terça-feira, 28 de janeiro de 2020

JOSÉ ITAMAR DE FREITAS: JORNALISTA, COMPOSITOR, ADVOGADO...



Nota: texto transcrito na íntegra do jornal Correio da Manhã, de 1º de junho de 1971, sob o título UM LANÇAMENTO: JOSÉ ITAMAR, JORNALISTA, COMPOSITOR, ADVOGADO.

Todo dia o menino tomava o café e saía pelas estradas da fazenda cantarolando o que vinha na cabeça. Cruzava com os carros de bois, ouvia o canto dos negros e ficava sem pensar em nada. Subia os morros e via os gados pequenos, lá embaixo. A família era grande, mas ele preferia viver assim, percorrendo diariamente os limites do seu mundo, que começava e acabava nas cercas da fazenda.

De noite, os Moreira, da família da mãe, tocavam as músicas de sempre. Para eles só haviam dois caminhos: música e futebol. Os Freitas, da parte do pai, não gostavam muito daquele negócio. “Música não é coisa pra homem”, diziam. E cada vez mais se apegavam à terra, aos problemas da fazenda, aos casos de Miracema, cidadezinha do estado do Rio, na divisa com Minas, onde ficava a fazenda dos Freitas e onde o menino ficou até os 20 anos.

José Itamar gostava mesmo era de música e de escrever. No grupo escolar e no ginásio, feito na cidade mineira de Cataguases (na companhia de Chico Buarque e Carlos Imperial), fazia teatro. Nas festas da escola era sempre ele que ficava com as comédias Gozava todo mundo e todo mundo ria. Mas era duro fazer o pessoal entender tudo aquilo. Tímido, extremamente sensível, não era fácil conciliar a tendência musical e literária com os conceitos de casa.

Com a música e a literatura na mala, José Itamar veio para o Rio estudar Direito. Veio para ser juiz (vontade do pai). Enquanto estudava, arrumou um emprego de datilógrafo no IAPI. À noite, quando todos iam embora, ele ficava escrevendo contos. O José queria ser escritor. Os contos iam se acumulando na gaveta do datilógrafo, quando surgiram dois cursos de jornalismo. Hélcio Martins, da Tribuna de Imprensa, o chamou.

Numa tarde, depois do último memorando, largou o IAPI sem dar qualquer explicação. Deu boa noite e nunca mais apareceu. Na Tribuna, foi “adotado” primeiro por Hélcio Martins e em seguida por Luís Lobo e Zuenir Ventura. Neste tempo, formou-se em Direito. O diploma e o anel foram parar onde nem ele sabe mais.

- O jornalismo foi mais um acidente. Eu me encaminhava para a literatura. Fazia contos na Tribuna e cheguei a publicar uma Antologia. Mas como o negócio era escrever fui levando. Na Tribuna fui foca, fiz internacional, até cobri uma Conferência de Chanceleres em Punta Del Este, no Uruguai, fui repórter da geral. Depois passei para Fatos & Fotos a convite de Alberto Dines, que também foi quem me entregou a direção da Enciclopédia Bloch e de Pais e Filhos desde o planejamento.

José Itamar de Freitas, que chegou ao Rio para ser juiz, mas que pretendia ser compositor e escritor venceu no jornalismo. Em 1965, ganhou o Prêmio Esso, com uma reportagem sobre a pílula anticoncepcional (Os Filhos Proibidos). Durante três anos foi colunista de Ciências do Jornal do Brasil. E ganhou uma fama que o perseguiu por muitos anos: o de cientista maluco. Isto o chocava. Contudo, para os outros, não era fácil entender que aquele sujeito que todo dia escrevia sobre as novidades científicas mais estranhas não queria nada com aquilo. Foi um custo livrar-se dessa marca. As pessoas o procuravam para perguntar as coisas mais esquisitas. Queriam até saber sobre o sexo dos insetos.

Cuidando dos insetos, dos fatos históricos, dos pais e dos filhos, José Itamar tinha o dia cheio, mas não se esquecia da música. Comprou um violão e começou a fazer música de uma maneira toda especial. Batia nas costas do violão e ia tirando os acordes a seu modo, na intuição. Durante o dia, no entanto, os sons fabricados de noite se misturavam com as fotografias que precisava selecionar; as reportagens que tinha que bolar; os textos que precisava ler e corrigir.

Há quatro anos comprou um gravador, pequeno. E começou a guardar tudo que saía nas batucadas no violão. As fitas, como os contos, iam para a gaveta. Não mostrava a ninguém.

- As fitas eram só para mim; Serviam para dar vazão à necessidade de me expressar em música. Eu gravava e deixava lá.

