terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

JOÃO BAPTISTA DE FREITAS: MAIS UM MIRACEMENSE DE DESTAQUE NO JORNALISMO


NOTA: TEXTO TRANSCRITO DO SITE DA ABI (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA), DE 27 DE JUNHO DE 2011.

JORNALISTA LANÇA EXPOSIÇÃO NA ABI

O jornalista e artista plástico João Baptista de Freitas, 70 anos, lançou nesta terça-feira, dia 28, na ABI, uma exposição de pinturas e desenhos que retratam paisagens rurais e elementos da fauna e da flora brasileira.  A mostra, em exibição até o dia 30, no 9º andar do edifício-sede da ABI, das 14h às 18h, é parte do projeto Livros de Parede-Varal de Quadros, criado pelo jornalista. 

João Baptista nasceu na cidade de Miracema, na Região Noroeste Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, e já na infância se identificou com o estilo de vida no campo:
- Durante toda a minha infância morei na cidade, mas frequentei muito a área rural. Algumas pessoas de minha família tinham terras onde eu adorava passar as férias. Plantei a primeira semente aos seis anos de idade. Aprendi a cultivar com extrema facilidade e plantei de tudo, nos mais diferentes lugares, inclusive em outros países que visitei.

Na adolescência, João Baptista completou os estudos em Juiz de Fora, Minas Gerais, e decidiu fazer o curso de Direito:
- Eu tinha 17 anos quando descobri que sabia escrever. Meu irmão, José Itamar de Freitas, leu meus textos e me incentivou a trabalhar na imprensa. Ele estudou Direito para atender a vontade de nossos pais, mas acabou construindo uma grande trajetória no jornalismo. Mudei-me para o Rio de Janeiro e cursei a faculdade de Jornalismo. Consegui o primeiro estágio na Tribuna da Imprensa. Em 1964, ingressei no Jornal do Brasil. Em função da ditadura, havia muita censura às matérias de política e economia. Com a criação da editoria Cidade, eu pude revelar o meu olhar caipira sob a cidade grande. Descobri mais de 30 famílias de agricultores no Pico da Pedra Branca, na Zona Oeste do Rio, e ainda criadores de gado zebu na Avenida Brasil, criadores de cavalo em Guaratiba, também na Zona Oeste. Eram pessoas que nunca tinham ido à praia e falavam com sotaque da roça, apesar de serem cariocas. Elas representavam outro mundo dentro da cidade do Rio de Janeiro. Também fiz matérias sobre o vulcão do Parque do Mendanha, em Nova Iguaçu, e fui atrás de uma onça que apareceu na mesma região.

Neste período, saudoso do contato mais próximo com a natureza, João Baptista começou a pintar os primeiros quadros:
- Sou autodidata. Minhas primeiras pinturas retratam as memórias da minha infância rural que incluem as mulheres dos colonos das fazendas, a sede da Fazenda Floresta, uma das primeiras a serem fundadas em Miracema, a vida pacata, sem televisão, rádio e outros recursos, o bambuzal simbolizando o cenário de solidão, os hábitos e costumes da vida no campo, o Pico de Desengano e a Árvore do Arco, dois cartões postais de Santa Maria Madalena, município o estado do Rio, onde tenho um sítio.

Especializado em pautas sobre meio ambiente, João Baptista trabalhou como repórter do JB na região amazônica entre 1977 e 1984:
- Fiz muitas matérias na região. Convivi com várias tribos, como os Ticunas, que ficaram perdidos a partir da influência do homem branco, e os Carajás.

 O cenário de beleza e também de devastação passou a ser o tema das pinturas e desenhos de João Baptista:
- Comecei a desenhar somente aos 28 anos, também na condição de autodidata. Tive duas rezadeiras na infância, e uma delas, Sofia, era cega. Enquanto me benzia, Sofia falava sobre a importância das plantas, dos poderes das ervas medicinais e das ervas feiticeiras. Recordando esses ensinamentos, fiz os meus primeiros desenhos. Com a lembrança de Sofia surgiram imagens de pássaros e aves, como quero-quero, joão-de-barro, canários, tucanos, garrinchas, entre outros animais que tiveram impressionante adaptação às metrópoles. O quero-quero, por exemplo, é uma figura folclórica nos campos de futebol. De vez em quando aparece um em busca dos insetos que se avolumam sob a luz dos refletores. Há ainda o pássaro encantado, cujo canto eu ouvi durante toda a minha infância, mas só consegui ver o pássaro pela primeira vez aos 65 anos de idade.

Em meados da década de 90, João Baptista comprou o sítio Águas Claras, em Santa Maria Madalena, motivado pelo amor à natureza:
- O sítio tinha apenas duas árvores jovens e três adultas. Hoje, 12 anos depois, são 54,5 hectares com seis nascentes, um riacho, um pequeno açude, 1.500 pés de eucaliptos, 200 bananeiras, 40 abacateiros, 50 amoreiras, 20 limeiras, laranjeiras, mexeriqueiras e limoeiros, 150 pés de café, seis jabuticabeiras, 140 pés de pupunha, açaí, araçá, cajá, carambola, grumixama, morango silvestre. Sempre visito as árvores que plantei para conversar com elas e registrar a evolução. Depois que comprei o sítio e me aposentei, dediquei meu tempo livre à pintura e ao desenho. Como os amigos me incentivaram a divulgar este trabalho, criei há quatro anos o projeto Livros de Parede-Varal de Quadros, de incentivo à leitura e à preservação do meio ambiente. Organizo exposições itinerantes, palestras, sessões de leitura e sorteio de livros em pequenas comunidades para chamar a atenção de pessoas de todas as idades para a importância do meio ambiente. Durante a realização desses eventos, os participantes apresentam números de dança, canto, música e debatem assuntos relacionados à ecologia. É justamente este trabalho que estou tendo a oportunidade de apresentar na ABI.


sábado, 15 de fevereiro de 2020

O CÂNCER É A DOENÇA QUE MAIS MATA OS JOVENS - TIRE SUAS DÚVIDAS


1) Quais exames os jovens devem fazer com regularidade para prevenir o câncer ou descobri-lo precocemente?
- Um exame básico de triagem, como um hemograma. Se for preciso, o médico vai passar exames avançados. Alguns jovens podem apresentar risco familiar mais alto, e, por isso, devem fazer acompanhamentos de perto, conforme orientação médica.
2) As tatuagens podem ser um foco para se contaminar e desenvolver um câncer?
- O risco é quando não há adequada higienização e esterilização. Os instrumentos utilizados podem compartilhar fluidos e sangue que aumentam o risco de infecções pelo vírus da hepatite C, que aumenta o risco de desenvolve na vida adulta câncer no fígado.

3) E alicates contaminados?
- O risco é o mesmo que com tatuagens, quando não esterilizados.

4) As escovas progressivas são realmente um fator de risco para o câncer?
- Não há comprovação, embora, em 1980, estudos mostram que a exposição ao formol em ratos poderia aumentar a incidência de câncer nasal.

