segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

A FERROVIA EM PÁDUA E NO NOROESTE FLUMINENSE (1883) – POR JOÃO BAPTISTA FONSECA.


Em meados do século XIX a produção agrícola crescia. A população também. Os transportes existentes, primitivos e arcaicos, já não bastavam à região. Era necessário que os trilhos da estrada-de-ferro chegassem a Pádua.

O engenheiro inglês George Stephenson inventara a locomotiva, que foi posta em funcionamento no dia 25 de julho de 1814. A vulgarização desse meio de transporte usado, a princípio, só para fins comerciais e mais tarde, também para passageiros, deu-se depois que Stephenson aplicou à sua locomotiva o princípio do aquecimento tubular, inventado por outro engenheiro inglês, Mark Seguin. 

A locomotiva assim construída tomou o nome de Rocket, espalhou-se pela Europa e, depois, pelos demais continentes. A primeira estrada-de-ferro do mundo foi implantada igualmente por Stephenson, ligando Manchester a Liverpool, na Inglaterra. Limpa, vencendo distâncias com rapidez, a estrada-de-ferro difundiu-se no planeta. O Brasil precisava de igual melhoramento. O engenheiro Irineu Evangelista de Sousa construiu a primeira estrada de ferro brasileira sendo também a primeira da América do Sul. Foi inaugurada em 1850, ligando a capital do país, Rio de Janeiro, à cidade serrana de Petrópolis. Foi criada nessa época, a Companhia de Estrada de Ferro a qual D. Pedro II, Imperador o deu o nome de Leopoldina, em homenagem à sua mãe, a Imperatriz Maria Leopoldina, esposa de D. Pedro I.
 
Por este feito o engenheiro recebeu das mãos do Imperador o título de Barão de Mauá e, mais tarde, o de Visconde, passando, assim, a ser conhecido como Visconde de Mauá.


O Barão de Mauá projetou e construiu ainda as duas primeiras estradas de ferro do Nordeste, ligando o rio São Francisco - grande escoadouro da produção dos Estados de Pernambuco e Bahia - às suas respectivas capitais. Recife e Salvador. Eram as regiões ricas do Ciclo do Açúcar e do Ciclo cacau e mais, construiu também as três primeiras estradas de ferro que transpuseram a Serra do Mar, além da ligação do Rio a Petrópolis, ligou também o Rio de Janeiro a Friburgo, e São Paulo a Santos. As máquinas locomotivas, como todo o material usado, eram importados da Inglaterra que mantinha o trust.

A estrada de ferro ramificou-se, ampliando-se. De Friburgo um ramal foi levado a São Fidélis, porto do rio Paraíba do Sul, por onde se escoava a produção agrícola do norte e noroeste do Estado do Rio de Janeiro. São Fidé
lis foi, portanto, a primeira cidade do Noroeste a receber os trilhos, só que na outra margem do rio, fora da cidade. A estação chamou-se Luca, em homenagem a Frei Ângelo Maria de Luca, o fundador da cidade de São Fidélis junto com o Frei Vitório de Cambiasca.
 
Mais tarde, uma companhia inglesa conseguiu a concessão das linhas férreas dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Não mudou o nome da companhia. Apenas acrescentou a palavra Railway que quer dizer caminho reto, isto é, estrada-de-ferro. Assim, passou a se chamar Estrada-de-Ferro Leopoldina Railway.

Se esse melhoramento tão grande já estava em São Fidélis, sem dúvida deveria chegar a Pádua. Paduanos de projeção social, econômica e política uniram-se e resolveram o problema. Seria criado um ramal férreo que se ligaria ao de São Fidélis e, por esse, já ligado à ferrovia, em Friburgo, se chegaria ao Rio de Janeiro, a capital do país.

Para tanto, fundou-se a Companhia de Estrada de Ferro de Santo Antônio de Pádua e, eleito seu presidente, o Tenente-Coronel Joaquim de Araújo Padilha, fazendeiro e político que, por intermédio de um sobrinho, advogado no Rio, conseguiu, em 1876, a concessão para a implantação do ramal. O engenheiro Vieira Braga ficou com a responsabilidade de traçar e executar o projeto.

A companhia foi organizada com o capital de 300 contos de réis, integrado por ações de 200 mil réis. O interesse dos proprietários e dos locais por onde a estrada-de-ferro passaria foi grande e diversos fazendeiros daquelas localidades também colaboraram.

