Sete anos e seis meses após a
inauguração de Brasília, a cidade mais revolucionária do planeta, uma façanha
sem precedente na história da humanidade, três anos e dois meses depois de ter
perdido o seu mandato de Senador por Goiás, cassado seus direitos políticos e
proibido de editar o seu livro de memórias e de visitar Brasília. Depois de
passar dois anos e seis meses no exílio na Europa e na América do Norte, quando
decide retornar ao país para responder a vários processos sobre seu período de
governo. Depois de visitar sua terra natal, Diamantina, veio a Miracema para
dançar num baile beneficente.
O Aeroclube de Miracema estava há
vários anos interditado, e os bailes eram realizados no G. E. Dr. Ferreira da
Luz, que não poderia ser cedido em virtude de JK estar com seus direitos
políticos cassados por dez anos, o jeito então foi improvisar uma cobertura no
Clube XV de Novembro.
A notícia da vinda do ex-presidente a
Miracema era vista com total descrédito em virtude de não manter relações
políticas ou pessoais com o político mineiro, mais do que isso, estava exilado
na França, por mais de dois anos e, ao regressar, estava respondendo a vários
inquéritos – os I.P.M.S.
Mas, ao anoitecer daquele sábado de
25 de novembro de 1967, em face de um desmentido formal de sua vinda e a saída
do prefeito José de Carvalho rumo a Cantagalo era um sinal positivo de que
viria e a cidade ficou sem nenhuma autoridade, a debanda foi geral. Outros
preferiram se recolher em suas casas e não participariam da recepção.
O momento que dominou todo o dia
resultou numa noite ameaçadora de muita chuva. À noite, em companhia de alguns
amigos resolvi fazer uma visita a Pádua com um carro de propaganda. A viagem já
foi em noite negra, fechada, com muitos relâmpagos e trovoadas. Fiz uma pequena
parada no bar Tio Patinhas para um cafezinho enquanto o carro dava uma volta
pela cidade anunciando a vinda do ex-presidente.
Não demorou muito, fui informado de
que o mesmo estava detido na Delegacia de Polícia e fui chamado para dar maiores
explicações. Aí começou o aguaceiro, forte, torrencial. Meia hora depois o
carro foi liberado e começamos a viagem de volta, devagar, vez por outra,
tínhamos que parar porque o limpador de para-brisa não dava vasão.
Chegando a Miracema, rumamos para a
sede do XV de Novembro, descemos e o carro subiu na calçada para melhor
iluminar a quadra e o que restava do Barracão – não resistira à chuva e
desabara – um monte de lonas e bambus gigantes amontoados na praça de esportes.
Fiquei desolado. E a chuva intermitente por toda à noite até o amanhecer.
Só mais tarde é que fui informado que
na mesma noite de sábado, depois que a TV informava a sua vinda a Miracema para
dançar, uma tensa reunião no apartamento de JK se realizava para traçar os
preparativos finais com os seus amigos, que viriam em sua companhia, quando
entra em seu apartamento o ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda, com seu
vozeirão, querendo um lugar em seu avião. Depois de muita discussão, finalmente
foi aconselhado por JK, com receios fundados de sua fala que poderia gerar
constrangimentos.
Pela manhã, bem cedo, procurei o
presidente do Aero Club que, ponderou-me, descrente de sua vinda, o que seria
uma temeridade realizar o baile pelo estado de abandono que se encontrava o
Club. Mesmo assim, depois de uma visita, resolvi prepara-lo para uma
eventualidade, já que a chuva tinha cessado.
Foi um tal de procurar eletricista,
pedir enceradeiras emprestadas, cera, caminhão para buscar mesas e cadeiras,
toalhas para cobris mesas, comandadas por um grupo de senhoras da Casa da
Amizade através de Dona Mariza Mercante que, solicitou-me a renda do Baile para
a Casa dos Pobres. Acreditava no evento e elevou o preço do ingresso.