5) O câncer é contagioso?
- Não, o câncer não é uma doença contagiosa. No entanto, alguns vírus oncogênicos, isto é, capazes de produzir câncer, podem ser transmitidos através do contato sexual, de transfusões de sangue ou de seringas contaminadas utilizadas por injetar drogas.

6) Todo tumor é um câncer?
- Não, existem os tumores benignos e os tumores malignos, estes últimos que são chamados de câncer.

7) As redes wi-fi podem contribuir para o aparecimento de um câncer?
- Ainda não há estudos que comprovem essa associação.

8) E o celular?
- Esse é um assunto muito questionado, porém não aprovado. Existem estudos em andamento, mas nenhum comprovou o aumento de câncer.

9) Alimentos congelados podem contribuir par o aparecimento do câncer?
- Há estudos que relacionam o uso do microondas para descongelar produtos plásticos ao surgimento do câncer na tireóide, mas ainda estão se desenvolvendo para esclarecer melhor o assunto.

10) O sol é, realmente, um fator de risco?
- O sol é um fator de risco para pessoas que já tiveram câncer e para qualquer um que se exponha nos horários de maior incidência dos raios ultravioletas (das 09h às 16h).  

Extra Online 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

ENTREVISTA COM ZEZÉ MOREIRA



Zezé Moreira com 86 anos nos jardins da Oficina Cultura Oswald de Andrade. Ele veio exclusivamente do Rio de Janeiro para a entrevista.

Projeto: História em Multimídia do São Paulo Futebol Clube (Museu da Pessoa)

Entrevistado / Depoente: Alfredo Moreira Junior (Zezé Moreira)
Entrevista realizada em 10 de dezembro de 1993, por Mauro Malin e Rodrigo.


 Zezé Moreira, eu queria que você dissesse pra nós o seu nome completo, a data e o local do seu nascimento.
- Meu nome é Alfredo Moreira Júnior. Eu nasci na cidade de Miracema, no Estado do Rio de Janeiro, no dia 16 de outubro de 1907. Meu avô era fazendeiro. A fazenda se chama - existe até hoje -, Lagoa Preta. Eu nasci ali.

E o nome dos seus pais e a atividade deles?
- O meu pai era farmacêutico, chamava-se Alfredo Moreira da Silva; minha mãe era filha de italianos. Os meus avós italianos não falavam uma palavra em português. Ela se chamava Antonieta Leoni Fermo, mas depois se casou e colocou o Silva no lugar do Leoni. 

E você jogou futebol com o apoio do seu pai? Como é que foi essa história?
- Meu pai era tremendamente contra o futebol, aliás, a minha vinda da cidade onde eu nasci foi por causa de futebol. Para que eu me livrasse do futebol ele me trouxe. Foi o contrário. Ali foi o meu paraíso. Futebol foi sempre a minha paixão. Apanhei como boi ladrão. Todas as vezes que meu pai me encontrava jogando bola no campo, eu apanhava.

Apanhava como?
- Apanhava não de chinelo, nem de tapa, nem de palmada, eu apanhava de tala. Sabem o que é tala? Tala é um rebenque que se usa pra bater em cavalo e eu apanhava com aquilo. 

E no final, dos quatro filhos homens, três ficaram no futebol.
– Correto. Os quatro jogaram, porque o outro meu irmão que não quis seguir a carreira foi ser músico. Ele andou pela Europa na Orquestra do Fom Fom, uma orquestra antiga aqui do Brasil, pela América Central, América do Sul, América do Norte. Ele viajou por toda parte. E os outros três não. Eu tive o Aymoré, tem o Aymoré que ainda vive até hoje, foi um que jogou futebol. E o Airton, que era o mais moço, esse que já faleceu, jogou no Atlético Mineiro, jogou numa equipe lá de Pernambuco, e depois retornou pro Atlético Mineiro e também foi treinador do Cruzeiro naquela época do Piazza, Palhinha e outros jogadores famosos.

E o seu pai aceitou isso no final?
- Teve que aceitar porque depois que nós ficamos homens ele não podia fazer o que fazia, não podia proibir.

E como é que foi essa sua vinda pro Rio?
- A minha vinda pro Rio foi justamente por isso, porque ele viu que eu, com a idade de 15 anos, jogava no meio dos homens. E havia até um fato engraçado: eu jogava e tinha sempre dois, três companheiros que ficavam olhando se meu pai vinha, porque se ele me visse jogando, ele entrava no campo e me levava. Ele era terrível, ele não gostava de futebol, ele achava que o jogador de futebol era vagabundo, não trabalhava. E ele não queria isso, ele queria que eu como mais velho dos homens, tomasse conta da farmácia dele. E eu não queria saber de farmácia, eu tinha pavor de farmácia. Eu não tolerava aqueles sais salou, iodofórmio, aquelas coisas que tinham um cheiro ativo. Enjoava-me, eu não gostava de farmácia. Mas ele... O remédio que ele teve foi me trazer pro Rio de Janeiro, eu vim com 16 anos, em 1923.

Trabalhar em farmácia?
- Trabalhando em farmácia, me arranjou logo... Ele tinha vendedor, naquela época se chamava viajante do interior, que fazia o interior do estado do Rio, era da Granado e Cia., uma drogaria que ainda existe no Rio de Janeiro. E esse Sr. era português, Joaquim Pereira da Silva. Ele largou a Drogaria Granado e montou uma drogaria pra ele, farmácia e drogaria. Ele era amigo e compadre do meu pai, ficou sendo padrinho do meu irmão Aymoré, e meu pai entrou num entendimento com ele e me trouxe pra trabalhar nessa drogaria. Eu fiquei trabalhando ali.  

E viu um dia um jogo de futebol no caminho...
- Eu tinha um tio, irmão do meu pai, que morava no Méier e, naquela época, a gente não tinha ônibus, a gente tinha era bonde, bonde ou trem. Eu ia de trem quase sempre pro Méier, pra casa de meu tio, aos domingos. Então, um dia eu resolvi ir de bonde e passei por um trecho que se chama Campo de São Cristovão, era no bairro de São Cristovão, onde havia o desfile militar nos dias de comemorações festivas: Proclamação da República, Descoberta do Brasil, enfim, uma série de datas; então eu olhei e vi que havia uma partida de futebol. Desci do bonde e fiquei olhando, e aí fui me informando, perguntei a um garoto e ele me disse: “Olha, isso aqui é um Festival.” Eram várias equipes que disputavam umas partidas de futebol eliminatórias e o que chegasse à final ganhava uma taça e medalhas. E aí eu fiquei: “Será que eu posso jogar?”; “O Sr. pode sim.”; “Como que é que eu faço?”; “Fala aí com o que organiza isso.” Aí eu falei. Ele disse: “O Sr. faz o seguinte: vem aqui no domingo, trás um par de chuteiras, meias e calção, camisa a gente dá aqui.” E começou a minha vida.  