Aí começou a história do compositor José Itamar de Freitas. Pais e Filhos contratou um redator chamado Evandro Pinho. Evandro ia sempre à casa de Itamar. Passou a trabalhar com ele nas músicas. Por coincidência, um irmão do Evandro, Fernando Lucas, havia ganhado a Grande Chance de Flávio Cavalcanti coimo cantor. Evandro e Fernando resolveram inscrever algumas músicas de José Itamar no programa. E elas foram vencendo todas as provas.

- Eu ganhava e não aparecia. O Flávio até hoje não me perdoa por causa disso. Mas eu não aparecia porque sou muito tímido e também porque naquela mesma época tive que fazer uma operaçãozinha, coisa pequena, mas que me deixou na cama alguns dias. Na noite da final, com o Teatro Municipal lotado, eu também não apareci. Só que desta vez o Evandro, que me representava, não pôde aparecer. Tinha morrido atropelado poucos dias antes.

A morte de Evandro Pinho foi uma coisa estúpida. Ele atravessa a Avenida Atlântica numa tarde de sábado quando um carro o pegou. Não deu nem tempo de chegar ao hospital. Sozinho, José Itamar foi em frente. Inscreveu-se no Festival da Canção Fluminense em 1969 e tirou o quarto lugar. Com a música Caminho de Sumaúma Agostinho dos Santos ganhou o prêmio de melhor intérprete. Mas não houve a gravação. O produtor do disco do Agostinho não quis coloca-lo porque Caminho de Sumaúma não era comercial.

A música de José Itamar de Freitas em uma característica: está quase sempre ligada à terra, com raízes bem brasileiras. Influência do tempo de garoto em Miracema, dos carros de boi e dos passarinhos. Mas a maior influência é de um sujeito chamado Luís Gonzaga. E ela não é de agora – da fase de justiça ao grande compositor – vem de muito antes. Por causa disso tudo, José Itamar levou um tempão para gravar um disco. Fitas e mais fitas foram recusadas pelas gravadoras. Em 1969 ele classificou uma música no Festival da Record. Foi recebido com a maior indiferença. Um representando do auditório o chamou de músico da roça. Alguns jurados a defenderam.

No mesmo ano ficou com outro quarto lugar no Festival de Música de Natal da TV Tupi. Era uma canção contra o Papai Noel. Finalmente, no ano passado, outra música ficou no balaio do Festival Internacional da Canção. Com esta houve uma coisa esquisita: estava na lista das classificadas, mas saiu, sem ninguém explicar a razão, para ser substituída pela música de Jorge Bem e da Vanderléia:

- Só gravei agora por causa do filme “Assim nem a Cama Aguenta”, de Vitor di Mello. Eu fiz a trilha sonora do filme e ela vai virar disco. São 14 músicas um pouco diferente das que estava acostumado a fazer. Tive que me prender à história do filme, mas acho que não fiz concessão. Foi mais uma abertura para outros temas e outros ritmos. Tem até duas músicas em inglês (o filme começa em Londres), embora muita gente diga que elas guardam uma conotação bem brasileira.

Destas 14 músicas, sete serão lançadas hoje. Serão cinco compactos de Tape-Car, gravados por cantores novos. No dia primeiro de julho sairá o Lp do filme e depois a coisa não vai mais parar. Já está pensando nas músicas do próximo filme do próprio Vitor di Mello e também em tirar da gaveta as antigas, onde fala na terra e dos problemas sociais. José Itamar está começando um curso de teoria musical e tudo se encaminha para a nova vida de compositor:

- Tudo agora depende de como as coisas vão evoluir. De repente virei profissional no sentido estatutário (tenho mais de seis músicas gravadas). Não vou dizer que espero um sucesso enorme porque isso depende de fatores imponderáveis. Quero, isso sim, fazer uma música coerente comigo mesmo (acabaram de me oferecer um bom dinheiro para fazer uma música sobre o “Seu Sete da Lira” e eu recusei). Se eu conseguir que as pessoas que eu respeito me aceitem como compositor e se conseguir que uma parcela do público também me aceite como compositor, não tenho dúvida nenhuma em partir para a música como o grande caminho da minha vida.

Dizem que José Itamar de Freitas está decepcionado com o jornalismo. Mas com todos os problemas para o profissional consciente, ele não se queixa da profissão. Contudo, seria capaz de largar tudo para viver da sua música. Mesmo sabendo os novos problema que terá pela frente.

