sexta-feira, 24 de novembro de 2023

JOÃO AVELINO: O 71

 


Folclórico, de personalidade forte, o ex-técnico JOÃO AVELINO Gomes - mais conhecido por 71 - teve passagem como treinador em quase trinta times entre os anos 50 até o início dos anos 90. Era o auxiliar técnico de Oswaldo Brandão no título paulista de 1977, pelo Corinthians. Entrou para a história como um dos mais folclóricos treinadores do futebol brasileiro. Tinha uma ligação sentimental com a cidade paulista de São José do Rio Preto, onde comandou por mais de uma vez os rivais América e o Rio Preto.


João Avelino ganhou notoriedade no futebol paulista, trabalhando em diversas equipes do interior do estado. Também foi técnico do Corinthians, Palmeiras, Portuguesa de Desportos, Paysandu, entre outros times.


Mineiro de Diamantina, onde nasceu em 10 de novembro de 1929, seu último trabalho, antes de ter a doença diagnosticada, foi em um projeto da prefeitura de São Paulo para crianças carentes, no centro olímpico do Ibirapuera. No ano de 2000, quase dois anos após sua aposentadoria, João Avelino começou a apresentar sinais evidentes do Mal de Alzheimer, doença essa que, seis anos depois, causou seu falecimento, aos 77 anos, em 24 de novembro de 2006, na capital paulista.


Ainda com 22 anos, João Avelino cursara o SENAI, sendo que seu número de inscrição era o 71. Depois disso, o número acabou se transformando em um carinhoso apelido, com o qual João Avelino ficou conhecido durante toda sua vida, inclusive no futebol.

domingo, 12 de novembro de 2023

SAUDADES DE JAGUARÉ - POR MÁRIO FILHO

 



Nota: Mário Filho foi um jornalista, cronista esportivo e escritor. Era irmão do também jornalista e escritor Nelson Rodrigues. É considerado por especialistas o maior jornalista esportivo que o Brasil já teve. Crônica publicada em sua coluna semanal da revista Manchete Esportiva, em 15/02/1958.


Quando a gente pensa num quiper para o escrete brasileiro chega a ter saudades de Jaguaré. Não foi o maior arqueiro do Brasil: Amado era melhor do que ele e também não tremia. Mas Amado, quando era o maior mesmo, de quando em quando largava o futebol. Não é que estivesse saturado, é que sempre tinha um quiper na reserva a quem queria dar uma oportunidade. Quase que fez uma escola de goleiros. Ou um viveiro de goleiros, que talvez fosse melhor chamar de viveiro a criação de goleiros cultivada, carinhosamente, por Amado. O Flamengo, porém, não se conformava com esses caprichos de Amado. Por isso quando Amado acabou, acabou-se o viveiro, e não sobrou um quiper.

 

Jaguaré era de outro tipo. Aparentemente não queria nem jogar. Dava a impressão de um malandro. Jogava com um gorro, de marinheiro, caído para um lado, e a camisa saindo do calção. Se não lhe tirassem um palito da boca entraria em campo assim mesmo, como se tivesse acabado de almoçar. Para ele o palito na boca era um sinal de elegância. Viera da Saúde, de um clube que se tornou famoso, o Pereira Passos. Na Saúde andava de tamancos, não sei se de lenço ao pescoço. Quando entrou para o Vasco largou a Estiva. Era carregador de saco de farinha do Moinho Fluminense. Mas o sonho dele era não fazer nada.

 

Tornara-se quiper porque um dia, ainda garoto, sentara-se no meio-fio, cansado de correr como louco na extrema esquerda. Do meio-fio, ainda botando a alma pela boca, Jaguaré ficou olhando o jogo. Então ele viu que exceto dois jogadores, os goleiros, os outros todos corriam de um lado para o outro, não paravam, se matando em campo, que era o meio da rua, mas que era como se fosse campo, porque no campo era a mesma coisa. Todos os jogadores, foi a conclusão de Jaguaré, eram trouxas, ou otários – a palavra “otário” já aparecia em tangos argentinos – todos eram bobos menos os goleiros que ficavam parados entre dois paralelepípedos, à espera de uma bola.

