segunda-feira, 26 de junho de 2017

DEVE-SE TER MUITO CUIDADO COM O ÍDOLO - POR JOSÉ MARIA DE AQUINO

ZAGALO E JOSÉ MARIA DE AQUINO

Nota do blog: José Maria de Aquino é um renomado jornalista esportivo brasileiro, miracemense, radicado em São Paulo. Crônica publicada em sua página do face em junho de 2017.

Em dezembro de 1994, cruzei com José Carlos Bauer na Praça Marechal, perto da Rede Globo, onde eu trabalhava. Interrompi sua caminhada rápida na direção do metrô, indaguei o que fazia por ali - às segundas-feiras costumava comer uma carninha na oficina de um amigo, na Barra Funda - e indaguei como iam as coisas. Nada bem, não tinha dinheiro para comer um frango no Natal. Garanti que sim, que comeria peru em uma boa ceia. Pedi a conta no banco. Deu, dizendo que estava zerada. Providenciei a boa ceia. Um mês depois, se tanto, Bauer me ligou dizendo que a conta estava zerada. Disse a ele que conversaria novamente com os amigos - que de fato não existiam - e dei um reforço. Percebi que não era a solução.

Procurei o presidente do São Paulo, na época Fernando Casal de Rey, contei a situação e pedi para que arranjasse um trabalha para o Bauer. Como haviam dado ao Gino, ao Roberto Dias, ao Terto... Ouvi um sim e aguardei por bom tempo. Nada feito. Até o dia 15/2/1996, missa de 7o dia do falecimento de José Poy, ex-goleiro e técnico do São Paulo, na Igreja N.S.do Brasil. Coloquei-me na parte dos fundos da Igreja e notei que Bauer estava num cantinho, se escondendo, Os diretores estavam do lado esquerdo, mais à frente. Terminada a missa, um grupo deles - Nunes Galvão, José Douglas Dallora, Carlos Caboclo, Fernando Casal, Júlio Brisola - se reuniu à saída da Igreja, combinando almoçar no Paulistano. Aproximei-me, agradeci o convite para acompanhá-los e indaguei se conheciam aquela pessoa que vestia uma capa surrada, alpargatas, barba crescida, distante uns dez metros. Nenhum deles. Bauer, muitas vezes campeão pelo São Paulo, titular da Seleção Brasileira nas Copas de 1950 e 1954, tinha começado nos juvenis, ainda nos tempos do Canindé. Defendeu o São Paulo até 1954 quando, a contragosto transferiu-se para o Botafogo do Rio. Tinha se tornado "maldito", porque pediu para ser operado - fratura na perna - por um médico de Ribeirão Preto e não pelo Dr. Piragibe Nogueira, ex-presidente do clube. Mera questão de confiança. Rodou o mundo, perdeu tudo que havia amealhado com doenças e maus negócios. Pedi licença para apresentá-lo ao grupo, e o chamei. Disse: este é o Bauer, o Monstro do Maracanã, de Bauer, Rui e Noronha. O silêncio foi rompido pelo presidente Fernando Casal. "Zé Maria, não esqueci, estamos vendo...". "Acho que não vai ser preciso, presidente. Estamos acertando para ele trabalhar no Corinthians auxiliando na administração da sala de troféus.” Era mentira, mas acertei na mosca. Fernando Casal virou-se para Júlio Brisola, cobrou a resposta do pedido que havia feito a ele e, acho que um pouco envergonhado, deu dois dias para que tudo fosse resolvido. 

Tomei meu destino, Bauer pegou o ônibus para a região de Itapecirica da Serra, onde morava. Alguns dias depois ele me ligou antes da sete. Zé Maria, eles me chamaram, mas não vai dar. Por que não, Bauer? Porque querem que eu faça exames médicos. E daí? Não tem problema. Não são exames para você jogar. São só para poder ser registrado, carteira assinada, salário, vale-refeição, vale-condução e, o principal, assistência médica, que inclui sua mulher, com os problemas que tem. Tudo acertado, mais uns tempinhos e ele novamente me liga, sempre antes das 8. "Zé Maria, não dá. O Terto não sabe nada. Não ensina direito as crianças. Nem a cobrar lateral. Esqueça, Bauer. Deixa o Terto para lá. São filhos de sócios, garotos em recreação....Mais um pouco e ele queria ir trabalhar no CT de Guarapiranga, o que acabou acertado.

Se alguém tiver o cuidado de levantar a relação de ex-jogadores (e familiares) que o São Paulo ajudou e ajuda, poderá se surpreender. São muitos. Assim como são as negativas para que ergam bustos de ex-jogadores, como fazem Palmeiras e Corinthians. O projeto para a estatua de Leônidas executando a famosa bicicleta, que seria colocada na pracinha diante do estádio, nunca foi levado em conta.

Por esses dias, li e ouvi entrevista de Denílson, emocionado, reclamando que, faz tempo, o diretor João Paulo não havia permitido que recuperasse a forma física no refis do São Paulo, na Barra Funda. Denílson começou nos juvenis do São Paulo em 1994 e teve seu passe negociado com o Betis, da Espanha, em 1998, por 32 milhões de dólares. Jogou em vários clubes do mundo, mas não perdeu seu carinho pelo São Paulo. Merecia ser acolhido, como tantos outros, muitos que nem começaram ou defenderam o clube, foram. Talvez tenha cometido um pequeno pecado: não pedir, antes, autorização a quem de direito. É preciso disciplina e hierarquia. Como faltou ao dirigente humildade para um melhor diálogo, ainda que fosse para manter o não. Explicando os motivos.

As manchetes tricolores dos últimos dias falam de Lugano. Da demora em chamá-lo a renovar o contrato, da injustiça em propor a ele redução do salário, de oferecer como compensação um jogo de despedida. Lugano foi um exemplo de profissional, até onde se sabe. Chegou ao São Paulo em 2003, com 22 anos. Não era um craque como Pedro Rocha, Dario Pereyra, nem mesmo como Pablo Forlan. Mas soube ver que a torcida reclamava por um líder no time, que encarasse os adversários, gritasse etc, e assumiu o posto. Ficou três anos. Em 2006, aproveitou a fama que ganhou e foi fazer fortuna pelo mundo. Voltou dez anos depois, cansado, lesionado, com 35 anos. Um erro da torcida que exigiu sua volta e da diretoria que teve medo de dizer não. As virtudes de Lugano estavam aliadas à juventude, que já não tem. Atleta não é como intelectual ou como os bons vinhos, que quanto mais velhos, melhor ficam. Mais uma vez faltou dialogo das partes. Coragem à diretoria. Dias atrás, contra o Atlético Paranaense, querendo mostrar uma qualidade que nunca teve - e isso não é uma condenação - quase fez um gol contra, atrasando para o goleiro uma bola que devia ter jogado para escanteio. Não se vence o tempo. 




Um comentário:

  1. Não sabia que o José Maria de Aquino era de Miracema. O povo brasileiro tem por costume não valorizar o seu ídolo. Os times da Europa prezam muito pelos seus ídolos. Um texto que também deveria ser lido por vários dirigentes do futebol brasileiro. Resido em Itaperuna e acompanho sempre suas publicações. Um abraço do Jorge Guilherme!

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