Daí foi pra onde?
- Eu trabalhava em drogaria. Drogaria aos domingos não abria. Daí eu tinha o domingo para diversão. Aí eu consegui morar, junto com um primo e um companheiro, num lugar que ficava perto do aterro. Não é aterro do Flamengo, era muito próximo do aeroporto Santos Dumont. As pessoas iam tomar banho de mar, e ali eu ajudei a inaugurar uma praia, chamava-se Praia das Virtudes, ali naquele trecho, onde tem o MAM. Então ficava por ali e havia pelada e eu me metia naquelas peladas. Um certo dia, eu mudei de trabalho, saí do lugar onde eu estava e fui trabalhar numa outra drogaria. Cheguei nessa drogaria, perto havia uma pensão, eu fui comer nessa pensão e lá eu conheci um grupo de rapazes. Esse grupo de rapazes estava formando uma equipe na pensão e eu, que era maluco por futebol, aderi logo àquele negócio, e formamos uma equipe. O rapaz que formou a equipe chamava-se Celestino e a gente botou o nome do time de Combinado Celeste. E o Celestino jogava também, né? Formamos o time e o Sport Clube Brasil, que era na praia Vermelha, promovia. Os clubes naquela época do amadorismo, 1928, promoviam, como é que se chamava? Era torneio interno. Torneio interno que quando terminava os campeonatos promovia esse torneio interno pra ver se inscrevia algum jogador que se destacasse. Eu fui logo convidado no segundo jogo, e disse: “Bom, eu assino.” Assinei a inscrição e aí comecei no Sport Clube Brasil.  

O Sr. gostava de jogar em que posição?  
- Eu sempre joguei no meio do campo, joguei de lateral direito, joguei de center-half. Estou falando do tempo antigo, né? Half-back direito, center-half e half-back esquerdo. Sempre joguei nessas três posições no Sport Clube Brasil.  

E você era um bom jogador?
- Não, eu nunca fui bom jogador. Nunca tive nome, nunca joguei na Seleção Brasileira. Treinei na Seleção Brasileira em 1938, mas o treinador não ia muito comigo, porque eu combatia muito. Eu perdia numa partida de futebol, eu pesava 67 quilos, 4 quilos, eu corria o campo todo, eu brigava, porque eu brigava até com a bola, mas eu não era burro não, era inteligente. Eu sabia que não era um bom jogador, que não era um bom passador, passava a bola pra quem sabia jogar. Eu tomava a bola dos outros, eu marcava, eu brigava, mas passava a bola sempre pra outro. Eu joguei aqui em São Paulo, joguei no Palestra Itália. O Aymoré veio pra aqui, eu vim com ele. O Palestra foi tricampeão esse ano. Eu joguei, não era efetivo do Palestra, era reserva, porque quando se implantou o profissionalismo no futebol, que foi o Fluminense no Rio de Janeiro, em 1933, eu fui um dos primeiros elementos a ser contratado, eu e o Aymoré. Fomos pro América do Rio, isso foi em 33. Em 34 nós fomos contratados aqui pro Palestra Itália e nós fomos tricampeões.  No dia que o Palestra se sagrou campeão, esse jogo eu joguei, porque o Tunga, que era o lateral direito, se machucou e eu joguei. E aí começou minha vida. Depois eu voltei pro Rio. Eu não fui campeão no Rio de Janeiro por clube, depois que eu voltei pro Rio joguei no Flamengo em 1935, fiz uma temporada no Flamengo e, no ano seguinte, o Canela, que era diretor lá no Botafogo me levou. Naquela época era fácil a transferência, então eu fiquei no Botafogo até 43. Sou muito ligado ao Botafogo, porque o Botafogo foi um clube muito bom pra mim, mas muito bom mesmo. No Botafogo eu tive permissão pra frequentar a Escola de Educação Física. Eu e o Aymoré tiramos o nosso curso de treinador. Eu sou muito grato ao Botafogo por isso. Fiquei no Botafogo até 48, 49. Quando eu fui treinador do Botafogo em 48... Eu dei sorte, porque eu tinha sido treinador anteriormente, depois que eu tirei o curso, fui treinador da equipe de reservas do Botafogo. Naquele ano se disputava um campeonato de reservas, às quartas-feiras à noite, e o Botafogo foi bicampeão, foi campeão em 46 e 47. Não, 45 e 46, 47 ganhou o Vasco. Em 48 o Ondino Vieira, que era treinador do Botafogo, saiu e eu entrei no lugar dele. Sempre fui um homem com sorte no futebol, quase todas as equipes que eu dirigi foram campeãs, quase todas. E o Botafogo foi campeão esse ano, em 48.

Você é torcedor do Botafogo?  
- Não, eu não sou torcedor, eu sou sócio proprietário do Botafogo. Essa festa agora que eles fizeram aí, a eleição do presidente, eu votei no presidente que ganhou. Eu sou sócio do Botafogo.  

Você torcia por algum time?
– Não. Se eu tivesse que torcer, seria pro Sport Clube Brasil, mas o Sport Clube Brasil, com o advento do profissionalismo, desapareceu. Tinha um presidente que era jornalista, e tem um estádio de atletismo que existe no Rio de Janeiro com o nome dele: Célio de Barros. Ele era funcionário do Ministério da Agricultura, advogado e jornalista do Jornal do Brasil.

Zezé Moreira, quando você estava no Sport Clube Brasil teve a revolução de 30. Eu queria que você contasse um pouco dessa história.
- Essa história é muito interessante porque até hoje fico pensando como que eu fiz aquilo. Jogava no Sport Clube Brasil conosco um tenente, chamava-se José Manoel Ferreira Coelho, ele tinha sido jogador do Fluminense. Como ele era oficial do Terceiro Regimento de Infantaria, que era na praia Vermelha, perto do Sport Clube Brasil, ele transferiu-se pro Sport Clube Brasil, e então, num dia no ano de 1930, ele apareceu, porque o Brasil tinha um caramanchão muito bonito e dormíamos ali cinco jogadores, os que não tinham família ali no Rio. Era eu, o Aymoré e mais uns três que não me lembro mais. E o Coelho apareceu às 5 horas da manhã e disse: “Olha, nós estamos precisando de voluntários, nós vamos invadir o Palácio Guanabara”. Se Coelho falou, nós fomos. Ele disse pra nós que o grosso do Terceiro Regimento de Infantaria tinha vindo pra divisa de São Paulo com Rio e que precisava de reforço. Então, fomos lá. Tivemos 2 horas de treinamento. Armar o fuzil, tirar bala, botar pente de bala... E marchamos, às 10 horas da manhã. Marchamos lá pro Palácio Guanabara, invadimos aquilo, ficamos lá.