 

Naquele momento se decidiu a carreira de Jaguaré. Foi assim que ele se tornou quiper, embora não fosse outra coisa. Não tinha nada de extrema-esquerda. Naquele tempo, lá se vão mais de trinta anos, um extrema-esquerda tinha que ser um tico de gente. E Jaguaré era alto, mais de um metro e oitenta. Se não desse para quiper podia dar para beque ou centroavante, porque tinha um chute que só vendo. O chute dele era tão forte que atravessava a arquibancada do Vasco, de trinta metros de altura. Somente dois outros jogadores fizeram o mesmo: Espanhol, que viera do Pereira Passos, como Jaguaré, e Pereira Peixoto, que foi melhor como juiz.

 

Foi por causa de chute, de fura rede, que, jogando no Olimpique de Marselha, depois de engolir um gol, Jaguaré foi para o ataque. Trocou de roupa com o centroavante, ninguém compreendendo direito o que estava acontecendo, foi para frente, pegou uma bola e fuzilou o quiper do outro time. Feito o gol, trocou de novo a roupa, ficou outra vez, já sossegado, debaixo dos três paus. Depois explicou aos jornalistas atônitos que na terra dele era assim. Quando um quiper brasileiro engolia um gol tinha de lavar a honra fazendo um gol do outro lado.  

 

Naturalmente o Olimpique de Marselha, embora encantado com o gol de Jaguaré, que foi a sensação da tarde, avisou-o que não podia mais fazer isso. Jaguaré ainda perguntou pela honra dele, pela honra do quiper. Responderam-lhe que ele não estava no Brasil, que ele estava na França e que na França a honra do quiper tinha que ser defendida era no gol. Jaguaré se conformou e nunca mais se meteu a trocar de camisa com o centroavante do Olimpique. Continuou fazendo outras coisas, que fazia no Brasil e que na França provocavam verdadeiros escândalos, como rodar a bola na ponta do dedo, depois de uma defesa.

 

Foi uma mania que nunca perdeu. O futebol, para ele, só tinha graça por causa dessas coisas. Mas em Londres, quando o Olimpique foi lá, ele teve o grande choque da vida dele. Pegou uma bola, o centroavante inglês foi para cima dele, ele passou a bola por cima da cabeça do inglês, de uma das mãos para outra. O atacante inglês ficou estatelado, mas o juiz, também inglês, parou o jogo e mandou o capitão do time francês avisar Jaguaré: se ele fizesse outra, igual ou parecida, estava fora de campo. Nasceu aí a grande admiração de Jaguaré pelo futebol inglês.

 

Aqui todo mundo ria quando Jaguaré defendia a bola e a jogava na cabeça do atacante que vinha para cima dele para pegá-la de novo. Quando dava certo, e quase sempre dava certo, era uma gargalhada que fazia tremer o estádio. Jaguaré era uma espécie de palhaço do futebol. Parecia que jogava para divertir os outros. Na verdade nem jogava para se divertir, embora se divertisse às vezes. Tinha-se a impressão de que ele, mesmo vindo da Saúde, era um blasé do futebol, que procurava inventar emoções novas para não sucumbir de tédio em meio a uma partida.

 

Se não jogasse futebol tinha de carregar de novo sacos de farinha no Moinho Fluminense. Mas ele gostava do futebol. Chamava a bola de bichinha. Segurava-a nas pontas dos dedos com um carinho de amante, como se não quisesse machucá-la. A bola saía deformada dos pés de um tijoleiro e nas mãos de Jaguaré encontrava a paz num simples toque. Nunca vi ninguém que pegasse uma bola com mais leveza, como se ela fosse um biscuit, ou um filho recém-nascido. Era o Dengoso, o Jaguaré. Mas andou enganando todo mundo. Tanto que Welfare quase levou uma facada dele porque um dia escalou Waldemar Chuca-Chuca no gol.

