Em 1898, quando o Rio era uma cidade pitoresca e
tranquila, e sua mocidade começava a voltar-se com entusiasmo para as
atividades esportivas, um grupo de rapazes ligados ao comércio teve a ideia de
fundar um clube dedicado à canoagem. Como o ano assinalava o quarto centenário
da descoberta do Caminho Marítimo das Índias, pelo Almirante Vasco da Gama, o
capitão-mor D. Manuel – o Venturoso – para comandar as naus que haviam de
empreender e concluir aquela expedição, “que apesar de muito estudado e
cuidadosamente preparado, exigia um chefe experimentado e corajoso”. Assim,
ficou assentado entre os fundadores que a agremiação teria o nome de Vasco da
Gama, que não servira apenas a Portugal e à humanidade e era, portanto, um nome
internacional.
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1950 |
A reunião que marcou a fundação do Vasco da Gama
realizou-se, finalmente, em 21 de agosto
de 1898. As bases já haviam sido lançadas e à primeira chamada mais de uma
centena de sócios deram presença à solene assembleia e elegeram a primeira
diretoria. A propósito, vale transcrever um trecho da ata da histórica reunião.
“Aos 21 de agosto de 1898, às 14 horas e 30 minutos da tarde, reunidos na sala
do prédio da Rua da Saúde, nº 293, presentes os senhores constantes do livro de
presença, o Sr. Gaspar de Castro assumiu a presidência”. Este é o primeiro nome
a surgir na direção e é ele que, convidando Virgílio Carvalho Amaral e Henrique
Ferreira de Alegria para secretários, declara: “...que a presente reunião tinha
por fim fundar-se nesta capital da República dos Estados Unidos do Brasil um
associação com o título de CLUBE DE
REGATAS VASCO DA GAMA e sendo de necessidade em primeiro lugar eleger-se
uma Diretoria...”.
A primeira diretoria do Vasco da Gama era composta dos
seguintes membros: Presidente – Francisco Gonçalves do Couto; Vice-presidente –
Henrique M. Ferreira Monteiro; 1º Secretário – Luís Antônio Rodrigues; 2º
Secretário – João Beliene Salgado; 1º Tesoureiro – Antônio Martins Ribeiro; 2º
Tesoureiro – Henrique Lagden; Diretor de Regatas – João C. de Freitas e mais um
Conselho de cinco membros.
O primeiro uniforme do Vasco da Gama era o seguinte:
boné preto com gola preta e branco; camisa preta com gola e larga faixa branca,
tendo a Cruz de Malta encarnada sobre o peito; cinto branco; calção preto;
meias pretas e sapatos brancos. A flâmula era preta, com uma listra branca ao
centro, tendo encarnado a Cruz de Malta e as iniciais VG. O pavilhão era preto,
com uma lista branca ao centro, tendo igualmente encarnado a Cruz de Malta e as
iniciais, no canto superior, CRVG. A primeira sede do Clube de Regatas Vasco da
Gama, que como indicava era direcionado à canoagem, estava localizada em um
edifício na Ilha das Moças.
Até 1915, o Clube de Regatas Vasco da Gama ambicionava
apenas títulos no remo. Para isso fora criado em 1898. Mas, em 1913, quando uma
seleção de futebol de Lisboa exibiu-se no Rio a convite do Botafogo, a colônia
lusa ficou tão animada que partiu para a criação de clubes de futebol na
cidade. Os clubes não foram longe, exceto o Esporte Clube Lusitânia que, ao
ceder seus uniformes, chuteiras e bolas, fundiu-se ao Vasco, criando o
departamento de futebol do clube. Tudo foi sacramentado em ata no dia 26 de
novembro de 1915. No início do ano seguinte, o Vasco, já filiado à Liga
Metropolitana e inscrito na 3ª Divisão, entrou no futebol. Sua estreia foi em 03 de maio de 1916,
perdendo pela contagem de 10 a 1 para o Paladino F.C., no campo do Botafogo. Coube
a Adão Antônio Brandão marcar o primeiro gol do clube. Em 29 de outubro de
1916, ainda na 3ª Divisão, o Vasco da Gama obteve a sua primeira vitória no
futebol, contra a Associação Atlética River-São Bento, pela contagem de 2 a 1. O
time cruzmaltino era este: Ari Corrêa; Jaime Fernandes Guedes e Augusto Pereira
Azevedo; Vitório Resende da Silva, João Lamego e Manuel Antunes Batista; Adão
Antônio Brandão, Bernardino Pinto Rodrigues, Joaquim Ferreira de Oliveira,
Alberto da Costa Júnior e Cândido Pinto Almeida.
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1987 |
Com o passar do tempo, o que se viu foi uma
organização mais apurada por parte dos vascaínos e a consequência evolução do
time. Havia um segredo: ao contrário das demais equipes que disputavam os
torneios de futebol, o Vasco arrebanhava para o seu time trabalhadores comuns e
negros que, misturados aos portugueses, formaram a estrutura que mudaria os
rumos do futebol brasileiro. Na época, Flamengo, Fluminense, Botafogo e
América, os chamados grandes, só permitiam jogadores brancos em seus times. O
Paysandu e o Rio Cricket iam mais longe: só aceitavam jogadores descendentes de
ingleses.
Em 1917, o Vasco da Gama passou para a 2ª Divisão, em
face da ampliação do número de clubes desta divisão e, em 1920, venceu pela
primeira vez um campeonato de futebol, na Liga Metropolitana de Desportos
Terrestres. Em 1921 foi promovido à Série B da Divisão Principal e, em 1922,
venceu todos os três campeonatos que disputava nessa série – primeiros,
segundos e terceiros quadros –, e ganhou a Taça Constantino.
O Vasco da Gama passou para a Série A da Divisão
Principal em 1923 e nesse mesmo ano se sagrou campeão carioca, assinalando uma
campanha admirável. O quadro principal vascaíno obteve 12 vitórias e 1 empate
nos 14 jogos do certame. Foi este o time que levantou o primeiro campeonato
carioca para o Vasco da Gama: Nelson da Conceição; Domingos Passini e Albanito
Nasimento; João Batista Soares, Claudionor Correia e Artur Medeiros Ferreira;
Pascoal Silva, Nicomedes Conceição, Arlindo Pacheco, Sílvio Moreira e Alípio
Martins.
Apavorados com o crescente prestígio vascaíno,
especialmente depois da conquista do título de 1923, os clubes grandes de então
se reuniram para exigir que o Vasco e os demais pequenos se submetessem a uma
investigação em torno das posições sociais de seus atletas. A ordem era que se
eliminassem os jogadores profissionais ou que não fossem capazes de assinar a
súmula das partidas.
O Vasco contava com vários analfabetos no time e, numa
iniciativa pioneira, costumava ofertar a seus jogadores galinhas, porcos e
patos quando vencia seus jogos. Esse tipo de premiação acabaria apelidada de
“bicho” e que ganharia outros contornos na fase do profissionalismo explícito. Desesperados,
os grandes partiram para outra alternativa. Abandonaram a Liga Metropolitana e
criaram Associação Metropolitana de Esportes Amadores (AMEA). O Vasco tentou
filiar-se, mas foi impedido sob o argumento de que não possuía um campo
apropriado – o clube disputava seus jogos no campo da Rua Moraes e Silva. Não
era bem esse o problema. Tanto que foi proposto ao Vasco eliminar doze de seus
jogadores, exatamente os negros e operários, para que o aceitassem na nova
entidade. Não havia mais dúvida: era racismo mesmo.