Porque era onde morava o presidente...
- Ele residia no Palácio Guanabara. E o presidente era o Dr. Washington Luís, e quando ele saiu estava ladeado por dois generais e o cardeal D. Sebastião Leme, mas ele passou por mim, ficou parado ali perto e eu olhei pro homem, e pensei: “Esse homem, o que esse homem fez pra mim?” Por que é que eu tinha que vir aqui pra tirar esse homem daí? Fiquei com pena dele, fiquei com dó, fiquei com remorso. Eu digo: “Pra que eu fiz isso?” Até hoje eu fico pensando nisso.

E depois você acabou tendo uma participação na política de alguma maneira, através da Polícia Especial?
– Sim. Isso já foi 31, 32. Quando o Dr. Getúlio Vargas assumiu a presidência da república, formaram a Polícia Especial, e eu me lembro do comandante, que era irmão do centroavante do Vasco da Gama na época, o Russinho, Moacir de Siqueira Queiroz. Mas o chefe de polícia... E eu outro dia estive... Falaram sobre ele, e eu me esqueci de anotar, depois que a gente fica velho a memória fica fraca, eu não me lembro do nome, que foi quem formou a Polícia Especial e eu fui da Polícia Especial, e vários jogadores de futebol na época: o Ladislau, que era do Bangu; o irmão dele; o goleiro do Brasil, que era o Waldemar, e uma série de jogadores, tinha até um time bom. O time da Polícia Especial era um time de futebol bom, uma seleção boa.

Mas não fazia... Não jogava bola só não. O que a Polícia Especial fazia?
- Não, a Polícia Especial era uma polícia de choque, mas tinha o seguinte: eram duzentos homens, os duzentos homens eram divididos, porque tinha a polícia de choque, que era comandada por um chefe chamado Galvão que acabou morto; e a polícia representativa, que quando o presidente Getúlio Vargas ia a uma comemoração, qualquer coisa, nós nos fardávamos, farda de gala, era bonita a farda, e ficávamos ali, patrulhando ele, mas a polícia de choque era uma coisa terrível. Eu me meti numa dessas... Um dia houve uma passeata (risos), como é que se chama o homem que trabalha no porto?

Estivador.
- Estivadores. Uma passeata de estivadores. Naquela época o comunismo estava atento, ativo, e fizeram uma passeata. Iam fazer um comício na Praça da República, que era quase defronte ao Ministério da Fazenda, na Estação da Central do Brasil. E eles vieram marchando e a Polícia Especial veio atrás, porque a Polícia Especial era justamente para reprimir o choque, reprimir coisas, violências. E o meu carro, o carro que eu vinha, nós éramos 20 homens em cada carro e eu era o último sentado. Eram 10 homens, um de costas pro outro, 10 de costas um pro outro, sentávamos assim, todos assim na cadeira e eu era o último. E quando foi começar o comício, se desprendeu um daqueles que fazia parte do negócio, com um revólver na mão, e chegou atirando. Quando acabou a bala, ele fugiu, mas o primeiro tiro que ele deu matou o policial, era até um gaúcho, um rapaz muito quieto, ele devia ter uns 38, 40 anos. A bala pegou na boca e saiu na cabeça. E aí fiquei pensando, eu digo: “Imagine se ele começa a pular pelo fim, né? Quem tinha que ter ido, né?” (risos). Eu até incluo esse detalhe na minha vida, porque eu tive três vezes pra morrer, essa foi a última vez. Então fico pensando: “Eu já passei três vezes pra morrer”. “Deve ser porque não sou boa peça, pois dizem que gente ruim não morre.”

Quais foram os outros episódios?
- O outro foi o seguinte: Meu pai era farmacêutico. Tinha uma cidade próxima de Miracema, ele montou uma farmácia, chamava-se Paraoquena, ainda existe até hoje essa cidade. A única farmácia lá da cidade era dele. E “graçou” uma epidemia de febre tifo, não escapou ninguém, ele não conseguiu salvar ninguém, o único que salvou fui eu. Eu fui o único que não morri. Quer dizer, essa foi uma das vezes. A outra vez foi em Miracema, na cidade onde eu nasci. Meu pai voltou pra lá. Eu com 10 ou 12 anos, passava diante de uma casa comercial que vendia de tudo. Nós chamávamos de venda. Essa venda tinha um empregado no balcão, desarmando uma carabina, até que uma hora eu não sei se ele parou, eu vinha com um amigo, com um garoto que tava comigo, aí parei e fiquei... Fui olhar no cano da carabina, né? Olhei no cano, vi que era tudo cheio de coisa, eu disse: “Ó fulano, vem ver!” Quando eu fiz assim: “Vem ver!”, pá! A bala passou por aqui (risos). Se eu tivesse com o olho lá, não tava aqui hoje. Esse fato aí é formidável.   

E a sua família depois, como é que foi o seu casamento?
– Nós fomos 10 irmãos, hoje somos 5. Eram seis mulheres e quatro homens. Das mulheres só têm duas vivas, e os homens só temos três vivos. Mas minha família foi muito grande, eu tava contando a história do José Itamar de Freitas, ele está escrevendo a história da nossa família, e até uma coisa interessante, ele foi encontrar no livro que ele tá escrevendo os meus tataravôs. A família da minha mãe era italiana e ela era nascida em Cocenza, e ele era nascido em Palermo. Ele não falava nada de português. Ele foi encontrar também parentes por lá, mas ele não gosta de viajar de avião, esse meu sobrinho. Mas ele conseguiu dados de parentes mais velhos, daqueles que moram lá nessas cidades da Itália. Não sei como é que ele conseguiu isso não, mas ele tá escrevendo a história da família.

E o seu casamento?
- Não, o meu casamento é o seguinte: eu jogava no Sport Clube Brasil e tinha um grupo de moças, naquela época estava começando o voleibol feminino, e tinha uma moça que era irmã de um jogador nosso que comandava aquilo, era uma moça muito, muito dada, muito... Que organizava tudo. E havia uma mocinha que trabalhava ali perto, era funcionária do Ministério da Agricultura, era perto do Sport Clube Brasil, porque o Sport Clube Brasil ficava nos terrenos do Instituto Benjamim Constant, o instituto dos cegos. E a repartição do Ministério da Agricultura ficava do lado. Aquela mocinha tava jogando. Então, eu comecei namorando ela, ali. Foi a única namorada que eu tive.

E ficou casado...
- Eu casei. Fiquei casado 56 anos. De 34 a 90.

Teve um filho?
- Só um filho. Tenho um filho e um neto. Meu filho era jogador também. Jogou, como eu disse, no Botafogo, no Vasco, no Fluminense, jogou na Espanha, no Betis de Sevilha, depois minha mulher não quis, e quando ele veio de férias, a minha mulher não quis que ele voltasse. Ele estava estudando advocacia, tinha trancado a matrícula, e ela disse que era filho único, que ele não tinha que voltar, tinha que viver em casa e se formar. E ele aí se formou em Direito.

Como é o nome dele?
- Wilson Faria Moreira. Ele hoje é advogado e inspetor de uma companhia francesa. Ele está em Paris. É inspetor aqui pela América Central, do Norte e do Sul.