Por volta de duas horas da tarde,
finalmente foi dado com encerrado o trabalho de encerrar a pista e a colocação
das mesas. Retorno e já encontro um grupo de desconhecidos em minha casa, aqueles
que vieram de automóvel para dar apoio e mantinham uma conversa animada. Uma
hora depois, começo a receber uma série de telefonemas, uns pedindo a
confirmação ou não da vinda, até que recebo uma ligação do Rio, possivelmente
de sua casa, sabendo se poderia iniciar a vinda. Volta a chover
torrencialmente, e a conversa só girava em tornos de políticos, cassações,
etc., e muito café para aliviar as tensões pelo tempo que continuava
implacável.
Meu pai, muito nervoso, começou a se
sentir mal, manifestou o desejo de telefonar para a casa do ex-presidente e
ponderar que a visita deveria ser adiada, temia um desastre aéreo: o dia estava
escuro, com nuvens muito baixas e seria um pouso de alto risco. “Ninguém o
demoverá de vir a Miracema”, foi a advertência do chefe de sua segurança. A
esta altura, já devia estar a caminho do aeroporto Santos Dumont para conseguir
autorização para levantar voo. Uma última rodada de cafezinho foi servida e
começou a movimentação rumo ao Campo de Aviação e o pequeno trecho a ser
vencido estava difícil: muita lama, carros enguiçados, outros fora da pista, e
o cortejo avançava até o hangar onde já havia muita gente. Fui um dos últimos a
chegar e o burburinho era grande dentro do hangar, conversa vai, conversa vem,
o tempo ia passando até que se ouviu um barulho surdo do avião que logo
desapareceu, teria errado o alvo e seguiu direto para Itaperuna, depois voltou
para Muriaé.
O Suísso, Nilson Moreira e outros
pilotos discutiam sobre a rota: achavam que estavam à procura do Rio Pomba, em
sua cabeceira, para chegar até Pádua e, finalmente, a Miracema. O tempo passava e o pessoal começava a
desanimar, iniciando então a descida, já que era quase impossível descer numa
pista molhada e com nuvens muito baixas e toda rodeada por montanhas. Muitos
carros já estavam na estrada quando o barulho do bimotor se torna mais latente,
voando em círculos, a procura de uma brecha para o mergulho final que, não
acontecia. Mais era mais consistente o ruído do motor, sinal que estava
sobrevoando a cidade.
A manobra arriscada é finalmente
executada, eis que surge na cabeceira da pista, fazendo um pequeno giro, para
tomada de posição final com a aterrissagem, que foi feito com extrema
facilidade, fazendo um pouso tranquilo com a metade da pista. O Cesna, de seis
lugares, tinha um motor na cauda que fazia a reversão, era apropriado para
pequenas pistas. JK foi sacado do avião e seguidamente ovacionado dentro do
hangar, ficando visivelmente emocionado.
JK passa na Casa dos Pobres para uma
visita e a seguir se dirige para casa de Adumont Monteiro onde recebe abraços e
palavras de conforto por mais de três horas. Às sete horas se dirige para
fazenda da Cachoeira para um jantar e ao seu final discursa afirmando:
“Devolvendo ao meu coração sofrido, não a esperança, mas a certeza dos meus
acertos à frente da presidência da República.
O baile que foi aberto com uma valsa
com a Miss Estado do Rio, Maria das Graças Khoury, foi um fracasso com pouca
gente e em virtude dos geradores da Rua Matoso Maia não serem ligados, a cidade
escureceu. As três horas JK se retirou depois de dançar com todas as moças e
senhoras e ficamos a conversar até o dia amanhecer.
OBS: TRANSCRITO DO JORNAL DOIS
ESTADOS, EDIÇÃO 03 DE MAIO/2002. AS FOTOS SÃO DO ARQUIVO PESSOAL DO DR. MAURICIO MONTEIRO.