- Todo músico quer entrar na máquina e é o maior hipócrita do mundo quem diz que não quer. O importante é sair da máquina fazendo o que se quer. Conheço muita gente que conseguiu isto. Caetano Veloso está aí. Chico Buarque também (Chico entrou na máquina, não entrou? E em “Roda Viva” o que ele fez? Gozou, agrediu a máquina). Sérgio Ricardo, ao contrário, não entrou e vive combatendo a máquina. Agora, tem um detalhe: as circunstâncias favorecem o não interesse da máquina em mim.

Os cantores que serão lançados hoje à noite, no Zum-zum, com as músicas de José Itamar de Freitas, atuam em faixas diferentes. Rosana, por exemplo, gravou as músicas mais difíceis (Mentalização e Sob Anúncios Luminosos) e vai ter de enfrentar uma parada dura para divulgá-las. Carlos Gomes ficou com as canções mais ligadas ao tema preferido, a terra. Ana Cristina canta as mais românticas.

Itamar gosta muito de falar de amor, não na base de “se você não voltar eu vou morrer”, mas sim do amor sofrido, maior. E Sônia Santos, cantora da Sucata, gravou as que podem cair mais rapidamente no gosto do público (Sacumé, que já está nas paradas de sucesso, e Boing 700 e quantos?).

Nota do Blog: o jornalismo entrou definitivamente na vida de José Itamar de Freitas em 1973, quando trabalhando na Rede Globo, passou a dirigir o programa do Fantástico, e assim foi por muitos anos. Também colaborou para o Jornal Nacional. É um nome muito respeitado dentro da emissora, mesmo já afastado de suas funções. Atualmente está aposentado e cuida de sua propriedade rural aqui em Miracema. Para aqueles que ainda não sabem, José Itamar é sobrinho de primeiro grau – por parte materna – dos irmãos Moreira.


segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

ELIS REGINA: A "PIMENTINHA" QUE EMOCIONOU O BRASIL

Gaúcha de Porto Alegre, onde nasceu em 17 de março de 1945, Elis Regina Carvalho Costa foi a voz e o melhor instrumento que os compositores do final dos anos 60 e da década de 70 tiveram.
As primorosas interpretações de Elis Regina em diversas músicas foram marcantes nesse período: Canção do Sal e Nas asas da Panair (Milton Nascimento); Madalena (Ivan Lins); Dois pra lá, dois pra cá, O Bêbado e a equilibrista, O caçador de esmeraldas (João Bosco e Aldir Blanc); Romaria (Renato Teixeira); Louvação, O compositor me disse (Gilberto Gil); Atrás da porta (Chico Buarque); Águas de março (Tom Jobim); Upa neguinho e Arrastão (Edu Lobo); Lapinha (Baden Powell) e muitos outros. Sobre Baden Powell, esse grande e saudoso músico nasceu em Varre-Sai, cidade fluminense próxima a Miracema.
Voltando ao assunto em questão – Elis Regina – ela estourou com grande sucesso em 1965, quando ganhou o I Festival de Música Popular Brasileira, na TV Excelsior. Depois, ganhou um programa, juntamente com Jair Rodrigues, “O fino da bossa”, na TV Record. Seus shows eram verdadeiros acontecimentos musicais.
Elis Regina vivia um bom momento de sua carreira artística, quando morreu na manhã de 19 de janeiro de 1982, na capital paulista, devido a uma parada cardíaca, provocada pela ingestão de doses de bebidas e drogas, fato esse que chocou todo o Brasil na época.

Ainda muito jovem, aos 36 anos, a música brasileira perdeu uma de suas maiores cantoras, de muita competência vocal e presença de palco, também apelidada de "Pimentinha". Deixou três filhos oriundos de dois casamentos, sendo uma mulher, a cantora Maria Rita.    

A FERROVIA EM PÁDUA E NO NOROESTE FLUMINENSE (1883) – POR JOÃO BAPTISTA FONSECA.


Em meados do século XIX a produção agrícola crescia. A população também. Os transportes existentes, primitivos e arcaicos, já não bastavam à região. Era necessário que os trilhos da estrada-de-ferro chegassem a Pádua.

O engenheiro inglês George Stephenson inventara a locomotiva, que foi posta em funcionamento no dia 25 de julho de 1814. A vulgarização desse meio de transporte usado, a princípio, só para fins comerciais e mais tarde, também para passageiros, deu-se depois que Stephenson aplicou à sua locomotiva o princípio do aquecimento tubular, inventado por outro engenheiro inglês, Mark Seguin. 