Mas você, Zezé, incentivou que seu filho seguisse o futebol?
- Não incentivei. Eu não fazia assim, não insistia com ele pra jogar não. Era o desejo dele que jogasse. Mas ele não era muito entusiasmado com futebol, senão ele tinha continuado. Eu, por exemplo, tive tudo pra não ser (risos), mas fui.

E como é que você continua no futebol depois desses...
- Eu continuei no futebol porque, como eu disse, tirei o meu curso. Depois de ser treinador do Botafogo, Botafogo ganhou logo o campeonato, não era campeão há 14 anos, eu fui pro Fluminense. O seu Carlito Rocha, ele era um botafoguense, era muito amigo nosso, era um companheiro que a gente tinha. O Botafogo foi campeão em 48, 49 nós íamos nos concentrar e ele perguntou: “Por que é que você não leva fulano - era um jogador que eu não me lembro o nome também - pra concentração?” Nós nos concentrávamos lá nas paineiras, lá em cima, perto do Corcovado. E eu disse: “Não, ele não vai porque não vai jogar.” E ele disse: “Ah, ele não vai jogar por quê? Você não vai botar ele pra jogar?” Eu disse: “Não, não vai não.”; “Eu sei, mas leva ele.” Digo: “Não levo não.” Ele disse: “Bom, então vamos fazer o seguinte; você bota mais um, leva ele.” Eu disse: “Não, eu não levo. Faz o seguinte: leva o senhor.” E fui embora, nunca mais voltei, mas ele... Nós ficamos amigos, não deixamos de falar um com outro. Seu Carlito era um botafoguense muito doente. Ele tinha lá sua simpatia, mas simpatia não faz a gente botar ninguém no time, não é?

E aí o Sr. foi pro Fluminense?
- Aí o Fluminense... Não, eu passei o ano de 49 sem trabalhar. Fiquei vendo o campeonato de 50, o campeonato do mundo de 50. Quando foi em 51 o Fluminense me convidou e fui trabalhar lá. O Fluminense foi campeão e fiquei lá até 54. Em 55 voltei pro Botafogo, fiquei até 56. Aí começou um fato interessantíssimo, porque eu fui treinador da Seleção Brasileira. Entrei em 52, porque 50 nós tínhamos perdido aqui a Copa do Mundo pros uruguaios. Sabe, o brasileiro (risos) é um apaixonado, o brasileiro é até... Eu às vezes fico pensando, fica até ridículo, porque nós somos mascarados, não é? E o futebol não tem esse negócio de maior do mundo, porque maior do mundo é aquele que não perde. Então nós não temos o direito de achar que somos os maiores do mundo, nós podemos ser iguais aos maiores do mundo, melhor do que os outros ninguém pode dizer, que em futebol não há isso. Não há times invencíveis. A Copa do Mundo de 50, o Flávio era treinador e perdeu aqui no Brasil. Eles me chamaram e me colocaram na Seleção. Foi até o Dr. Paulo Machado de Carvalho, que era aqui de São Paulo, me convidou, eu fui e dei uma sorte muito grande porque mudei todo o time de 50. Só levei do time de 50 o Ademir e o Ely do Amparo que jogava na Seleção de 50, e o Bigode também. A gente tinha uma mágoa, o brasileiro tinha, tem esse detalhe, tinha uma mágoa terrível do Uruguai, porque nos ganhou aqui dentro do Brasil. E começaram a dizer, inventaram aí que ele... Aquele center-half uruguaio, que eu não me lembro do nome, que humilhou...

Varela?
- Antônio Varela. Antonio Varela humilhou o Bigode, deu tapa na cara do Bigode, criaram uma série de coisas que não eram verdade. Não foi verdade. Então havia uma mágoa muito grande e quando estreamos no Pan-Americano, no Chile, nós jogamos contra o Peru que tinha um time bom, um time seguro, e nós empatamos de 0 a 0 (risos). Foi uma desgraça. Queimaram-me aqui no Brasil, lá no Rio de Janeiro como Judas! Fiz uma reforma geral na Seleção Brasileira. Não levei o Danilo, o Augusto, o Barbosa, o Zizinho, o Jair, enfim, uma série de jogadores que não levei e substituí: Djalma Santos, ele era daqui da Portuguesa, o Brandãozinho, o Julinho, era... Quem mais tinha?
 
Nilton Santos?
- Não, o Nilton Santos era lá do Rio. Estou dizendo aqui de São Paulo. Do Rio levei o Castilho, o Pinheiro, o Nilton Santos, o Didi. O Pinga! O Pinga também era aqui de São Paulo. E nós ganhamos, demos sorte que depois não perdemos ponto nenhum, ganhamos de todos. Ah, e a história foi essa: é que quando jogamos com os uruguaios, havia uma expectativa fantástica aqui no Brasil desse jogo, que era o jogo da forra, nós não queríamos saber se podíamos ganhar ou não, nós queríamos, tínhamos que ganhar. E ganhamos de 4 a 2. Aí foi uma festa nesse Brasil que não acabava mais. E como nós ganhamos o Pan-Americano, na chegada o presidente Getúlio Vargas me deu uma medalha de ouro. E eu tinha sido queimado como Judas! A Associação de Cronistas Desportivos também me deu uma medalha de ouro e a Assembleia Legislativa do Rio me deu o título de cidadão carioca.

Como é que o Sr. vê essa coisa tão típica do futebol: um dia herói, noutro dia vilão, pra ser de novo herói...
- Até hoje é assim, meu filho. Eu vou explicar uma coisa a você. Qual foi o primeiro treinador que dirigiu uma Seleção Brasileira que foi campeã do mundo? Quem foi? O Feola. O Feola nunca tinha sido treinador de futebol. Foi consagrado como treinador. Em 1962 o Feola adoeceu, e quem foi o treinador da Seleção? Foi o Aymoré, meu irmão. Ganhou. Então como ganhou dois anos seguidos, o Brasil tinha que ganhar toda vida, não podia perder nunca mais. Acontece que em 66 voltou o Feola. Por que o Feola não dirigiu em 62? Porque estava doente. Então o Feola dirigiu a Seleção Brasileira e perdeu o campeonato, não ganhou na Inglaterra. Tinha o Rivelino e o Gerson, que eram jogadores extraordinários, tinha o Jairzinho e outros jogadores que foram tricampeões de 70 (risos). E o Feola?  Disseram-me até que a casa dele aqui em São Paulo e parece que já era viúvo, quiseram até quebrar, invadir a casa dele aqui pra bater. Foi campeão em 58, foi o primeiro que ganhou o campeonato, isso que... Futebol é isso.
 
É paixão?
- É paixão. Eu não disse a vocês que nós somos tarados, nós queremos que quando jogue uma Seleção Brasileira... Tem que ganhar! Você já viu em alguma parte do mundo um time, uma torcida, um torcedor gritar olé? Eu acho que esse olé é só na Espanha, quando o touro... Um toureador faz assim e o touro passa, dá olé. Aqui no Brasil é quando... Ainda agora mesmo tava vendo o jogo do São Paulo que estava com 10 e o adversário com 11 e começaram a passar a bola, que estavam ganhando, e o público gritava: “Olé, olé!” Ninguém quer saber aqui em São Paulo. Lá no Rio de Janeiro é a mesma cosia.