Em Pádua, entre muitos, encontravam-se os Barros, o Visconde Figueira, a família Leite, Mathias Ney (meu avô), os Schimit, os Olivier e outros. Havia também grande número de acionistas de Cambuci, Monte Verde, São Fidélis e Itaocara, naquele tempo denominada, ainda, São José de Leonissa da Aldeia da Pedra.

A ferrovia teria início no município de São Fidélis onde se construíra a primeira estação, Luca. Esta ferrovia foi implantada pelo Barão de Nova Friburgo sob contrato feito com a Diretoria de Obras Públicas da Província, assinado em 17 de janeiro de 1880, ligando São Fidélis a Friburgo. O traçado original da ferrovia para Pádua seguiria pela margem esquerda dos rios Paraíba e Pomba, terminando em Miracema, sem cortar o leito do Pomba. Só em Luca seria feita a travessia da mercadoria, através de barca.

Por imposição de alguns fazendeiros, acionistas da margem direita, entre eles os Leite, os Parreira, os Melo, Mathias Ney, Olivier e outros com grande produção em suas fazendas, o traçado foi modificado fazendo-se uma ponte de ferro em Funil, arraial próximo de Aperibé, que atravessaria o rio Pomba, passando, assim, os trilhos para a margem direita. Ao chegar a Paraoquena, na época denominado Barra do Pomba, novamente teria de voltar para a outra margem, a fim de chegar a Miracema, ponto final da linha férrea. Além disso deveriam ser construídas duas pontes de madeira, uma dentro da cidade, em Pádua e outra na localidade de Baltazar. 

À proporção que a estrada ficava pronta até determinado local, a estação era construída e o trem corria nos trilhos, mas as pontes, feitas de ferro, atrasaram e oneraram a construção da estrada. Além disso a burocracia também contribuiu para os atrasos. A ponte de Paraoquena ficou pronta bem antes e ficou esperando até o dia 8 de agosto de 1883, quando a Diretoria de Obras Públicas da Província recebeu, afinal, a autorização para transpor o Pomba, e só então o tráfego ficou aberto até Miracema, distrito de Pádua, ponto final da linha. Na inauguração, em Miracema, no dia 10 de agosto de 1883, houve uma grande festa. O trem chegou apitando e com o sino batendo debaixo de fogos e aplausos. O povo todo na rua comemorava a chegada do grande progresso. O Dr. Francisco Antunes Ferreira da Luz, médico respeitado e político de prestígio em Pádua, fez o discurso inaugural.


Ao passar por Pádua, apitando e batendo o sino, o trem fez uma parada na estação, construída em terreno, da Fazenda Santa Afra, doado por Mathias Ney. O povo, esperando-o com ansiedade, saudou-o com palavras, fogos e banda de música. Inesperadas circunstâncias, levaram a Companhia Estrada-de-Ferro de Santo Antônio de Pádua a não terminar a obra por ela idealizada e iniciada 10 anos antes. Por vários motivos, foi encampada pela Companhia Macaé & Campos, que a terminou. As primeiras locomotivas eram pequenas. Depois veio uma maior, a Rocket, denominada pelo povo de maria-fumaça. Por ter a estrada desviada do seu primeiro traçado, que seria todo à margem esquerda do rio Pomba, prejudicando, assim, muitos dos fazendeiros daquela margem, a companhia assumiu o compromisso de construir as duas pontes, uma dentro da cidade de Pádua e a outra no distrito de Baltazar.

Assim foi como Pádua ganhou a sua primeira ponte de madeira dentro da cidade, facilitando, dessa forma, o acesso do povo e das mercadorias da margem esquerda à estação, construída na margem direita. Depois de pronta, a companhia entregou à Diretoria de Obras Públicas da Província do Rio de Janeiro que a passou à Câmara Municipal, em ofício datado de 9 de janeiro de 1884.
 
A ferrovia, de bitola estreita, da estação de Luca, em terras de São Fidélis onde teve início, até o ponto final, em Miracema, media 92 quilômetros de extensão e muitos benefícios trouxe ao noroeste do Estado do Rio de Janeiro.
 
Antes disso, havia muitas dificuldades nas viagens. Quem quisesse ou precisasse viajar para o Rio de Janeiro tinha duas alternativas. A primeira, Estrada de-Ferro D. Pedro II, que havia chegado a Além Paraíba. Minas, em 1871. Mas tarde, Palma e Pirapetinga, também em Minas, receberam seus trens. Portanto o viajante teria de ir, então, a cavalo a uma dessas localidades onde pegaria o trem. 
 