A locomotiva assim construída tomou o nome de Rocket, espalhou-se pela Europa e, depois, pelos demais continentes. A primeira estrada-de-ferro do mundo foi implantada igualmente por Stephenson, ligando Manchester a Liverpool, na Inglaterra. Limpa, vencendo distâncias com rapidez, a estrada-de-ferro difundiu-se no planeta. O Brasil precisava de igual melhoramento. O engenheiro Irineu Evangelista de Sousa construiu a primeira estrada de ferro brasileira sendo também a primeira da América do Sul. Foi inaugurada em 1850, ligando a capital do país, Rio de Janeiro, à cidade serrana de Petrópolis. Foi criada nessa época, a Companhia de Estrada de Ferro a qual D. Pedro II, Imperador o deu o nome de Leopoldina, em homenagem à sua mãe, a Imperatriz Maria Leopoldina, esposa de D. Pedro I.
 
Por este feito o engenheiro recebeu das mãos do Imperador o título de Barão de Mauá e, mais tarde, o de Visconde, passando, assim, a ser conhecido como Visconde de Mauá.


O Barão de Mauá projetou e construiu ainda as duas primeiras estradas de ferro do Nordeste, ligando o rio São Francisco - grande escoadouro da produção dos Estados de Pernambuco e Bahia - às suas respectivas capitais. Recife e Salvador. Eram as regiões ricas do Ciclo do Açúcar e do Ciclo cacau e mais, construiu também as três primeiras estradas de ferro que transpuseram a Serra do Mar, além da ligação do Rio a Petrópolis, ligou também o Rio de Janeiro a Friburgo, e São Paulo a Santos. As máquinas locomotivas, como todo o material usado, eram importados da Inglaterra que mantinha o trust.

A estrada de ferro ramificou-se, ampliando-se. De Friburgo um ramal foi levado a São Fidélis, porto do rio Paraíba do Sul, por onde se escoava a produção agrícola do norte e noroeste do Estado do Rio de Janeiro. São Fidé
lis foi, portanto, a primeira cidade do Noroeste a receber os trilhos, só que na outra margem do rio, fora da cidade. A estação chamou-se Luca, em homenagem a Frei Ângelo Maria de Luca, o fundador da cidade de São Fidélis junto com o Frei Vitório de Cambiasca.
 
Mais tarde, uma companhia inglesa conseguiu a concessão das linhas férreas dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Não mudou o nome da companhia. Apenas acrescentou a palavra Railway que quer dizer caminho reto, isto é, estrada-de-ferro. Assim, passou a se chamar Estrada-de-Ferro Leopoldina Railway.

Se esse melhoramento tão grande já estava em São Fidélis, sem dúvida deveria chegar a Pádua. Paduanos de projeção social, econômica e política uniram-se e resolveram o problema. Seria criado um ramal férreo que se ligaria ao de São Fidélis e, por esse, já ligado à ferrovia, em Friburgo, se chegaria ao Rio de Janeiro, a capital do país.

Para tanto, fundou-se a Companhia de Estrada de Ferro de Santo Antônio de Pádua e, eleito seu presidente, o Tenente-Coronel Joaquim de Araújo Padilha, fazendeiro e político que, por intermédio de um sobrinho, advogado no Rio, conseguiu, em 1876, a concessão para a implantação do ramal. O engenheiro Vieira Braga ficou com a responsabilidade de traçar e executar o projeto.

A companhia foi organizada com o capital de 300 contos de réis, integrado por ações de 200 mil réis. O interesse dos proprietários e dos locais por onde a estrada-de-ferro passaria foi grande e diversos fazendeiros daquelas localidades também colaboraram.

Em Pádua, entre muitos, encontravam-se os Barros, o Visconde Figueira, a família Leite, Mathias Ney (meu avô), os Schimit, os Olivier e outros. Havia também grande número de acionistas de Cambuci, Monte Verde, São Fidélis e Itaocara, naquele tempo denominada, ainda, São José de Leonissa da Aldeia da Pedra.

A ferrovia teria início no município de São Fidélis onde se construíra a primeira estação, Luca. Esta ferrovia foi implantada pelo Barão de Nova Friburgo sob contrato feito com a Diretoria de Obras Públicas da Província, assinado em 17 de janeiro de 1880, ligando São Fidélis a Friburgo. O traçado original da ferrovia para Pádua seguiria pela margem esquerda dos rios Paraíba e Pomba, terminando em Miracema, sem cortar o leito do Pomba. Só em Luca seria feita a travessia da mercadoria, através de barca.