Zezé Moreira, você então foi treinador do Brasil na Copa de 54?
– Sim, de 54. Mas 54 não houve nada, porque a gente não... Eu por exemplo nunca vim a público assim dizer que a razão foi essa, ou a razão foi aquela, mas eu nunca tinha ido a Europa. Nós ficamos numa concentração extraordinária, num lugar que tinha três campos de futebol, era uma escola de educação física que não tinha sido inaugurada na Suíça. Era numa cidade chamada Bienne. Essa concentração ficava... quem conhece o Rio de Janeiro sabe: do Corcovado pra cidade, ela ficava lá em cima e a cidade ficava cá embaixo. Os jogadores não tinham nem telefone. Eu brinquei com o Bauer sobre o caso dele, porque ele tinha se casado e a Sra. dele estava esperando criança e o Bauer tava nesse lugar, nessa concentração, e não podia saber se a criança tinha nascido ou não. Então eu tive que pedir a um jornalista, eu não sei se foi o Caboço, mas foi ele que era muito chegado lá, eu sei que teve que levar o Bauer desta cidade de Bienne pra uma outra cidade pra poder falar no telefone e saber se a criança, se o filho dele tinha nascido (risos). Eu brinquei com ele nessa festa aí do São Paulo, lembrei esse detalhe, falei com ele, e por sinal parece que a criança tinha nascido, era uma filha, uma menina. Então você vê, a gente vai... Brasileiro é um homem que fica de um sentimento familiar muito grande, não pode viver longe da família, dos filhos, da mulher. Os jogadores naquele lugar ali, eu levava, eu... Tem casos que a gente fica sem saber. Tem uns jornalistas, por exemplo, que não falo com eles, quer dizer, mas nunca quis agredir, criar problema, eu não fui... Nós estávamos... Eu levei um dia os jogadores, eu tava aborrecido também, queria falar pra casa, não podia, então eu peguei... Nós mandamos alugar um ônibus e fomos a uma cidade próxima para os jogadores andarem e comprarem coisas, porque Bienne era uma cidade pequena.  Fomos lá, fomos de ônibus, e eu tenho comigo guardado até hoje a causa da minha contrariedade, que comprei, vi uma novidade. Era... Não sei se era uma faca-punhal ou um canivete, que a gente fazia assim e a calandra fazia “tchu”, né? Aparecia. E foram alguns jornalistas conosco pra ver o jogador: o que fazia e o que não fazia; o que comprava e o que não comprava. Quando nós estávamos esperando os últimos que chegaram pra voltar, pra ir pra Bienne, tinha um grupo de 4, 5 jornalistas que estavam juntos e eu cheguei, brinquei com um jornalista meu amigo, brinquei com ele, fiz assim ó, “théck” com a faca (risos) e disse: “Isso aqui eu comprei que é pra pegar aquele que falar mal de mim.” Você sabe que no dia seguinte, quando nós chegamos no Brasil, foram duas páginas no jornal ou na revista que ele escreveu, falou que eu ameacei os jornalistas, que eu fiz... E eu fiz aquilo de brincadeira, com intimidade com esse companheiro, com esse rapaz. São coisas que a gente não esquece nunca.  

A tua carreira depois teve outras passagens internacionais como treinador. Você foi treinar time de fora?
- Eu tenho dois fatos na minha vida de treinador que os clubes não foram campeões, mas o objetivo foi conseguido. O primeiro foi em Portugal. Fui convidado pra treinar uma equipe em Portugal, que se chama Belenense, uma equipe de primeira divisão. Essa equipe sofria uma agonia tremenda porque nunca conseguia chegar em terceiro, em terceiro não, em antepenúltimo do campeonato. Estava sempre disputando pra descer pra segunda divisão ou não. E assim que chegue fui me reunir com o presidente e ele me disse: “Olha, seu Moreira, nós queremos ver se o Sr. consegue fazer uma coisa: não deixar haver aquela agonia de nós estarmos pra descermos pra segunda divisão”. E eu dei tanta sorte que o Belenense, que não tinha equipe de primeira categoria, chegou em quarto ou quinto lugar. Quase que disputou aquelas divisões europeias que existem, vencedor disso, vencedor daquilo, que era até terceiro ou quarto lugar. Chegou em quinto.
 
Isso foi em que ano?
- Deve ser mil novecentos e sessenta e poucos, eu não guardo muito essas coisas não. Eu tinha aqui até um papel que eu... Há muito tempo me pediram isso. Ah, não. Isso aqui foram campeonatos... Campeonatos do mundo. Eu não tenho aqui não.

E o São Paulo Futebol Clube? Como é que foi a sua vinda pro São Paulo?
- Olha, eu vou lhe dizer sinceramente, eu não me lembro como foi a minha vinda pro São Paulo, eu sei que eu vim aqui pra trabalhar no São Paulo, era o Dr. Laudo Natel. Eu me entendi com ele, era o presidente, me entendi com ele. Eu tive uma sorte muito grande no São Paulo, o time jogou bem, ganhou bem, teve o Toninho que tinha vindo do Santos, que não era um astro, mas fazia gols. Ele foi o recordista de gols, se não me engano. Comigo se deu um fato muito engraçado também no futebol: quase todas as equipes que eu dirigi, os centroavantes foram artilheiros do campeonato. Eu dirigi o Corinthians aqui em São Paulo, também em mil novecentos e sessenta e pouco, não sei, estava estreando o Rivelino. O Rivelino tava começando a jogar no... Era um jogador extraordinário. E tinha um centroavante chamado Flávio. E o Flávio de vez em quando levava um susto, que ficava sozinho na frente do goleiro. Era o Rivelino que... Passava tão bem a bola, que às vezes o Flávio que levava um susto. E foi o recordista de gols, embora o Corinthians não tivesse sido campeão do mundo, de São Paulo naquele ano. Nós tivemos uma falta de sorte muito grande, porque perdemos um jogo que não devíamos ter perdido. Naquela época não havia substituição e o lateral esquerdo do Corinthians machucou-se, contundiu-se e não pode jogar. E o Rivelino é que teve que ficar no lugar dele. O Rivelino até fez um pênalti, eu estava pra falar, pra lembrar isso a ele. Nós perdemos o jogo de 3 a 1 e esse jogo nos tirou do campeonato paulista.

Mas no São Paulo a campanha foi vitoriosa e o São Paulo tava tempo sem ganhar o título.
- É, me parece que sim. Me parece que eram 14 anos, né? Se não me engano, 14 anos sim.

Era muita cobrança por parte da torcida, diretoria?
- No São Paulo que eu tivesse não, porque o São Paulo, depois que eu vim pra cá, o São Paulo ganhou quase todas as partidas.

