domingo, 15 de dezembro de 2024

MARCELÃO, VOCÊ JÁ ESTÁ FAZENDO MUITA FALTA...

 


Acordei no já cinzento sábado (14) com a triste notícia da morte repentina do amigo Marcelo Santos, o Marcelão, de Cabo Frio, um dos maiores pesquisadores do nosso futebol e profundo conhecedor das categorias de base do futebol carioca. Aos 53 anos, um infarto fulminante o levou do nosso convívio. Seu corpo foi velado e sepultado em Arraial do Cabo.

 

Dono de um arquivo fotográfico magnífico, o cara sabia de tudo e um pouco mais. Era uma verdadeira enciclopédia! Trocávamos conhecimentos com freqüência e sua boa vontade em ajudar era uma coisa inigualável. Tinha por costume não entrar em debates ou discussões acaloradas. Torcia pelo Vasco da Gama, mas tratava todos os clubes de maneira igualitária, respeitoso e defendendo a classe de jogadores. Em nossas constantes resenhas, dizia o quanto ficava aborrecido quando alguém citava que “esse” ou “aquele” atleta não vingou.

 

Marcelão foi um grande divulgador do esporte em geral, da Região dos Lagos, sempre citando em suas postagens filhos da terra espalhados por esse mundão da bola e se destacando em sua profissão. Uma perda gigante e grande referência.

 

O mundo nos prega muitas surpresas. Muitas nos fazem sofrer, trazem tristeza, dor e luto. A sua partida – amigo Marcelão – tão prematura, foi uma dessas surpresas imprevisíveis do destino que nos tiram o chão. Ninguém poderia imaginar que você nos deixaria tão cedo. A cidade de Cabo Frio – porque não dizer a Região dos Lagos – chora a perda de um filho muito querido. Um cara do bem e sempre com um sorriso no rosto. Tudo aconteceu muito rápido e fica ainda mais difícil de aceitar sua morte.

 

Foi goleiro da Cabofriense, Arraial do Cabo, Apollo e também destaque no futsal. Após encerrar a carreira trabalhou por muitos anos como treinador de goleiro. Marcelão é de uma família de desportistas – seu pai e tios jogaram profissionalmente – e era primo do ex-atacante André, revelado pelo Santos e com passagens por vários clubes, que recentemente encerrou sua carreira.

 

A história do futebol empobrece quando se perde um apaixonado com tanto conhecimento e divulgador de fatos que marcaram esse esporte. Somando-se toda sua humildade em dividir com leitores e amigos tantas informações e registros fotográficos com aquele talento especial muito peculiar do Marcelão.

 

As manifestações de pesar e solidariedade aos familiares nas redes sociais apenas confirmaram o tamanho de sua importância e o quanto fará falta entre nós.

 

Minha amizade, carinho e respeito por você, amigo, agora, têm como destino o CÉU. Tenho certeza que foi recebido pelos jogadores que tanto ajudou a divulgar contando suas histórias nas telas do computador e celular.

 

 

 

domingo, 1 de dezembro de 2024

CRUYFF ETERNO: REVOLUCIONÁRIO QUE MUDOU O FUTEBOL


 

Por Richard Williams – editor do jornal britânico “The Guardian”, após sua morte ocorrida em 24 de março de 2016.

 

Se pudesse citar um único momento para dizer como uma geração mudou sua forma de enxergar o futebol, esse momento seria quando Johan Cruyff driblou o defensor sueco Jan Olsson, aos 23 minutos de um jogo da fase de grupos da Copa do Mundo de 1974. A multidão no Westfalenstadion, em Dortmund, na Alemanha, esfregou os olhos, incapaz de acreditar no que tinha visto. Mas era verdade. O holandês, com a camisa 14, usou o peito do pé direito para trazer a bola de volta para dentro, de forma a encontrar sua perna de apoio, antes de girar 180 graus e disparar em direção à linha de fundo.

 

Quando ele fez o mesmo drible na vitória por 2 a 0 sobre a Inglaterra, três anos antes, ainda assim haviam olhos surpresos no “truque” que levou Wembley ao deliro. A multidão estava esperando por isso, e ele não poderia decepcioná-la.

 

Este era o futebol de outro planeta, o futebol reinventado por um mestre que descartou a forma “dura” de jogar para transformá-la em um modelo de jogo, não apenas esteticamente mais agradável como também mais letal e incontestavelmente mais eficiente. O resultado não foi só uma nova composição de dribles, mas a construção de uma mentalidade diferente, finalmente, introduzindo-a ao jogo. Com Johan Cruyff, a graça de Rudolf Nureyev vinha para o campo.

 

Cruyff encarnou a nova forma. Ágil, veloz, ferozmente competitivo, sempre em alerta para tudo ao redor e equipado com truques técnicos e táticos, ele utilizou o futebol como, antes de tudo, uma desculpa para por em prática a sua criatividade. Quando apareceu para o cenário internacional no final da década de 1960, o futebol, enfim, estava pronto para ser sacudido por um grupo de revolucionários de cabelos compridos.