A segunda, que seria por Campos, teria de enfrentar baldeações e travessias de balsa ou canoa sobre o Rio Paraíba do Sul. Campos só teve ligação direta com Niterói 17 anos depois, em 1888. Dormia-se em Campos e, no dia seguinte, seguia-se para Niterói ou Rio, de trem. Dois dias de viagem, de Pádua ao Rio.

Em Itaocara o trem chegou em 1885. A viagem também levava dois dias, pernoite e baldeações, andando-se de trole ou a cavalo até chegar a Itaocara a margem direita, atravessando-se o rio Paraíba de balsa ou canoa. As viagens melhoraram quando foi inaugurada a estação de Portela em 12 março de 1890, construída pela concessionária Macaé & Campos. Saía-se de Pádua de trem às 6 e 15 da manhã, chegava-se à estação de Três Irmãos atravessava-se o Rio Paraíba do Sul em canoa ou balsa e tomava-se de novo o trem na estação de Portela, seguindo-se até Friburgo, onde se almoçava. Descia-se a Serra dos Órgãos, chegando-se ao Rio de Janeiro às 7 das da noite. Foi um avanço extraordinário e a viagem, embora levasse o dia inteiro, ficou mais suave. Fiz o percurso até Friburgo, ainda menina com minha mãe, algumas vezes. Íamos visitar Maria, minha irmã mais velha, que lá estudava - Colégio Nossa Senhora das Dores, das Irmãs Dorotéias. 

Em 30 de julho de 1890 chegou a Campos o engenheiro Dr. Joseph Lynch com pessoal técnico e os subempreiteiros que construiriam as linhas férreas de ligação da Companhia Leopoldina, entre Campos, no Estado do Rio, e Itapiruçu, no Estado de Minas Gerais. Assim, os dois estados ficariam ligados. Itapiruçu um distrito pertencente ao Município de Palma, já tinha trem que vinha de Belo Horizonte, passava por Palma, dirigia-se a Três Rios, onde atravessava o rio Paraíba do Sul em ponte de ferro, chegando a Petrópolis, descendo a Serra da Estrela, alcançando a capital federal, o Rio de Janeiro.
 
Assim, Pádua ligou-se ao Rio por dois caminhos que se uniram às duas primeiras linhas férreas feitas pelo Barão de Mauá, a de Petrópolis e a de Friburgo.

A ferrovia de Campos a Itapiruçu teve na região, em São Fidélis, a primeira ponte férrea sobre o rio Paraíba, medindo 430 metros de extensão e ligando as duas margens do rio Paraíba, alcançando, então, o total de 70 quilômetros de trilhos. Em 25 de agosto de 1891, às três horas da tarde, o povo teve a felicidade de assistir à passagem do primeiro trem sobre a ponte, ligando a estação de luca à margem direita do Paraíba, à cidade de São Fidélis, à margem esquerda. Foi uma vitória espetacular e uma imensa alegria para todos, celebrada com grandes festejos, já que o rio Paraíba do Sul era a grande barreira entre o norte e o sul do Estado do Rio de Janeiro.

O ramal ligando São Fidélis a Campos ficou pronto dois anos mais tarde, em 1892. A viagem, embora longa, por fazer um grande percurso, indo a Campos para, só depois, descer para o Rio de Janeiro, melhorou consideravelmente por não se fazer baldeação e não se atravessar o rio Paraíba de balsa ou de canoa. Mesmo assim, muitos passageiros naquela época, preferiam passar por Friburgo, via Portela, atravessando o Paraíba de canoa ou de balsa para chegar mais cedo, à capital do Estado, Niterói, ou à capital federal, Rio de Janeiro. Só no ano seguinte, 1893, Paraoquena se ligou a Itapiruçu, completando o percurso traçado.


A estrada de ferro avançava e em 1895, Bom Jesus do Itabapoana foi ligada a Três Irmãos com 66 quilômetros de trilhos. Assim, a Província do Rio de Janeiro, depois Estado do Rio de Janeiro, foi-se interligando graças à ferrovia, facilitando o transporte não só de passageiros como de mercadorias provenientes dos grandes centros para o interior, bem como de toda a produção agrícola da região para os grandes centros.

A nova estação da Estrada de Ferro Leopoldina Raílway, feita em terreno doado por João Xavier Rodrigues, pai de Edvaldo Xavier, o Dodô, foi construída na década de 1930 pela firma inglesa H. Glaizer, de Friburgo, a mesma que, mais tarde, construiria o Hospital Manoel Ferreira, em Pádua. 

