Nota: texto transcrito na íntegra do jornal Correio da Manhã, de 1º de
junho de 1971, sob o título UM LANÇAMENTO: JOSÉ ITAMAR, JORNALISTA, COMPOSITOR,
ADVOGADO.
Todo dia o menino tomava o café e
saía pelas estradas da fazenda cantarolando o que vinha na cabeça. Cruzava com
os carros de bois, ouvia o canto dos negros e ficava sem pensar em nada. Subia
os morros e via os gados pequenos, lá embaixo. A família era grande, mas ele
preferia viver assim, percorrendo diariamente os limites do seu mundo, que
começava e acabava nas cercas da fazenda.
De noite, os Moreira, da família da
mãe, tocavam as músicas de sempre. Para eles só haviam dois caminhos: música e
futebol. Os Freitas, da parte do pai, não gostavam muito daquele negócio. “Música
não é coisa pra homem”, diziam. E cada vez mais se apegavam à terra, aos
problemas da fazenda, aos casos de Miracema, cidadezinha do estado do Rio, na
divisa com Minas, onde ficava a fazenda dos Freitas e onde o menino ficou até
os 20 anos.
José Itamar gostava mesmo era de
música e de escrever. No grupo escolar e no ginásio, feito na cidade mineira de
Cataguases (na companhia de Chico Buarque e Carlos Imperial), fazia teatro. Nas
festas da escola era sempre ele que ficava com as comédias Gozava todo mundo e
todo mundo ria. Mas era duro fazer o pessoal entender tudo aquilo. Tímido,
extremamente sensível, não era fácil conciliar a tendência musical e literária
com os conceitos de casa.
Com a música e a literatura na mala,
José Itamar veio para o Rio estudar Direito. Veio para ser juiz (vontade do
pai). Enquanto estudava, arrumou um emprego de datilógrafo no IAPI. À noite,
quando todos iam embora, ele ficava escrevendo contos. O José queria ser
escritor. Os contos iam se acumulando na gaveta do datilógrafo, quando surgiram
dois cursos de jornalismo. Hélcio Martins, da Tribuna de Imprensa, o chamou.
Numa tarde, depois do último
memorando, largou o IAPI sem dar qualquer explicação. Deu boa noite e nunca
mais apareceu. Na Tribuna, foi “adotado” primeiro por Hélcio Martins e em
seguida por Luís Lobo e Zuenir Ventura. Neste tempo, formou-se em Direito. O
diploma e o anel foram parar onde nem ele sabe mais.
- O jornalismo foi mais um acidente. Eu me encaminhava para a literatura.
Fazia contos na Tribuna e cheguei a publicar uma Antologia. Mas como o negócio
era escrever fui levando. Na Tribuna fui foca, fiz internacional, até cobri uma
Conferência de Chanceleres em Punta Del Este, no Uruguai, fui repórter da
geral. Depois passei para Fatos & Fotos a convite de Alberto Dines, que
também foi quem me entregou a direção da Enciclopédia Bloch e de Pais e Filhos
desde o planejamento.
José Itamar de Freitas, que chegou ao
Rio para ser juiz, mas que pretendia ser compositor e escritor venceu no jornalismo.
Em 1965, ganhou o Prêmio Esso, com uma reportagem sobre a pílula
anticoncepcional (Os Filhos Proibidos). Durante três anos foi colunista de
Ciências do Jornal do Brasil. E ganhou uma fama que o perseguiu por muitos
anos: o de cientista maluco. Isto o chocava. Contudo, para os outros, não era
fácil entender que aquele sujeito que todo dia escrevia sobre as novidades
científicas mais estranhas não queria nada com aquilo. Foi um custo livrar-se
dessa marca. As pessoas o procuravam para perguntar as coisas mais esquisitas.
Queriam até saber sobre o sexo dos insetos.
Cuidando dos insetos, dos fatos
históricos, dos pais e dos filhos, José Itamar tinha o dia cheio, mas não se
esquecia da música. Comprou um violão e começou a fazer música de uma maneira toda
especial. Batia nas costas do violão e ia tirando os acordes a seu modo, na
intuição. Durante o dia, no entanto, os sons fabricados de noite se misturavam
com as fotografias que precisava selecionar; as reportagens que tinha que bolar;
os textos que precisava ler e corrigir.
Há quatro anos comprou um gravador,
pequeno. E começou a guardar tudo que saía nas batucadas no violão. As fitas,
como os contos, iam para a gaveta. Não mostrava a ninguém.
- As fitas eram só para mim; Serviam para dar vazão à necessidade de me
expressar em música. Eu gravava e deixava lá.
Aí começou a história do compositor
José Itamar de Freitas. Pais e Filhos contratou um redator chamado Evandro
Pinho. Evandro ia sempre à casa de Itamar. Passou a trabalhar com ele nas
músicas. Por coincidência, um irmão do Evandro, Fernando Lucas, havia ganhado a
Grande Chance de Flávio Cavalcanti coimo cantor. Evandro e Fernando resolveram
inscrever algumas músicas de José Itamar no programa. E elas foram vencendo
todas as provas.
- Eu ganhava e não aparecia. O Flávio até hoje não me perdoa por causa
disso. Mas eu não aparecia porque sou muito tímido e também porque naquela
mesma época tive que fazer uma operaçãozinha, coisa pequena, mas que me deixou
na cama alguns dias. Na noite da final, com o Teatro Municipal lotado, eu
também não apareci. Só que desta vez o Evandro, que me representava, não pôde
aparecer. Tinha morrido atropelado poucos dias antes.