Antes da vitória do campeonato, né?
- Da do Corinthians sim. Eu só lastimei naquele ano do Corinthians, do Corinthians não ter sido campeão por causa do Dr. Waduh Helu, presidente do clube. Era um homem extraordinário, esse homem fazia tudo que era possível pro Corinthians ganhar um campeonato, que não era também campeão há muito tempo. Eu lastimei muito, no ano seguinte eu tive que sair, mas eu nunca fui de esquentar lugar em clube não, porque a gente quando ganha um campeonato, por exemplo, o Fluminense ganhou em 51 quando eu fui pra lá, o Botafogo quando eu fui em 48, depois eu fui... Olha, eu não fiquei no Botafogo, eu não fiquei no Fluminense, depois eu fui treinar no Uruguai. O Uruguai foi campeão e eu não fiquei lá, voltei outro ano. E fui campeão, eu não saí no ano seguinte, eu fui campeão pelo Cruzeiro aí, no Cruzeiro de Belo Horizonte. O Cruzeiro foi campeão também da Libertadores da América e eu saí. E eu não sou de esquentar lugar não, porque eu sei que futebol a gente ganha uma vez. Ganhar três é muito difícil, duas e três é muito difícil, então quando a gente perde, tem que sair, treinador é assim.

Quando você pensa, Zezé, na campanha do São Paulo, campeão de 70, qual imagem, que lembrança vem à cabeça?
- Olha, nada. Te juro sob minha palavra de honra. O São Paulo... Eu não tenho do São Paulo nem fotografia (pausa).

Mas por que isso?
- Porque eu acho que o futebol não tem passado. Não tem passado, nem campeonatos. Não precisa ser muito... Dizer muito não. O clube que ganha, no ano seguinte perde, o treinador já sai, já não merece mais fé. Então a gente... Eu por exemplo era assim, eu ganhava, eu saía porque eu sabia que o segundo ano era difícil, era muito difícil. Eu não sei a minha razão, eu te digo até hoje, eu tinha entendimento com o presidente Dr. Laudo Natel, e um Sr. que tinha um banco perto de onde o Dr. Laudo Natel também tinha o escritório dele, ele era deputado ou senador, ele tinha ali numa rua que tem uma praça, tem uma rua, onde tem a rua, a avenida... Como é que se chama aquela avenida que corta toda... É uma rua que tem, até essa vez que eu vim aqui, eu fiquei num hotel que eu gosto dali, eu tive concentrado ali, eu trazia os times do Rio e ficava concentrado ali. Hotel que tem ali na... Como é que chama aquela avenida ali?

É no centro de São Paulo?
- No centro de São Paulo. Ela corta... Ai, meu Deus do céu. Esqueci o nome, eu não guardo muito nome de rua, de jogador de futebol. Eu tava pra me lembrar aí do time do São Paulo. Eu me lembro do Forlan, eu me lembro do Dias, eu me lembro do... Do Poy foi preciso até o rapaz aí me lembrar o nome do Poy, que o Poy também era o goleiro; Jurandir, e o extrema direita que não consegui, eu não consegui descobrir o extrema direita do São Paulo, que eu trouxe do juvenil. Era o Paulo, que era o lateral esquerdo, que veio do juvenil; e o extrema direita, que eu não me lembro; e o Terto, que eu também não me lembrava, quem me disse foi o colega de vocês aí que me disse que era o Terto e quis me lembrar do São Paulo. Foi... Era Poy, Jurandir, Dias, era o Forlan, o médio-volante eu não sei quem era, não me lembro quem era ele. O lateral esquerdo era o Paulo, esse menino que era do juvenil.

Zezé Moreira, você mora onde hoje? Você mora com quem?
- Eu moro sozinho, minha senhora faleceu em 90. Eu moro sozinho na Avenida Atlântica, eu... Foi um sonho. Eu tive dois sonhos na minha vida, todos dois eu consegui realizar: um foi ser jogador de futebol, o outro foi morar na Avenida Atlântica. Eu quando namorava minha mulher, nós éramos... Depois ficamos noivos e a gente ia pro cinema em Copacabana, e ela morava na Praia Vermelha e eu também. A gente vinha pro cinema em Copacabana e ficava passeando na Avenida Atlântica e ficava admirando. Naquela época não eram edifícios, eram casas, né? Então a gente falava: “Que vontade, que deve ser maravilhoso morar aqui.”

E acabou morando?
- Eu tive tanta sorte na minha vida que eu fui pro Fluminense e lá conheci um dirigente, Benício Ferreira Filho. Esse dirigente era dono de um banco e estava fazendo uma construção, um edifício, construindo um edifício. Ele fazia... Essas construções eram financiadas pela Caixa Econômica. E ele então eu conheci, e um dia conversando com ele eu falei: “Eu tinha vontade de ver lá, morar na Avenida Atlântica.” Ele disse assim: “Olha, eu tô construindo lá. Se você quiser eu vou te mostrar um apartamento.” Me mostrou um apartamento, eu levei minha mulher, ela viu, disse: “Aqui seria uma coisa formidável.” E aí compramos. Ele me apresentou na Caixa Econômica e entrei com os papéis lá. E paguei durante 10 anos ou 15 anos, paguei o apartamento.

Zezé Moreira, o que mais marcou você na sua vida e o que você gostaria de dizer pras gerações futuras do país e do esporte?
- Olha, eu digo sinceramente, esporte, o único esporte que eu realmente continuo apaixonado e vidrado nele é o futebol. A mocidade, eu lembro o seguinte, só o seguinte, que nós no Brasil, no momento, eu que tenho alguns dados do passado do nosso país que eu quando garoto, meu pai era assinante do Correio da Manhã, era um jornal que saía no Rio de Janeiro e meu pai era assinante e eu lia sempre o jornal, e tinha notícia das coisas, né? Porque (risos) falando de política, eu tenho raiva, ódio de política, apesar de que meu avô foi chefe político do Nilo Peçanha. Meu avô na cidade que eu morava não perdia uma eleição, o Nilo Peçanha ganhava sempre ali. Eu tinha raiva de política, não gostava de política, não gosto até hoje, política eu não gosto. Às vezes tenho amigos políticos, esse não tem nada, o sujeito ser político não quer dizer nada, mas política eu fui sempre contra todos os princípios de política, não gosto de política. Política ela é falsa, não ajuda ninguém, explora o país. Vocês são de uma geração muito nova, eu sou do passado. Eu, como eu tava dizendo, eu leio, eu li jornal desde a idade de 13 anos. Quando comecei a compreender as coisas e ler jornal. Eu leio jornal e o jornal naquela época apontava coisas que hoje a gente fica admirado, não é? Mas não sabe que já naquela época, há 60 e 70 anos atrás, votava-se aqui, lá no Rio de Janeiro, na Câmara dos Deputados e no Senado uma verba de milhões de contos de réis pra botar água no Nordeste. E até hoje a água não chegou no Nordeste (risos) nem o dinheiro apareceu. Eu não sei o que eles fizeram, já naquela época. Imagine hoje, que você tá vendo aí o que tá acontecendo! Camarada dizer que acertou 200 vezes na loteria esportiva ou na sena, negócio de sena. Pô! O sujeito pra acertar 200 vezes precisa ter uma sorte fantástica. É ou não é? Por isso que a gente fica admirado como é que o cara tem o cinismo de vim chegar e dizer que houve isso. Então eu fico... Politicamente eu... Eu votei, por exemplo... Eu votei num deputado, que eu tenho uma confiança nele extraordinária, e eu votei porque ele era... Votei no Roberto Campos. Esse é um homem sério, eu tenho... Tem deputados aí que a gente pode confiar, tem um tal de Dorneles, que é de Minas Gerais. Esse cara é um sujeito sério. Esse que é a favor da pena de morte, não sei nome dele.