 

E o futebol nunca teve um revolucionário tão completo como Johan Cruyff. Este era um homem, não só capaz de manter o seu lugar na lista de todos os tempos de grandes jogadores individuais – aquela que tem Puskas, Di Stéfano, Pelé, Diego Maradona, Zinedine Zidane, Cristiano Ronaldo e Lionel Messi –, mas capaz de exercer uma influência mais ampla como um pensador, mudando a maneira como o mundo viu o futebol e a forma como eles passaram a jogar.

 

Ele não estava sozinho nesta tarefa. No início, ele precisava de Rinus Michels, o treinador do Ajax, que usou a longa história do clube de inovação tática como base para a versão final do sistema, método conhecido como Total Football (Futebol Total), e Stefan Kovacs, que sucedeu Michels. Ele precisava de companheiros como Piet Keizer, Haan, Neeskens e Krol, uma geração de holandeses capaz de implantar não apenas grandes habilidades técnicas, mas a imaginação flexível o suficiente para lidar com uma nova forma de jogar e a florescer dentro dela.

 

No Futebol Total, entendia-se que cada jogador poderia aparecer em qualquer parte do campo. No entanto, não era exatamente assim. Na realidade, funcionava como uma visão mais ampla de jogo, de forma a fazer seus jogadores passarem a jogar em outras posições – um atacante como um full-back, por exemplo – para que ele tenha uma visão mais profunda do jogo. Assim capacitados de fazer uns a função dos outros. Assim, os adversários tinham maiores dificuldades para enfrentar os holandeses.

 

Cruyff era o líder, seja vestindo o branco e vermelho do Ajax ou o laranja da Holanda. Quando ele pegava a bola e fazia uma pausa antes de partir para a corrida, era capaz de mudar a dinâmica do jogo em uma fração de segundo. Messi, no Barcelona, mostrou a mesma qualidade, mas ninguém, exceto, talvez, Maradona, teve a habilidade de Cruyff, assim como sua capacidade de redirecionar o rumo de uma partida.

 

Como se seus olhos fundos pudessem focar a bola nos pés, como seu ídolo, Faas Wilkes, holandês famoso pela habilidade e dribles, cuja carreira começou em Rotterdam, mas que também jogou na Itália e na Espanha em 1950, a visão de Cruyff era ampla em todas as áreas do campo.

 

Como jogador, conquistou três Copas da Europa consecutivas com o Ajax, oito títulos da Eredivise – Campeonato Holandês –, e cinco Copas KNBV. Na Espanha, foi campeão da liga nacional e da Copa do Rei, seguido por títulos holandeses como Feyenoord, antes de anunciar sua aposentadoria em 1984.

 

Durante todo esse tempo, apenas uma vez Cruyff se esqueceu de que antes de colocar sua magistralidade em campo, sua prioridade era vencer. Infelizmente, isso aconteceu durante seu auge, na final da Copa do Mundo de 1974, ao perder a grande decisão e, consequentemente, o torneio para a Alemanha Ocidental. Para os admiradores da filosofia holandesa, foi difícil de aceitar que o time de Cruyff havia sido batido.

 

Esta derrota, talvez, tenha marcado a carreira de Cruyff, como o dia em que, já como técnico do Barcelona e com um time dos sonhos com Romário, Stoichkov, Guardiola e Koeman, foi arrasado pelo Milan de Fabbio Capello, pelo placar de 4 a 0, no Estádio Olímpico de Atenas, na Grécia. No entanto, Cruyff já tinha dado início a sua segunda grande contribuição ao futebol, lançando a base do Barcelona que hoje desfrutamos.

 

Cruyff começou sua carreira como técnico no Ajax. No time holandês, conquistou a Copa da Holanda por duas vezes e ainda foi responsável por subir Dennis Bergkamp. Em seu retorno ao Camp Nou, montou um time que o sagrou campeão espanhol por quatro vezes seguidas, além de ter conquistado a Copa da Europa em 1989 e a Taça da Europa de 1992, ambas diante da Sampdoria. Talvez ainda mais significativamente, ele criou a academia de La Masia, que viria surgir mais tarde garotos como Messi, Xavi Hernández e Andrés Iniesta.

 

Ele foi demitido em 1994, mas seu legado foi seguido pelos treinadores que se sucederam no clube, como Frank Rijkaard, Pep Guardiola e Luis Henrique que desenvolveram o estilo de jogo de Cruyff ao longo dos últimos dez anos.

 

Nos últimos anos, as relações de Cruyff com seus clubes eram muitas vezes turbulentas. Nomeado diretor técnico do Ajax, em 2008, retirou-se em um mês após desacordos. Nomeado presidente honorário do Barcelona, em 2010, foi removido do cargo apenas quatro meses depois de ter assumido. Um retorno ao Ajax em 2011, como conselheiro, durou tempestuosos 14 meses.

 

Quando a Holanda de Bert van Marwijk, que abusava da força física, chegou à final da Copa do Mundo de 2010 diante da Espanha, Cruyff apoiou o lado adversário. Isso tudo fazia parte do homem, e mesmo assim nada disso importa ao lado das memórias e as imagens sobreviventes daquele atleta glorioso e sua corajosa imaginação. Com Johan Cruyff, a graça de Rudolf Nureyev veio para o campo de futebol. E o futebol nunca foi o mesmo novamente.