Quando menino ficava embevecido ao ver passar em frente a
minha rua, ainda sem calçamento, aqueles caminhões da época: Chevrolet tigre
ano 38 carregado de tonéis de aguardente, escrito em sua traseira, Leão da
Serra. Chevrolet Gigante ano 42 carregado de lenha para ser vendida para as
padarias.
E foi em um caminhão Chevrolet 38 que João Cláudio levou a
mulher e oito filhos em direção ao Paraná, atrás da corrida do ouro verde, que
era o café, voltando somente após a guerra, com o dinheiro depositado no bolso
da cueca, hospedando-se no hotel do turco José João na Rua das flores.
E tempos depois, já com mais idade, fiz diversas viagens de
carona com motoristas meus conhecidos, só para matar meu desejo do passado. Aos
14 anos fui ao Rio de Janeiro pela primeira vez, na carona do caminhão
International que pertencia ao Djalma Candinho, levando quase uma semana para
chegar. Pela primeira vez presenciei o sofrimento de um motorista que carregava
ajudante, enxada, enxadão e correntes para serem amarradas nos pneus. No Morro
do Serrote, era como se chamava a serra em direção a cidade de Leopoldina - MG,
onde se pegava o asfalto Rio-Bahia, cinco ou seis caminhões ficavam atolados no
barro por dois ou três dias até parar a chuva e desagarrarem. Sebastião
Magalhães fornecia comida a todos os motoristas que ali ficavam dias e noites
batendo papo, tomando pinga para debelar o frio, comendo feijão tropeiro e
arroz carreteiro.
Com o passar dos tempos foi chegando novos caminhões da marca
International NV-AC, L160, L180. Ford F6 escrito em sua traseira: adeus pampa
mia, F8 Big Job, F600, Dodge, Studebacker. São muitas as histórias dos caminhoneiros que mantive
relações de amizade, por motivos outros vou mudar o nome de alguns.
Na época da construção de Brasília, fui de carona com meu
amigo Dalton levar pedras para a embaixada da Rússia. Dalton tinha mudado
recentemente para Miracema, vindo de Mar De Espanha, lá deixando dívidas com um
motorista seu amigo, e, nessa viajem, ao pararmos para jantar num vilarejo
chamado Cristalina, terra de pedras coloridas onde os habitantes faziam anéis e
outros objetos de adorno. Vejo que o Dalton começou a se esconder. Perguntei o
que estava acontecendo. “Que azar, neste fim de mundo o meu credor está
justamente onde estamos”. Teve que se desculpar com o credor, só não pagou.
João Bichoca foi parar na fazenda do Chicrala Amim em Rio
Doce. Lá chegando, vestiu o pijama do Chicrala, fazendo-se passar por seu
sobrinho. Mandou matar um garrote, fez um churrasco, comeu os perus bronzeados,
carregou o caminhão de toras e veio vender para o próprio Chicrala para pagar
as prestações que devia do caminhão.
Francisquinho trabalhava com aguardente, tinha dois
caminhões. Um vermelho, outro branco. Carregava 10 mil litros toda semana para
São Paulo, que entregava a uma firma revendedora. Como o gerente não conferia a
carga, toda semana ele acrescentava 500 litros d’água, chegando ao ponto de um
dia levar somente água. Quando o gerente o chamou atenção, ele se desculpou
dizendo que havia levado o caminhão errado, o branco em vez do vermelho.
Genuíno fez uma sociedade com seu pai Olegário. Bate com o
caminhão e pede ao Olegário 300 cruzeiros para o concerto. Diz o Olegário:
somos sócios. Vou te dar 150. Mas eu bati do lado do carona, diz o Genuíno, é
onde fica a sua parte na sociedade.
O Manoelzinho e o Gonzaga viajavam sempre juntos e todos os
dois mancavam de uma perna. Procuravam carga sempre para os mesmos lugares,
sempre levando com eles mulheres que apanhavam pelas estradas, e paravam sempre
no bar do Antenor. Passando os dias, levaram consigo as esposas, e ao chegar ao
bar do Antenor, para as refeições, Antenor chamou-os à parte e disse: vocês
sempre trouxeram umas mulheres mais ou menos, mas hoje trouxeram dois bagulhos
de dar pena!
E na espera das cargas sempre batem um papo onde um diz
Plimouth, o Citroen está uma Mercury. Ninguém tem Dodge da gente, mas eu não
Lincol. A gente Nash, Ford, Ford faz Fiat, não sai de Simca nem Kaidelak. E
quando os netos nos chama de Volvo, a gente Morris e Reossuscita. Outro diz,
quando saí de casa a mulher me disse: deixa 100 reais para eu pagar o
Supermercado. Fui à casa da amiga, ela me disse: deixa 200 para eu comprar umas
roupas. Passo na casa de minha mãe e ela me diz: toma meu filho, 300, para você
comprar o que precisar.
A vida de motorista de caminhão tem horas alegres e horas
tristes. Horas alegres ao bater papo, jogar uma porrinha enquanto espera o
frete, falando das garçonetes com os colegas quando bebem uma geladinha, ou
água que gato não bebe. E as horas tristes em caminhos distantes ao lembrar-se
da mulher e dos filhos que há muitos dias não se veem.