Por imposição de alguns fazendeiros, acionistas da margem direita, entre eles os Leite, os Parreira, os Melo, Mathias Ney, Olivier e outros com grande produção em suas fazendas, o traçado foi modificado fazendo-se uma ponte de ferro em Funil, arraial próximo de Aperibé, que atravessaria o rio Pomba, passando, assim, os trilhos para a margem direita. Ao chegar a Paraoquena, na época denominado Barra do Pomba, novamente teria de voltar para a outra margem, a fim de chegar a Miracema, ponto final da linha férrea. Além disso deveriam ser construídas duas pontes de madeira, uma dentro da cidade, em Pádua e outra na localidade de Baltazar. 

À proporção que a estrada ficava pronta até determinado local, a estação era construída e o trem corria nos trilhos, mas as pontes, feitas de ferro, atrasaram e oneraram a construção da estrada. Além disso a burocracia também contribuiu para os atrasos. A ponte de Paraoquena ficou pronta bem antes e ficou esperando até o dia 8 de agosto de 1883, quando a Diretoria de Obras Públicas da Província recebeu, afinal, a autorização para transpor o Pomba, e só então o tráfego ficou aberto até Miracema, distrito de Pádua, ponto final da linha. Na inauguração, em Miracema, no dia 10 de agosto de 1883, houve uma grande festa. O trem chegou apitando e com o sino batendo debaixo de fogos e aplausos. O povo todo na rua comemorava a chegada do grande progresso. O Dr. Francisco Antunes Ferreira da Luz, médico respeitado e político de prestígio em Pádua, fez o discurso inaugural.


Ao passar por Pádua, apitando e batendo o sino, o trem fez uma parada na estação, construída em terreno, da Fazenda Santa Afra, doado por Mathias Ney. O povo, esperando-o com ansiedade, saudou-o com palavras, fogos e banda de música. Inesperadas circunstâncias, levaram a Companhia Estrada-de-Ferro de Santo Antônio de Pádua a não terminar a obra por ela idealizada e iniciada 10 anos antes. Por vários motivos, foi encampada pela Companhia Macaé & Campos, que a terminou. As primeiras locomotivas eram pequenas. Depois veio uma maior, a Rocket, denominada pelo povo de maria-fumaça. Por ter a estrada desviada do seu primeiro traçado, que seria todo à margem esquerda do rio Pomba, prejudicando, assim, muitos dos fazendeiros daquela margem, a companhia assumiu o compromisso de construir as duas pontes, uma dentro da cidade de Pádua e a outra no distrito de Baltazar.

Assim foi como Pádua ganhou a sua primeira ponte de madeira dentro da cidade, facilitando, dessa forma, o acesso do povo e das mercadorias da margem esquerda à estação, construída na margem direita. Depois de pronta, a companhia entregou à Diretoria de Obras Públicas da Província do Rio de Janeiro que a passou à Câmara Municipal, em ofício datado de 9 de janeiro de 1884.
 
A ferrovia, de bitola estreita, da estação de Luca, em terras de São Fidélis onde teve início, até o ponto final, em Miracema, media 92 quilômetros de extensão e muitos benefícios trouxe ao noroeste do Estado do Rio de Janeiro.
 
Antes disso, havia muitas dificuldades nas viagens. Quem quisesse ou precisasse viajar para o Rio de Janeiro tinha duas alternativas. A primeira, Estrada de-Ferro D. Pedro II, que havia chegado a Além Paraíba. Minas, em 1871. Mas tarde, Palma e Pirapetinga, também em Minas, receberam seus trens. Portanto o viajante teria de ir, então, a cavalo a uma dessas localidades onde pegaria o trem. 
 
A segunda, que seria por Campos, teria de enfrentar baldeações e travessias de balsa ou canoa sobre o Rio Paraíba do Sul. Campos só teve ligação direta com Niterói 17 anos depois, em 1888. Dormia-se em Campos e, no dia seguinte, seguia-se para Niterói ou Rio, de trem. Dois dias de viagem, de Pádua ao Rio.

Em Itaocara o trem chegou em 1885. A viagem também levava dois dias, pernoite e baldeações, andando-se de trole ou a cavalo até chegar a Itaocara a margem direita, atravessando-se o rio Paraíba de balsa ou canoa. As viagens melhoraram quando foi inaugurada a estação de Portela em 12 março de 1890, construída pela concessionária Macaé & Campos. Saía-se de Pádua de trem às 6 e 15 da manhã, chegava-se à estação de Três Irmãos atravessava-se o Rio Paraíba do Sul em canoa ou balsa e tomava-se de novo o trem na estação de Portela, seguindo-se até Friburgo, onde se almoçava. Descia-se a Serra dos Órgãos, chegando-se ao Rio de Janeiro às 7 das da noite. Foi um avanço extraordinário e a viagem, embora levasse o dia inteiro, ficou mais suave. Fiz o percurso até Friburgo, ainda menina com minha mãe, algumas vezes. Íamos visitar Maria, minha irmã mais velha, que lá estudava - Colégio Nossa Senhora das Dores, das Irmãs Dorotéias. 