OUTRAS CONSIDERAÇÕES:
Essa visita de Juscelino Kubitschek de
Oliveira a Miracema, só foi possível porque Mauricio Monteiro, em término do
curso de Direito na Universidade Federal Fluminense, com um grupo de estudantes
que, ao invés de participarem das festas de fim de ano, decidiram gastar o
dinheiro indo a Paris. Lá, sabendo que Juscelino estava na Capital das Luzes,
após a cassação em 8 de julho de 1964, que lhe tirou os direitos políticos por
10 anos, o grupo decidiu fazer-lhe uma visita. Muito cortês Juscelino recebeu o
grupo, mas com arguiu (perguntas) sobre o Brasil. Só Maurício fez um relato,
inclusive dos acontecimentos políticos, e o ex-presidente disse-lhe que, ao
retornar ao Brasil, faria uma visita a Miracema, "para tomar um
café". Quando ele retornou do exílio, Maurício foi ao Rio, conversar. E,
no trajeto de sua casa em Ipanema até uma clínica em Botafogo, o advogado e o
ex-presidente tiveram uma conversa agradável, na qual ele convidou para dançar
num baile na cidade.
Maurício Monteiro pediu ao presidente do
Rotary local, advogado Roberto Ventura, que formulasse, em nome da entidade, um
convite ao ex-presidente. "Peguei o convite e, com Maria das Graças Kouri,
Miss Estado do Rio fomos convidar Juscelino”. E ele aceitou. Então, o Rotary
assumiu a organização da visita, tendo Maurício sendo alvo até de ironias
porque ninguém acreditava que a convite seu um homem daquela projeção visitasse
Miracema. Todavia, temendo represálias por parte da ditadura militar e,
demonstrando muito medo, o prefeito José Carvalho, os vereadores, o presidente
da Câmara, Inácio Pires da Silveira, promotor, juiz e outras autoridades
sumiram da cidade. Ao mesmo tempo os geradores que reforçavam a iluminação da
cidade foram desligados.
A presença do ex-presidente em Miracema
foi vigiada por policiais do SMI e do DPPS, que juntamente com as chuvas
tiraram muito do brilhantismo das solenidades e das manifestações populares,
sem, no entanto, se constituírem empecilho para a explosão de alegria que
dominou os milhares de cidadãos que ali compareceram para homenagear o ilustre
visitante.
No intervalo
do baile o Deputado Nicanor Campanário, única autoridade do município que não
se afastou da cidade, fez um discurso no qual agradeceu o Sr. Kubitschek a
honra que concedia a Miracema lembrando que em outras circunstancias já haviam
estados juntos e que aquela região e o Brasil eram agradecidos ao
ex-presidente. A primeira quando autorizou a encampação da Companhia Força e
Luz Norte Fluminense, beneficiando Miracema, a segunda pela desapropriação da
Cachoeira do Inferno, um benefício ao estado e a terceira, quando concedeu a
anistia aos revoltosos de Aragarças, após ter sofrido uma série de restrições
em decorrência do Estado de Sitio em que o país se achava mergulhado,
culminando seu Governo com a passagem da Faixa Presidencial, dando à democracia
o mais exato sentido, que uma Nação sempre esperou dos homens públicos. O
primeiro secretário da Assembleia Legislativa ressaltou que esta última atitude
do ex-presidente foi um exemplo à Nação Brasileira. Os deputados José Kezen e
Álvaro de Almeida também se encontravam na recepção ao ex-presidente.
Em 1988, Márcia Kubitschek – filha de JK –
esteve em Miracema recebendo um título de cidadania Miracemense, em nome de seu
pai, ocasião em que ficou na casa de Mauricio Monteiro. Em 1995, Mauricio
vai a Brasília e visita o Memorial JK, tendo conversado com a Sra. Sarah
Kubitschek e relembrado alguns fatos, que a emocionaram.
OBS:
COM INFORMAÇÃO DE JOÃO BAPTISTA FONSECA, PUBLICADO EM ECOS DO PASSADO Nº 46.