Amaral Netto.
- Amaral Netto, esse Amaral Netto é um cara que fala francamente e ele não se mete em corriola, não se mete em coisa. Então a gente não pode dizer que é o Congresso, pode dizer que são alguns do Congresso. A maioria, né? Que fazem essas coisas aí que a gente está vendo, que isso não é de agora não! (risos) Eu não era nascido eu já sabia disso. O Brasil eu aprendi muita coisa, eu li muita coisa sobre o Brasil, muita coisa. Eu me lembro que o meu avô... O meu avô contava, e a minha avó, que quando o Brasil passou de Monarquia... Não, quando o Brasil aboliu a escravidão. Quando o Brasil aboliu a escravidão, o meu avô era fazendeiro e tinha escravos. Ele morreu com 95 anos, em mil novecentos e vinte e poucos, quer dizer que ele passou por tudo isso, ele viu a escravidão, ele tinha fazenda, tinha tudo isso. Ele reuniu os escravos e disse: “Olha, acabou a escravidão. Vocês estão livres. Quem quiser sair, mudar de fazenda ou trabalhar noutro lugar, pode sair agora. Os que ficarem aqui têm que ser meeiros.” Sabem o que é meeiro? Meeiro, o sujeito planta, colhe, vende e depois divide o dinheiro. Então tem que produzir mais. Ninguém quis ser meeiro. Ninguém quis. Por quê? Tinha que trabalhar mais (risos). Aí, eu outro dia vi um camarada reclamando do Amazonas, que o americano quer tomar conta do Amazonas, que os estrangeiros querem invadir o Amazonas. Aí eu fiquei pensando: o Brasil vai comemorar no ano 2000, 500 anos de descoberta. O que foi que se fez pelo Amazonas até hoje? Me explica! Alguém leu alguma coisa sobre isso ou não? (risos) O americano lá quer saber disso? O americano... Olha, eu sou um homem que analiso muito as coisas, muito. Eu leio muito. O dia que um país tiver a coragem de invadir este país aqui, o americano arrasa com eles. O americano é amigo do brasileiro, do Brasil. Ele empresta dinheiro pra esse país toda vez, por que ele sabe que isso aqui é uma fonte, esse aqui é um país maravilhoso. Esse aqui é um país que dá tudo, tem de tudo! Ouro nasce aí na beira dos rios aí (risos). E esses que estão gritando lá no Amazonas, estão gritando que o americano quer tomar conta, é que eles estão com medo que perder a mamata que eles têm lá, não é? Por que os garimpeiros trabalham pra eles. Aquilo lá é uma fonte. Então eu não gosto de política, política pra mim não tem valor nenhum, eu não gosto.

Mas o que você diria pros jovens?
- Então, eu diria justamente isso, que não seguissem essa escola, porque a escola do Brasil... O Brasil é um país incomparável. Eu viajei o mundo inteiro, eu nunca vi coisas iguais que tem... Em outros países eu nunca vi coisas como no Brasil. Aqui, olha, estão fazendo aí uma campanha fantástica e eu duvido que algum de vocês aqui, que alguma pessoa... Pode ser que lá no Nordeste tem alguém que pensa... Mas no Rio de Janeiro, onde eu vivo há 40, há 70 anos, eu nunca vi ninguém morrer de fome, nunca vi morrer ninguém de fome. De fome ninguém morre neste país. Você joga um caroço de milho ali, nasce um pé de milho, você come milho verde. Aqui não é possível isso, estão fazendo campanha aí. Eu não sei, tem gente que vai ficar rica.

Zezé Moreira, muito obrigado pela sua entrevista.
- (Risos). Não tem por que, não tem o que agradecer.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

DANIEL GONZÁLEZ: O FINAL TRÁGICO DE UM ZAGUEIRO DE RESPEITO


Daniel Ángel González Pulga nasceu em Montevidéu, Uruguai, em 22 de dezembro de 1953.  Com 17 anos deixava as divisões de base do Nacional para tentar uma vaga no time principal, que possuía uma forte equipe.  No entanto, nunca chegou a titular absoluto do esquadrão uruguaio.  Aos 21 anos, transferiu-se para o Fênix, um time de pequeno porte do futebol uruguaio.

Em 1978, com 24 anos, desembarcou na Portuguesa de Desportos para um período de testes. Com seu físico privilegiado e uma impulsão acima da média, mais a garra e o espírito de liderança que sempre o caracterizaram, em pouco tempo passou a comandar o novo time e logo foi contratado em definitivo. Daniel González não era apenas um beque raçudo. Tinha estilo e não costumava ser desleal.

No mês de abril de 1982 foi contratado pelo Corinthians. Participou da vitoriosa campanha do bicampeonato paulista de 1982 e 1983, e logo caiu nas graças da Fiel. Marcou sua passagem não somente pelo futebol que apresentava em campo, mas também por ter sido um dos líderes da “democracia corintiana”, ao lado de Sócrates, Casagrande, Wladimir e o vice-presidente Adilson Monteiro Alves. Marcou 2 gols em 72 jogos com a camisa do Timão. 


O futebol guerreiro do uruguaio chamou a atenção do Vasco, que, em agosto de 83, pagou uma elevada soma pelo seu passe. Chegou ao time carioca e logo ocupou o seu espaço, mantendo a mesma regularidade. Desde o final dos anos 70 o Vasco procurava um zagueiro que comandasse o setor defensivo do time. Defendeu o time carioca em 63 jogos e marcou 3 gols. 

Depois de uma ótima temporada em 1984, o ano de 85 era de uma perspectiva ainda melhor. O sonho foi interrompido de forma trágica em um acidente automobilístico fatal. Depois de um jantar ao lado de outros jogadores na casa do amigo Claudio Adão, retornava à sua residência - sob forte chuva - quando perdeu o controle do seu carro e sofreu o acidente que tirou sua vida, em 1º de fevereiro de 1985. Sua esposa sobreviveu ao acidente.

Estava encerrada a trajetória de um zagueiro que prezava pela seriedade dentro de campo, e pelo respeito à classe dos atletas fora dele.