Em 30 de julho de 1890 chegou a Campos o engenheiro Dr. Joseph Lynch com pessoal técnico e os subempreiteiros que construiriam as linhas férreas de ligação da Companhia Leopoldina, entre Campos, no Estado do Rio, e Itapiruçu, no Estado de Minas Gerais. Assim, os dois estados ficariam ligados. Itapiruçu um distrito pertencente ao Município de Palma, já tinha trem que vinha de Belo Horizonte, passava por Palma, dirigia-se a Três Rios, onde atravessava o rio Paraíba do Sul em ponte de ferro, chegando a Petrópolis, descendo a Serra da Estrela, alcançando a capital federal, o Rio de Janeiro.
 
Assim, Pádua ligou-se ao Rio por dois caminhos que se uniram às duas primeiras linhas férreas feitas pelo Barão de Mauá, a de Petrópolis e a de Friburgo.

A ferrovia de Campos a Itapiruçu teve na região, em São Fidélis, a primeira ponte férrea sobre o rio Paraíba, medindo 430 metros de extensão e ligando as duas margens do rio Paraíba, alcançando, então, o total de 70 quilômetros de trilhos. Em 25 de agosto de 1891, às três horas da tarde, o povo teve a felicidade de assistir à passagem do primeiro trem sobre a ponte, ligando a estação de luca à margem direita do Paraíba, à cidade de São Fidélis, à margem esquerda. Foi uma vitória espetacular e uma imensa alegria para todos, celebrada com grandes festejos, já que o rio Paraíba do Sul era a grande barreira entre o norte e o sul do Estado do Rio de Janeiro.

O ramal ligando São Fidélis a Campos ficou pronto dois anos mais tarde, em 1892. A viagem, embora longa, por fazer um grande percurso, indo a Campos para, só depois, descer para o Rio de Janeiro, melhorou consideravelmente por não se fazer baldeação e não se atravessar o rio Paraíba de balsa ou de canoa. Mesmo assim, muitos passageiros naquela época, preferiam passar por Friburgo, via Portela, atravessando o Paraíba de canoa ou de balsa para chegar mais cedo, à capital do Estado, Niterói, ou à capital federal, Rio de Janeiro. Só no ano seguinte, 1893, Paraoquena se ligou a Itapiruçu, completando o percurso traçado.


A estrada de ferro avançava e em 1895, Bom Jesus do Itabapoana foi ligada a Três Irmãos com 66 quilômetros de trilhos. Assim, a Província do Rio de Janeiro, depois Estado do Rio de Janeiro, foi-se interligando graças à ferrovia, facilitando o transporte não só de passageiros como de mercadorias provenientes dos grandes centros para o interior, bem como de toda a produção agrícola da região para os grandes centros.

A nova estação da Estrada de Ferro Leopoldina Raílway, feita em terreno doado por João Xavier Rodrigues, pai de Edvaldo Xavier, o Dodô, foi construída na década de 1930 pela firma inglesa H. Glaizer, de Friburgo, a mesma que, mais tarde, construiria o Hospital Manoel Ferreira, em Pádua. 

A estrada de ferro — implantada pelos ingleses em todo o país — trouxe para o Brasil na ocasião, um grande progresso. As regiões norte e noroeste do Estado do Rio de Janeiro evoluíram muito, fazendo a produção agrícola aumentar, a população crescer e o comércio tomar grande impulso! 

Os ingleses mantiveram o contrato da Estrada-de-Ferro Leopoldina Railway até a década de 1930 ou princípio da de 1940, no governo do Presidente Getúlio Dorneles Vargas. 


Estava-se no século XX, tudo modernizava-se no mundo e o Brasil precisava atualizar-se. Getúlio deu o direito de voto à mulher; criou o salário mínimo; nacionalizou o subsolo e, em consequência, o petróleo; fez a lei trabalhista; implantou a indústria do aço com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional; montou a Fábrica Nacional de Motores, (F.N.M.); e agiu em mais outros setores. Ótimas atitudes e ações! As leis trabalhistas, feitas nesse governo, embora justas e necessárias, por um lado beneficiaram e, por outro, sacrificaram vários setores como o ferroviário, por exemplo, porque enquanto os ingleses mantiveram a concessão da estrada, tudo correu muito bem: os horários de saída e chegada dos trens eram cumpridos; as mercadorias não desviavam, chegando intactas; o passageiro era bem servido e atendido. Havia o trem noturno com leito para as viagens mais longas e o trem especial para os presidentes da República e dos estados. Esse trem tinha os bancos estofados de veludo, cortinas de cetim nas janelas, sala de despacho, sala das secretárias — que anotavam tudo que acontecia na viagem — salão de refeições etc. Enfim, tudo era de primeira qualidade, tanto o transporte quanto o serviço. Ao passar para o governo brasileiro tudo mudou. Os horários não eram cumpridos, as mercadorias extraviavam ou minguavam, denotando roubo, e os funcionários faziam greve, parando os trens em qualquer lugar. A população foi, aos poucos, perdendo a confiança no transporte ferroviário, que acabou sem credibilidade.
 
