veteranos do Sanjoanense Futebol Clube, de São João da Barra, tinha um
projeto: integrar as famílias no esporte. Foi tudo por água abaixo na viagem da
tragédia que nunca sairá da cabeça do povo da cidade. A história do time
começou no dia 08 de julho de 1986 com Sidney Moreira, 42 anos; Cileide
Moreira, 41, o Leca; e João Batista Vieira, o Robalinho, 40, mas as alegrias
nunca mais vão se repetir no grupo. O time acabou no acidente com o ônibus da
Auto-Viação Gargaú, que caiu no Rio Macuco, com 55 jogadores e torcedores, após
rolar de uma ribanceira de 80 metros.
Os três amigos também estavam no
ônibus, mas escaparam. Sidney só quebrou o fêmur, porém, perdeu a mãe, Jurema
Mota Moreira, 62. O destino não foi menos cruel com Leca, cuja mulher, Ângela
Maria Moreira, também morreu na hora. Só Robalinho e a mulher, Noeli Vieira,
tiveram apenas ferimentos leves. O filho de Leca, Everton, de nove anos, também
estava no ônibus e é um dos sobreviventes. Ele não consegue falar no assunto,
pois viu a mãe morta ao seu lado. Um jogador, Zulício Melo Novas, 57, morreu na
hora. Na quinta-feira, às 16h, São João da Barra parou para agradecer pelos
sobreviventes, com missa realizada na Igreja Nossa Senhora da Penha, na praia
de Atafona.
Na segunda-feira, mais de 800 pessoas
acompanharam o enterro das cinco vítimas que foram encontradas logo após o
acidente. O time estava com jogos agendados até dezembro, em várias cidades. A
viagem para Friburgo foi marcada em junho. “Não sabíamos que estávamos
assumindo um compromisso para a morte de nossos familiares”, desabafou José
Martinho Sena, 57, um dos responsáveis pelo grupo desde 1989. Se tudo tivesse
dado certo, ontem o time teria jogado em Itaocara, como aconteceu no ano
passado.
‘Deus precisa do que é bonito’
Alexia dormia no colo da mãe, a dona
de casa Antônio Ribeiro, 33, quando houve o acidente. O pai se lembra de tudo,
desde o primeiro tombo do ônibus. Naquele momento, só gritava por Deus. Na
última queda, percebeu as pessoas caindo por cima dele, mas não podia fazer
nada. Lutou contra a morte dentro do rio, até conseguir segurar numa moita e
subir no barranco. “Acredito que minha filha não era mesmo para este mundo e
temos que nos conformar, pois Deus também precisa do que é bonito”, falou,
chorando.
A pequena Alexia completou dois anos
no último dia quatro. A casa da família está em obra e o quarto dela foi o
primeiro cômodo a ficar pronto. Toda contente, a menina não se cansava de olhar
na porta e dizer que estava bonito. Vaidosa, Alexia já tinha batom e não
gostava de sair de casa sem antes passar perfume. Sentia a falta do pai, a quem
chamava de Tutu, até quando ele estava em casa.
Uns se foram, outros ficaram...
Havia seis pessoas da família Sena no
ônibus, mas só Alexia morreu. Uma das amiguinhas dela, Raísa Beatriz Brandão,
de cinco anos, teve o mesmo destino trágico. O seu corpo foi o último a ser
encontrado, no final da tarde de terça-feira, pelo avô Cezarino Brandão, um dos
jogadores do Sanjoanense. Quando encontrou o corpo da neta, ele o abraçava e
beijava o tempo todo. Duas semanas antes do acidente, Raísa foi eleita a garota
do Colégio Estadual Alberto Torres, onde estudava. Sempre alegre, ela não
perdia uma brincadeira, e nas festas públicas, era a primeira a subir no
palanque e não deixava de dançar uma música, sempre ao lado da vovó Ercíria
Brandão. Ela fraturou as costelas e ainda não aceita a morte da neta.
Raísa foi enterrada na quarta-feira,
após rápido velório na Igreja Nossa Senhora da Boa Morte, onde foi batizada. No
acidente também morreu o bebê Jaqueline Melet, a única que foi enterrada no
Cemitério Caju, em Campos. Ela era filha de Eliana e Malvino Melet, um dos
veteranos do time. Quem sobreviveu, jamais esquecerá aquele dia. Das crianças
que ficaram – Everton, filho de Leca e Ângela – vai demorar muito para ter uma
vida normal. Ele chora o tempo todo.
Os passageiros garantem que o
acidente ocorreu por falha do motorista, Raimundo Augusto, que morreu na hora,
e também culpam a Gargaú. Segundo eles, o ônibus estava sem embreagem e o
motorista reclamava que estava trabalhando sem dormir há dois dias. No entanto,
um dos donos da empresa, Sérgio Paes, garante que o veículo saiu da garagem em
perfeitas condições mecânica e o motorista estava de folga há quatro dias. Por
enquanto, as famílias não entraram na justiça para receber indenização.
Sena, um ídolo do futebol brasileiro
Esse time que hoje chora, tem muitas
alegrias para contar. Uma delas, era a participação de Jorge Luiz Sena, 42
anos, um dos veteranos, que começou a carreira como jogador do Flamengo, em
1972, na época de craques como Zico, Júnior e Rondineli. Sena foi rejeitado
pelo Vasco que o taxou de “franzino” – tem 1,72 metros e pesava 66 quilos – mas
foi aceito pela equipe rubro-negra e de lá chegou ao profissional do São
Cristóvão, sendo o terceiro artilheiro do Campeonato Carioca, em 1975. No mesmo
ano, foi vendido para o Atlético de Madrid, da Espanha, e depois emprestado ao
Rayo Valecano, ficando um ano e dois meses no futebol espanhol.
Voltou ao Brasil para se casar com
Eliene Ribeiro Sena, hoje com 41 anos, mas a saudade apertou tanto que pediu
para retornar de vez. Foi então para o América (RJ), Vitória (BA), Santa Cruz,
Palmeiras, Bahia, Taquaratinga (SP), Leônico (BA), Flamengo (PI), Uberlândia,
Taguatinga, Americano, Goytacaz e Guarapari, onde encerrou a carreira
conquistando o título de campeão capixaba de 1987.
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