Saí da padaria às seis horas da manhã e fui beliscando o delicioso bico
do pão. Hábito que adquiri desde os tempos de criança. A padaria era de Dona
Otéria, uma italiana gorda, cabelos brancos e usava óculos com aro de ouro.
Passei toda a minha infância ouvindo o ruído do cilindro e da masseira
da padaria durante as madrugadas, pois a mesma ficava a cem metros da casa do
meu pai. Os esteios eram de braúna, as portas e os assoalhos eram de madeira,
assim como o balcão que era comprido e largo. Havia uma fenda em cima dele,
onde as moedas eram jogadas. E foi nesta mesma fenda que Zé Capetinha amarrava
uma formiga tanajura pendurada numa linha e roubava as notas de dez mil réis.
O padeiro chamava-se Benedito Tosse Tosse, por ser asmático. Benedito
era amigo de meu pai que lhe dava sempre um pedaço de lingüiça para assar
dentro do pão. Hoje passo pelas estradas e vejo os anúncios de pão com
lingüiça, recordo do meu pai que cultivou esse hábito durante muitos anos.
Dona Otéria aposentou, sua filha Ilda assumiu a padaria e se casou com
Garibaldi. Mais tarde construíram outra padaria na esquina da mesma Rua Paulino
Padilha. Olegário Magalhães arrendou a velha padaria, que mais tarde foi
transferida para a Rua Direita, onde um de seus filhos mantém até hoje a mesma
profissão. Nessa rua já existiam duas padarias: uma do Maninho Caldas e a outra
do Olímpio Silva e seu filho Leco. Eles faziam pãezinhos menores que os outros
e eram vendidos sempre quentinhos após as duas horas da tarde. Adelino Macedo
foi outro padeiro que trabalhou por muitos anos na esquina da Rua Francisco
Procópio.
Ao beliscar o bico do pão torradinho, vejo que os garotos de hoje não
têm o costume de irem à padaria e não sabem como é bom comer um bico de pão
torradinho pela rua.
Voltando ao passado vejo o moleque Ademir que roubava os embrulhos
deixados pelos padeiros nas casas dos fregueses. Certo dia, ao levar a mão ao
embrulho, a dona da casa abriu a janela. Ele, rapidamente, tirou o embrulho
debaixo do braço e gritou: - Padeiro.
Assim, nesses últimos anos morreram todos: Olegário Magalhães, José
Garibaldi e Adelino Macedo. E há poucas semanas morreu Mário Medeiros, o Mário
da Padaria, encerrando assim, a geração dos antigos padeiros de Miracema. Na
última conversa que tive com o Mário, ele dizia que a profissão era muito boa, mas
muito sacrificada, pois enquanto os outros dormiam o padeiro, já pela
madrugada, estava mexendo a massa, e logo era colocado no forno esse manjar dos
deuses que atravessou séculos e mantém o mesmo sabor dos velhos tempos. Dizia
ele em sua sabedoria: “O pão é o alimento sagrado que está em todas as mesas,
por isso é abençoado por Deus.”
Você meu caro leitor, já experimentou comer um bico de pão torradinho?
Aos padeiros, o meu respeito.
FEVEREIRO DE 2003
tempo bom
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