Darei um exemplo. Viajávamos com frequência - não só nós, mas boa parte da população — e tudo sempre se repetia como dessa vez, que passo a narrar. Só que essa foi uma viagem especial, marcando de forma indelével a nossa mente. Casei-me na manhã de 17 de junho de 1944. Os casais, na época passavam a lua-de-mel no Rio de Janeiro. Desde 1942 o Brasil entrara na Segunda Guerra Mundial juntando-se aos Aliados contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). 

Havia racionamento de muitos produtos, inclusive gasolina. Um de meus cunhados tinha um carro adaptado para gasogênio (gás produzido a partir carvão). Teríamos que ir de carro para Itaocara ou Palma onde tomaríamos o trem. Preferimos Palma. Por essa época Itaocara já ganhara, (1936), a sua bela ponte ligando as margens do rio Paraíba do Sul. Embarcamos em Palma às 8 horas da manhã. O horário previsto de chegada a estação Barão de Mauá, no Rio de Janeiro, era às 19 horas, mas só chegamos 1 hora da madrugada. Razão do atraso de 6 horas: os maquinistas e os funcionários que trabalhavam no trem tinham direito, pela Lei Trabalhista, de receber em dobro as horas de atraso. Em cada caixa d'água que o trem parava para abastecer-se, ali ficava parado uma hora ou mais, sem ter acontecido nada, absolutamente nada! Às vezes ficavam mesmo estacionados em alguma parada ou estação. Assim procediam os brasileiros. E nada era feito não havendo nenhuma punição para um descalabro desses, num acinte total à que necessitava desse transporte. A lei beneficiava a ineficiência e a malandragem e não punia os erros, nem tampouco estimulava a honestidade. Assim constatava-se como procediam alguns brasileiros, mostrando-se ineficientes e incapazes substituindo os competentes ingleses. Pela falta de caráter de uns poucos, os empregados do governo, todos os usuários - que os sustentavam por serem contribuintes - além de pagarem as passagens, padeciam. A lei era justa mas provocava resultado injusto, como sempre aconteceu, e ainda acontece em nosso país. Esse, além de outros fatores, evidentemente, contribuiu para o fracasso da ferrovia no Brasil.

Trecho extraído do livro “A Casa da Águia” de autoria da historiadora Rita Amélia Serrão Piccinini.




quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

BEBETO ALVIM: O PASSARINHO VOOU E NÃO VOLTOU...



LUÍS ALBERTO DA MOTA ALVIM nasceu em Miracema no dia em 2 de abril de 1952. Filho de Juscelino da Motta Couto Filho e Neusa Alvim Couto cresceu como Bebeto e ganhou a alcunha de “Passarinho” em Campos. Cursou do Primário até o Segundo Grau (Técnico em Contabilidade) em sua cidade natal. De quatorze aos dezoito anos, trabalhou em Gráfica. Posteriormente, passou a exercer a função de Escriturário na Secretaria do Hospital de Miracema. Aos vinte e três anos, ingressou no Banerj, de onde saiu aos vinte e cinco, para o Banco do Brasil.

Permaneceu no Banco do Brasil por vinte e dois anos, aposentando-se, aos 47 anos. Resolveu permanecer em Campos, para estar junto de seus quatro filhos que por lá constituíram suas famílias. O início de seu vínculo com Campos dos Goytacazes deu-se em 1984, com a intenção de ficar mais perto de Miracema, de seus parentes e amigos de infância. Assim, nunca passou mais de três meses sem visita-los. Antes de se ajeitar em Campos, Bebeto trabalhou – a serviço do BB – nas cidades mineiras de Varginha, no Sul do estado, e Almenara, no Vale do Jequitinhonha, já próxima do estado da Bahia.

O litoral foi seu destino para morar em paz, utilizar o conhecimento adquirido ao longo de sua vida e fugir das mazelas da cidade grande. Escolheu Atafona, em São João da Barra, cidade próxima a Campos. Três anos após se aposentar, resolveu voltar aos bancos escolares, em curso superior na área de Agronomia (Ciências Agronômicas), terminando o mesmo aos 53 anos.