A estrada de ferro — implantada pelos ingleses em todo o país — trouxe para o Brasil na ocasião, um grande progresso. As regiões norte e noroeste do Estado do Rio de Janeiro evoluíram muito, fazendo a produção agrícola aumentar, a população crescer e o comércio tomar grande impulso! 

Os ingleses mantiveram o contrato da Estrada-de-Ferro Leopoldina Railway até a década de 1930 ou princípio da de 1940, no governo do Presidente Getúlio Dorneles Vargas. 


Estava-se no século XX, tudo modernizava-se no mundo e o Brasil precisava atualizar-se. Getúlio deu o direito de voto à mulher; criou o salário mínimo; nacionalizou o subsolo e, em consequência, o petróleo; fez a lei trabalhista; implantou a indústria do aço com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional; montou a Fábrica Nacional de Motores, (F.N.M.); e agiu em mais outros setores. Ótimas atitudes e ações! As leis trabalhistas, feitas nesse governo, embora justas e necessárias, por um lado beneficiaram e, por outro, sacrificaram vários setores como o ferroviário, por exemplo, porque enquanto os ingleses mantiveram a concessão da estrada, tudo correu muito bem: os horários de saída e chegada dos trens eram cumpridos; as mercadorias não desviavam, chegando intactas; o passageiro era bem servido e atendido. Havia o trem noturno com leito para as viagens mais longas e o trem especial para os presidentes da República e dos estados. Esse trem tinha os bancos estofados de veludo, cortinas de cetim nas janelas, sala de despacho, sala das secretárias — que anotavam tudo que acontecia na viagem — salão de refeições etc. Enfim, tudo era de primeira qualidade, tanto o transporte quanto o serviço. Ao passar para o governo brasileiro tudo mudou. Os horários não eram cumpridos, as mercadorias extraviavam ou minguavam, denotando roubo, e os funcionários faziam greve, parando os trens em qualquer lugar. A população foi, aos poucos, perdendo a confiança no transporte ferroviário, que acabou sem credibilidade.
 
Darei um exemplo. Viajávamos com frequência - não só nós, mas boa parte da população — e tudo sempre se repetia como dessa vez, que passo a narrar. Só que essa foi uma viagem especial, marcando de forma indelével a nossa mente. Casei-me na manhã de 17 de junho de 1944. Os casais, na época passavam a lua-de-mel no Rio de Janeiro. Desde 1942 o Brasil entrara na Segunda Guerra Mundial juntando-se aos Aliados contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). 

Havia racionamento de muitos produtos, inclusive gasolina. Um de meus cunhados tinha um carro adaptado para gasogênio (gás produzido a partir carvão). Teríamos que ir de carro para Itaocara ou Palma onde tomaríamos o trem. Preferimos Palma. Por essa época Itaocara já ganhara, (1936), a sua bela ponte ligando as margens do rio Paraíba do Sul. Embarcamos em Palma às 8 horas da manhã. O horário previsto de chegada a estação Barão de Mauá, no Rio de Janeiro, era às 19 horas, mas só chegamos 1 hora da madrugada. Razão do atraso de 6 horas: os maquinistas e os funcionários que trabalhavam no trem tinham direito, pela Lei Trabalhista, de receber em dobro as horas de atraso. Em cada caixa d'água que o trem parava para abastecer-se, ali ficava parado uma hora ou mais, sem ter acontecido nada, absolutamente nada! Às vezes ficavam mesmo estacionados em alguma parada ou estação. Assim procediam os brasileiros. E nada era feito não havendo nenhuma punição para um descalabro desses, num acinte total à que necessitava desse transporte. A lei beneficiava a ineficiência e a malandragem e não punia os erros, nem tampouco estimulava a honestidade. Assim constatava-se como procediam alguns brasileiros, mostrando-se ineficientes e incapazes substituindo os competentes ingleses. Pela falta de caráter de uns poucos, os empregados do governo, todos os usuários - que os sustentavam por serem contribuintes - além de pagarem as passagens, padeciam. A lei era justa mas provocava resultado injusto, como sempre aconteceu, e ainda acontece em nosso país. Esse, além de outros fatores, evidentemente, contribuiu para o fracasso da ferrovia no Brasil.

Trecho extraído do livro “A Casa da Águia” de autoria da historiadora Rita Amélia Serrão Piccinini.




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