 

Welfare achava, como todo mundo, que Jaguaré só jogava porque não havia outro jeito. E Jaguaré, no fundo, queria era jogar e dava a vida para jogar. E não admitia outro quiper no Vasco. Bastava aparecer um pretendente ao gol do Vasco, Jaguaré fazia-se de amigo dele, levava-o para treinar, mandava-o para debaixo dos três paus e enchia o pé e para cima do novato. Eram chutes de matar. No dia seguinte o pretendente ao gol do Vasco não aparecia mais, que não era louco. E Jaguaré passava uns tempos livres de preocupações, o lugar era dele e de mais ninguém.  

 

Pode-se dizer que era um irresponsável. Mas dessa irresponsabilidade que não acredita em perigo de espécie alguma, boa para um jogador de escrete. O mal do jogador brasileiro tem sido o de tremer, o de não agüentar a responsabilidade na hora da decisão. O jogador brasileiro pensa no Brasil, nos sessenta milhões de brasileiros e treme: Jaguaré não pensava não pensava nem no jogo até a hora de entrar em campo. No célebre Vasco x América, a última da melhor de três em 1929, os jogadores do Vasco e América estavam que nem pilhas. Fausto parecia uma fera enjaulada, de um lado para o outro. Enquanto isso, na mesa de massagens, Jaguaré ressonava, roncava, como se nem fosse haver o jogo.  

 

 

sábado, 4 de novembro de 2023

O FIM DA GERAL NO MARACANÃ

 


Nota: crônica publicada no jornal O Globo, em 04 de abril de 2005, com redação de Felippe Awi e fotos de Jorge William. Na véspera, o Fluminense derrotou o Flamengo por 4 a 1, conquistando a Taça Rio e o direito de disputar a final do Campeonato Carioca, contra o Volta Redonda, vencedor da Taça Guanabara.

 

Angustiados, porém de pé, na hora da despedida. Geraldinos folclóricos assistem ali ao último clássico no Maracanã. A área ganhará cadeiras após o Estadual.   

 

A torcida ainda comemora o segundo gol do Fluminense quando quatro bombeiros surgem do meio da multidão carregando na maca uma senhora inconsciente. Sua aparência é frágil, apesar de estar vestida com uma roupa de super-herói. Em meio à alegria tricolor, as pessoas a acompanham com fisionomia tensa, mas geraldino que é geraldino já viu esta cena outras vezes. Trata-se de Maria de Lourdes da Silva, 63 anos, conhecida na geral do Maracanã como a Vovó Tricolor. Ali naquela maca sua pressão está a 18 por 10.

- A emoção de ver o Fluminense aqui na geral é muito grande. Meus filhos e netos ficam preocupados porque já cansei de passar mal. Aí entro na ambulância, vou ao posto médico e depois volto para o jogo – contava ela pouco antes de a bola rolar

 

Foi o último clássico em que Maria de Lourdes cumpriu esta rotina. Depois dos dois jogos da final do Estadual, a área mais popular do Maracanã será extinta para que sejam instaladas cadeiras. Ficará apenas a lembrança dos personagens que a geral criou.

A geral era diferente quando a Vovó Tricolor começou a freqüentá-la há 25 anos. As torcidas se misturavam e mal havia espaço em decisões como a de ontem. Anos de violência, arrastões e até uma certa promoção que deixou a área três vezes mais cara que a arquibancada serviram para deixá-la menos cheia. O charme, porém, não se perdeu.

Que o digam os geraldinos fiéis que estiveram lá ontem. Havia o gorila, o cabelo duro, o homem que chora. Mas havia também famílias sem fantasias e com filhos, levadas por uma constatação: a geral tornou-se mais segura que a arquibancada. Apenas 12 policiais e 12 cães cuidam da área.

- Há mais de um ano não vejo briga por aqui. Aqui não tem torcida organizada – lembra o sargento Lenildo, responsável pela geral.

 


O geraldino moderno vai até lá para ver e ser visto. Como as transmissões de TV valorizam cada vez mais as figuras exóticas, vale tudo para aparecer. O rubro-negro Aquino de Lima levou a sério o ditado e chegou a botar uma melancia na cabeça. Outros fazem propaganda, mas a maioria aderiu aos cartazes com textos engraçados, de incentivo aos times ou com recados para a TV Globo. Ontem, as campeãs foram as mensagens para o Papa, mas houve quem se lembrasse que, daqui a uma semana, não tem mais nada disso: “Adeus geral. O meu amor por você será eterno”.

- O geraldino tem o privilégio de participar da festa – diz o autor do cartaz, o contador tricolor Celso Lima.

 

Participa mesmo. Onde mais o torcedor pode xingar e ser ouvido pelo xingado? Há outros gritos curiosos:

- Ô, repórter! Deixa o Junior descer logo para o vestiário. Ele precisa descansar.

 

A velha guarda da geral já está saudosa de tudo isso. Há 30 anos por ali, Samuca se lembra do dia em que ajudou o ladrilheiro a pular o gramado e ajudar o Flamengo a ser campeão em 1981. Ontem, ele estava de terno e gravata, com uma máscara do presidente Lula.

- Vim assim para pedir ao Chiquinho de Carvalho (presidente da Suderj) para não acabar com geral. Eles têm de ouvir um pedido do presidente.

- Se acabarem com a geral, vou entrar com uma liminar – arrisca o rubro-negro Sidney Alves, que andava de bicicleta por ali até ter o brinquedo confiscado pela polícia.


Chiquinho conta que já ouviu vários pedidos como estes. A eles, responde que o Maracanã deve seguir as normas da FIFA, que obriga todos os torcedores a verem o jogo sentado. Os geraldinos preferem assistir a tudo de pé, com placas publicitárias atrapalhando a visão e com boas possibilidades de levar um copo de urina na cabeça. Ninguém sabe como vai ser daqui para frente, como resumiu o tricolor Gilberto Pereira.

- Não sei se vou me acostumar àquele grito da arquibancada: “Senta! Senta!”.

 

 

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

SERÁ QUE NUNCA MAIS TEREMOS PAZ NO FUTEBOL?


Entra ano, sai ano, e tudo continua na mesma...

O nosso futebol, dentro de campo, já não anda bem das pernas faz algum tempo, mas a violência das torcidas cresce em escala e proporções inimagináveis. Os marginais, pois não podemos chamar de torcedores, provocam arruaças e crimes, não só matando os adversários – que deveriam ser rivais somente dentro das quatro linhas – mas destruindo tudo que encontram pela frente. Por que tamanha dificuldade do ser humano em aceitar e respeitar uma opinião, uma escolha, ou um caminho diferente de outra pessoa?

Matar no Brasil, não só no futebol, é corriqueiro e está virando uma coisa normal, pois a impunidade é quase certa e isso acaba estimulando a violência, que se encontra instalada dentro e fora de nossas casas. No Brasil se mata por qualquer coisa. O futebol é mais um segmento na triste estatística de crimes que ficam impunes. Os senhores “dirigentes” têm uma parcela de culpa muito grande nessa questão, pois diversos deles, até para se perpetuarem no poder, subsidiam grande parte das torcidas organizadas. Aí você, meu amigo leitor, pergunta: organizadas? Sim, respondo. Organizadas para grupos de facções criminosas.  

Vivemos a mais profunda crise moral e ética no Brasil, em meio à falência das instituições. E o resultado de tudo isso está em nosso dia a dia, em que a sociedade é o reflexo de tudo.  O que nos resta é uma profunda reflexão. A mudança está em cada um de nós! Nunca é demais repetir que a FAMÍLIA é o berço e a primeira escola do ser humano.

Algo precisa ser feito para que se torne viável sair de casa com a família para assistir a uma partida de futebol ou outro qualquer tipo de diversão.