terça-feira, 8 de agosto de 2023

O SOBERBO ADEMIR MENEZES – POR GERALDO ROMUALDO DA SILVA

 


Nota: crônica transcrita do Jornal dos Sports, de 08 de novembro/1992, homenageando o Queixada no seu aniversário de 70 anos. Ademir faleceu em 11 de maio de 1996, aos 73 anos.

 

Seus números dentro de campo comprovam que não é para qualquer mortal. Mas, esperem, não é somente esse fantástico recorde, que atesta a miraculosa força atlética e todo o genial talento desse nosso caro e mitológico Ademir Marques de Menezes, em seus venturosos, às vezes, também atribulados e sofridos anos de profissionalismo de vintém.

 

De pique direto, fulminante velocidade e precisão absoluta nos arremates, geralmente por baixo e penteando a grama, quem foi melhor do que ele? Pode parecer até delírio de saudosismo. Mas não é nada disso. Querem ver só? Pessoalmente, tenho visto, ao longo de tantos temporais, aqui e fora, atacantes da mais fina qualidade, possuidores de extrema mobilidade e rushs fatais. Nenhum deles, porém, com o sendo de equilíbrio, a bem dotada noção do momento da explosão e o inacreditável poder de fogo, para fazer a coisa certa. Dir-se-ia o próprio imponderável. Mas, pagou caro tributo. Com seguidas fraturas de demorada recuperação e a sagrada intimidade maculada pelos alvoroçados caçadores de escândalo, que por aí também já existiam.

 

Produto da vitoriosa geração que nos deu Zizinho, nascido e moldado pelo inquieto uruguaio Ricardo Diez, técnico do campeoníssimo Sport Club do Recife, eis que esse fogoso Ademir, após exaltado sucesso pelos estádios do Sul – Rio, São Paulo e Minas –, transforma-se, de repente, em alvo da cobiça de dois pretendentes gananciosos, mas irreconciliáveis: Vasco e Fluminense. Ele até que teria sido mais balançado pelo Fluminense, ainda de Ondino Vieira, que o queria a todo custo, tanto que nele via a mais expressiva descoberta de sua carreira.

 

No entanto, mais esperto e valendo-se da preguiçosa indefinição dos parvos cartolas tricolores, coube-lhe, por destino, os ares mais promitentes de São Januário, para alegria e ufanosa realização do pai e empresário, “Seu” Menezes, o sempre sorridente e lépido “Muriçoca”. E, é claro, porque a grana cruzmaltina era muitíssimo mais generosa. Vem daí, o seu desabrochar para a glória. Como a de afirmar-se artilheiro, sem rival em sul-americanos memoráveis (média de 13 gols). Mais a honra de ser o primeiro, no Mundial de 50, e herói de nada menos de 54 gols em 49 partidas, unicamente, ao curso de 1949.

 

Com Tesourinha, Zizinho, Heleno e Jair Rosa Pinto, vestiu a camisa 11 (só porque não podia ficar fora do bolo de gente tão especial), soube sempre se apresentar com soberba e digna atuação, durante o torneio continental de Santiago do Chile, em 1945. Nos pés e a cada desafio, a marca inconfundível do irresistível rocketing the Ball.

 

De outra feita, agora por influência e clamor de Gentil Cardoso, terminou por bater às portas do Fluminense. O Fluminense – lembram-se – não passava de um risível timinho, a torcida já impaciente à espera do milagre de uma vitória que não vinha nunca. Foi quando ocorreu a Gentil soltar uma de suas tiradas – neste episódio, a que mais e melhor definiu a magia desse craque de mil travessuras com a redonda: - “esse Ademir é só o que nos falta para sairmos de todo o nosso sufoco!” E gritou, profético e temerário:

- Deem-me Ademir e eu vos darei o campeonato.

 

Os que suponham que se tratasse de mais uma potoca do velho marinheiro, quebraram a cara. E não é que aquele time tomou jeito e que, jogando com também Pedro Amorim, que sempre sabia das coisas e fazia gols, ficou com o título. O Fluminense inteiro do pernóstico tênis à vaidosa natação, cantou vitória o ano inteiro. Enquanto Gentil, na sua doce sombra, sorria e falava, de coração aberto:

- Ah, meu craque Ademir! Devemos tudo a ele!

 

E era a mais pura e santa verdade. A mais e eloqüente sincera manifestação de humildade do velho sábio, matreiro e milagroso Preto Velho.

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário