quarta-feira, 7 de abril de 2021

O DELICIOSO BICO DO PÃO - POR JOSÉ ERASMO TOSTES

 


Saí da padaria às seis horas da manhã e fui beliscando o delicioso bico do pão. Hábito que adquiri desde os tempos de criança. A padaria era de Dona Otéria, uma italiana gorda, cabelos brancos e usava óculos com aro de ouro.

Passei toda a minha infância ouvindo o ruído do cilindro e da masseira da padaria durante as madrugadas, pois a mesma ficava a cem metros da casa do meu pai. Os esteios eram de braúna, as portas e os assoalhos eram de madeira, assim como o balcão que era comprido e largo. Havia uma fenda em cima dele, onde as moedas eram jogadas. E foi nesta mesma fenda que Zé Capetinha amarrava uma formiga tanajura pendurada numa linha e roubava as notas de dez mil réis.

O padeiro chamava-se Benedito Tosse Tosse, por ser asmático. Benedito era amigo de meu pai que lhe dava sempre um pedaço de lingüiça para assar dentro do pão. Hoje passo pelas estradas e vejo os anúncios de pão com lingüiça, recordo do meu pai que cultivou esse hábito durante muitos anos.

Dona Otéria aposentou, sua filha Ilda assumiu a padaria e se casou com Garibaldi. Mais tarde construíram outra padaria na esquina da mesma Rua Paulino Padilha. Olegário Magalhães arrendou a velha padaria, que mais tarde foi transferida para a Rua Direita, onde um de seus filhos mantém até hoje a mesma profissão. Nessa rua já existiam duas padarias: uma do Maninho Caldas e a outra do Olímpio Silva e seu filho Leco. Eles faziam pãezinhos menores que os outros e eram vendidos sempre quentinhos após as duas horas da tarde. Adelino Macedo foi outro padeiro que trabalhou por muitos anos na esquina da Rua Francisco Procópio.

Ao beliscar o bico do pão torradinho, vejo que os garotos de hoje não têm o costume de irem à padaria e não sabem como é bom comer um bico de pão torradinho pela rua.

Voltando ao passado vejo o moleque Ademir que roubava os embrulhos deixados pelos padeiros nas casas dos fregueses. Certo dia, ao levar a mão ao embrulho, a dona da casa abriu a janela. Ele, rapidamente, tirou o embrulho debaixo do braço e gritou: - Padeiro.

Assim, nesses últimos anos morreram todos: Olegário Magalhães, José Garibaldi e Adelino Macedo. E há poucas semanas morreu Mário Medeiros, o Mário da Padaria, encerrando assim, a geração dos antigos padeiros de Miracema. Na última conversa que tive com o Mário, ele dizia que a profissão era muito boa, mas muito sacrificada, pois enquanto os outros dormiam o padeiro, já pela madrugada, estava mexendo a massa, e logo era colocado no forno esse manjar dos deuses que atravessou séculos e mantém o mesmo sabor dos velhos tempos. Dizia ele em sua sabedoria: “O pão é o alimento sagrado que está em todas as mesas, por isso é abençoado por Deus.”

Você meu caro leitor, já experimentou comer um bico de pão torradinho?

Aos padeiros, o meu respeito.

FEVEREIRO DE 2003

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