Irreverente, de espírito extraordinário, sempre se mostrou participativo nos movimentos socioculturais de Miracema (o Festival da Canção era um deles) e, mais tarde, por onde andou. Nas mesas dos bares, sempre participativo e até engraçado como contador de “causos”, qualidades que muitos consideravam ser produto de sua empatia. Era presença sempre esperada.

Um fato curioso de sua história com a cidade campista é no lado esportivo. O Fluminense era o seu time de coração até chegar à planície. Depois disso, o crescente interesse pelo Goytacaz ocupou um espaço de proporções inimagináveis no coração e na vida pessoal de Bebeto. Junto com seu grupo de amigos fundou a “Torcida Desorganizada”, que marcava presença em todos os jogos ao lado do alambrado, abaixo das sociais do estádio Ary de Oliveira e Souza, em um local estrategicamente escolhido: em frente ao bar. E virou uma grande festa durante anos nos jogos no Arysão. 

Iniciou sua carreira literária com um livreto sobre a rejeição à modernização do Centro Histórico de Miracema, “MIRACEMA – ASFALTAMENTO DO CENTRO HISTÓRICO – CRÔNICAS DE REJEIÇÃO”, cujo trabalho foi divulgado em seu Blog Moinho de Paz, em 2009. Deu seguimento com o livro “UM PASSARINHO ME CONTOU – MEMÓRIAS DE BOTEQUIM”, sobre suas andanças em locais de convivência, principalmente em bares e afins. 

Passando por um período em que conviveu a insônia, sua companheira desde muito novo, resolveu passar o tempo escrevendo textos que surgiam em suas divagações, contadas no livro “SENSAÇÕES NOTURNAS – MOMENTOS DE INSÔNIA”. A quarta publicação, “SENTIMENTOS AO LÉU”, foi constituída de textos mais leves, mais presentes ao cotidiano e com um grau de otimismo. 

Com uma tempestade de ideias, palavras e textos surgiram dando origem a mais dois livros: “MINHAS SUTÍS VIAJADAS” e “FANTASMAS, TABUS E DESEJOS”. Toda a composição, diagramação, impressão e acabamento dos livros foram feitas pelo próprio autor. 

Durante o tempo em que morou sozinho, na praia, nunca se considerou um solitário. O retiro foi uma opção de busca da tão sonhada liberdade. A exclusividade era forma de garantir e até aprimorar o intelecto. 

Esse era o Passarinho, um cara autêntico, de fortes convicções e de uma inteligência acima da média. Conseguiu driblar uma úlcera, que tirou de letra. Mas, o fígado, combalido aos poucos, minou com suas forças e o “Passarinho” voou e não voltou para o seu ninho, aos 64 anos, em 10 de novembro de 2016, deixando uma lacuna difícil de ser preenchida para todos aqueles que tiveram o privilégio de sua amizade e o conheceram mais de perto. Além de um amigo de muitos anos, foi meu padrinho de casamento. A saudade será eterna e a presença não poderá mais ser sentida, mas as lembranças dos bons momentos vividos são um ótimo conforto, que permanecerão para sempre conosco. 

O Passarinho adormeceu... A praia de Atafona, já tão castigada pela força da natureza - que por muitas vezes foi sua fonte de inspiração para os poemas - o mar encontra-se ainda mais revolto pela sua ausência física a contemplá-lo. Como explicar que um de seus maiores admiradores não mais estará no fim de tarde para ver aquele lindo pôr do sol. Não tem como explicar!

Assim ele descreveu o mar em um de seus livros:


VER O MAR
O mar está sempre lá!
Isso é ótimo!
Em vim pra Atafona, por... por... ora, em vim pra Atafona!
Fugir do Mundão e me encontrar
Olhar o Mar, imaginar sua imensidão e sentir mais vezes comigo. Conversar mais comigo.
Viver na Natureza e respirar o ar ainda puro e o Amor também assim... imenso,
O mar está sempre lá!
Afinal, se me decidi morar num balneário, é pra ver o mar.
Eu o faço quase diariamente. Se nada obstar.
O carro de frente para o mar, o rádio e a música, as ‘cruzadas’.
Rigor da intromissão, pecado permitido.
Ante a suavidade e a sublimidade do Paraíso.
O mar está sempre lá!
Nada de nado, surfe ou jacaré
Melhor sentar-se à sombra
Fechar os olhos e abrir a mente
Deixar a inspiração flutuar
Como é grande a vontade de viver!