A morte de Evandro Pinho foi uma
coisa estúpida. Ele atravessa a Avenida Atlântica numa tarde de sábado quando
um carro o pegou. Não deu nem tempo de chegar ao hospital. Sozinho, José Itamar
foi em frente. Inscreveu-se no Festival da Canção Fluminense em 1969 e tirou o
quarto lugar. Com a música Caminho de Sumaúma Agostinho dos Santos ganhou o
prêmio de melhor intérprete. Mas não houve a gravação. O produtor do disco do
Agostinho não quis coloca-lo porque Caminho de Sumaúma não era comercial.
A música de José Itamar de Freitas em
uma característica: está quase sempre ligada à terra, com raízes bem
brasileiras. Influência do tempo de garoto em Miracema, dos carros de boi e dos
passarinhos. Mas a maior influência é de um sujeito chamado Luís Gonzaga. E ela
não é de agora – da fase de justiça ao grande compositor – vem de muito antes.
Por causa disso tudo, José Itamar levou um tempão para gravar um disco. Fitas e
mais fitas foram recusadas pelas gravadoras. Em 1969 ele classificou uma música
no Festival da Record. Foi recebido com a maior indiferença. Um representando
do auditório o chamou de músico da roça. Alguns jurados a defenderam.
No mesmo ano ficou com outro quarto
lugar no Festival de Música de Natal da TV Tupi. Era uma canção contra o Papai
Noel. Finalmente, no ano passado, outra música ficou no balaio do Festival
Internacional da Canção. Com esta houve uma coisa esquisita: estava na lista
das classificadas, mas saiu, sem ninguém explicar a razão, para ser substituída
pela música de Jorge Bem e da Vanderléia:
- Só gravei agora por causa do filme “Assim nem a Cama Aguenta”, de Vitor
di Mello. Eu fiz a trilha sonora do filme e ela vai virar disco. São 14 músicas
um pouco diferente das que estava acostumado a fazer. Tive que me prender à
história do filme, mas acho que não fiz concessão. Foi mais uma abertura para
outros temas e outros ritmos. Tem até duas músicas em inglês (o filme começa em
Londres), embora muita gente diga que elas guardam uma conotação bem brasileira.
Destas 14 músicas, sete serão
lançadas hoje. Serão cinco compactos de Tape-Car, gravados por cantores novos.
No dia primeiro de julho sairá o Lp do filme e depois a coisa não vai mais
parar. Já está pensando nas músicas do próximo filme do próprio Vitor di Mello
e também em tirar da gaveta as antigas, onde fala na terra e dos problemas
sociais. José Itamar está começando um curso de teoria musical e tudo se
encaminha para a nova vida de compositor:
- Tudo agora depende de como as coisas vão evoluir. De repente virei
profissional no sentido estatutário (tenho mais de seis músicas gravadas). Não
vou dizer que espero um sucesso enorme porque isso depende de fatores
imponderáveis. Quero, isso sim, fazer uma música coerente comigo mesmo
(acabaram de me oferecer um bom dinheiro para fazer uma música sobre o “Seu
Sete da Lira” e eu recusei). Se eu conseguir que as pessoas que eu respeito me
aceitem como compositor e se conseguir que uma parcela do público também me
aceite como compositor, não tenho dúvida nenhuma em partir para a música como o
grande caminho da minha vida.
Dizem que José Itamar de Freitas está
decepcionado com o jornalismo. Mas com todos os problemas para o profissional
consciente, ele não se queixa da profissão. Contudo, seria capaz de largar tudo
para viver da sua música. Mesmo sabendo os novos problema que terá pela frente.
- Todo músico quer entrar na máquina e é o maior hipócrita do mundo quem
diz que não quer. O importante é sair da máquina fazendo o que se quer. Conheço
muita gente que conseguiu isto. Caetano Veloso está aí. Chico Buarque também
(Chico entrou na máquina, não entrou? E em “Roda Viva” o que ele fez? Gozou,
agrediu a máquina). Sérgio Ricardo, ao contrário, não entrou e vive combatendo
a máquina. Agora, tem um detalhe: as circunstâncias favorecem o não interesse
da máquina em mim.
Os cantores que serão lançados hoje à
noite, no Zum-zum, com as músicas de José Itamar de Freitas, atuam em faixas
diferentes. Rosana, por exemplo, gravou as músicas mais difíceis (Mentalização
e Sob Anúncios Luminosos) e vai ter de enfrentar uma parada dura para
divulgá-las. Carlos Gomes ficou com as canções mais ligadas ao tema preferido,
a terra. Ana Cristina canta as mais românticas.
Itamar gosta muito de falar de amor,
não na base de “se você não voltar eu vou morrer”, mas sim do amor sofrido,
maior. E Sônia Santos, cantora da Sucata, gravou as que podem cair mais
rapidamente no gosto do público (Sacumé, que já está nas paradas de sucesso, e
Boing 700 e quantos?).
Nota do Blog: o jornalismo entrou
definitivamente na vida de José Itamar de Freitas em 1973, quando trabalhando
na Rede Globo, passou a dirigir o programa do Fantástico, e assim foi por
muitos anos. Também colaborou para o Jornal Nacional. É um nome muito
respeitado dentro da emissora, mesmo já afastado de suas funções. Atualmente
está aposentado e cuida de sua propriedade rural aqui em Miracema. Para aqueles
que ainda não sabem, José Itamar é sobrinho de primeiro grau – por parte
materna – dos irmãos Moreira.
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