|
Orgulhosa, Lucília exibe a escultura do irmão mais velho, Zezé Moreira,
que fez história como técnico de futebol |
Futebol: amor e tradição carregados no DNA.
Irmã
de bicampeão do mundo, aposentada é aficionada por Copa do Mundo. Lucília
Moreira acompanhou o primeiro mundial pelo rádio e não perde um bolão.
A
professora aposentada Lucília Moreira nasceu no mesmo ano em que o rádio chegou
ao Brasil: 1922. Foi pelas ondas sonoras que, aos 8 anos, ela acompanhou a
primeira Copa do Mundo, realizada no Uruguai, em 1930. Desde então — 20
Mundiais depois e aos 95 anos —, o encantamento e a vibração que pulsavam na
menina ainda são os mesmos. Palpiteira, ela não passa uma edição sem participar
de um bolão. E faz bonito, garante. A paixão pelo esporte está no DNA de
Lucília. Ela é irmã de três técnicos que fizeram história no futebol nacional:
Zezé Moreira, da seleção brasileira na Copa de 1954, na Suíça; Aymoré Moreira,
bicampeão do mundo em 1962, no Chile; e Ayrton Moreira, que fez carreira em
Minas Gerais.
Caçula
e órfã de mãe aos 2 anos, Lucília foi criada pelo pai, Alfredo Moreira, com a
ajuda dos irmãos (um quarto não se interessou por esporte e virou músico). O
patriarca era um rígido farmacêutico que tinha horror a futebol. Culpa dos
filhos, que trocavam os estudos pelas peladas nas ruas de Miracema, interior
fluminense, onde a família morava. Para afastá-los da bola, Alfredo mandou os
meninos morarem com um tio, no Rio. A punição teve efeito inverso. O tio
adorava esporte, e os três seguiram carreira de jogador. Todos começaram no
Botafogo, que na época se chamava Electro Club, mas foi como treinadores que
eles se destacaram.
—
Eles nasceram com a bola no pé e me influenciaram muito. Antes de eles irem
morar com nosso tio, eu jogava com eles e com outros meninos, porque na época
menina não jogava bola — conta Lucília.
Aos
17 anos, ela passou a dar aula de educação básica em Miracema, mas sua paixão
por esportes era tamanha que logo decidiu que lecionaria educação física
também. Ingressou, então, num curso que equivalia ao bacharelado de hoje, no
Clube Caio Martins, em Icaraí.
—
Por ser capital, Niterói era uma cidade muito mais avançada do que as outras, e
estávamos sempre vindo para cá — pontua.
Formada,
Lucília voltou a Miracema e, além de educação básica, passou a dar aulas de
educação física e ginástica rítmica. Outra paixão de Lucília era o vôlei. Ela
foi campeã estadual de vôlei em Niterói, no início da década de 1940.
A
relação dela com a cidade não parou por aí. Ela casou-se aos 29 anos com
Antônio Machado, um bancário que também adorava futebol e era apaixonado pelo
Vasco. O casal teve quatro filhos, Carlos Augusto, de 64 anos; Deisy Maria, de
63, Antônio Augusto, de 60; e Lucília, de 58. Todos herdaram a paixão pelo
futebol e pelo time cruzmaltino. Com a troca de emprego do marido, nos anos 60, Lucília e a família foram morar em Itaperuna, mas dez anos depois estavam
de volta a Niterói para que os filhos ingressassem na faculdade.
Antônio,
o caçula entre os meninos de dona Lucília, chegou a jogar profissionalmente,
mas não seguiu carreira. O filho dele, Marcello Machado, também enveredou pelo
futebol, mas migrou para o handebol de praia, sendo hoje atleta da seleção
brasileira de handbeach. O sobrenome da família, porém, já havia sido escrito
na história do futebol nacional. Em Miracema existe um museu e um estádio de
futebol chamados Irmãos Moreira.
Por
ter começado a vida profissional muito cedo, Lucília se aposentou aos 46 anos,
mas continuou dando aulas de alfabetização para adultos e idosos. Encerrou a
carreira no fim dos anos 1970.
—
Até hoje os alunos me ligam para saber como estou. Alguns têm mais de 80 anos —
conta.
Superativa,
Lucília nunca deixou de se exercitar e hoje orgulha-se de sua disposição e sua
flexibilidade. Moradora do Ingá, ela faz alongamento e fisioterapia. Tudo
sozinha, em casa:
—
Levanto num salto só. Faço meus alongamentos pela manhã e não tenho uma dor de
cabeça. Meu médico fala que não tenho corpo de 95 anos, mas de menos de 80,
fruto da atividade física. Além disso, no meu prato também não faltam verduras
e legumes. Mentalmente, eu me sinto com 22, mas infelizmente já não posso fazer
tudo que fazia aos 22.
EXPECTATIVA PELO HEXA
Dona
Lucília gosta de se manter informada lendo jornais e ouvindo rádio e tem uma
memória invejável, perfeita para quem gosta de recordar o passado e lembrar dos
mínimos detalhes de histórias da família, quase todas ligadas ao futebol,
claro.
—
Eu me recordo de tudo o que vivi, e a cada vez que conto a minha história é uma
forma de revivê-la — diz Lucília ao mostrar o álbum de família.
A
filha caçula de dona Lucília, que herdou o nome da mãe, conta que em dias de
jogo do Brasil a família toda se reúne e faz festa o dia inteiro. A matriarca
acredita que desta vez o hexa vem. Na estreia da seleção contra a Suíça, ela
acertou que teria gol de Philippe Coutinho:
—
Só faltou o do Neymar. Mas não tem problema. Empatamos quando podíamos empatar.
Daqui para frente, vamos jogar para vencer.
Reportagem
de Priscilla Aguiar Litwak / Agência O Globo