sexta-feira, 29 de maio de 2020

A AVENTURA DO CRAQUE ANDRADE NA VENEZUELA E SUA TRAJETÓRIA VITORIOSA NO FLAMENGO



Março de 1977. Certo que, no final do ano, teria vez entre os profissionais, o juvenil Andrade acabou sofrendo forte decepção – de capitão do time do Flamengo, passou a reserva e, em seguida, a reserva da reserva. Tudo porque não aceitara uma ordem do técnico Américo Faria:
- Ele queria me ver fixo, quase imóvel na frente dos zagueiros.
Andrade foi barrado depois de dois anos como titular. Ficou desnorteado. Aí surgiu uma oportunidade: um empréstimo para a Venezuela. Antes de ir, ouviu Coutinho:
- Você vai amadurecer lá e depois terá uma oportunidade aqui.
E lá se foi o Andrade para defender o ULA Mérida.
- Encontrei gente falando uma língua que não conhecia. Tentava dize o que queria com gestos. Ainda por cima, me perdi num passeio perto do hotel Don Balcon. O mundo parecia contra mim.
E não foi só isso. Ficou um mês esperando a liberação da transferência. Estreou com fama de brasileiro bom de bola: perdeu o jogo.
- Saí desesperado, angustiado. Queria voltar. Senti o mesmo medo de menino descalço de Juiz de Fora.

Foi direto jantar. Pediu uma salada. O prato veio com alface, tomate e abacate. Pensou que fosse gozação, quis briga. Não sabia que abacate na salada é prato típico do lugar.
Custou muito a se firmar num time que tinha muitos estrangeiros e alguns estudantes que não levavam a coisa a sério. Mas, com luta acabou virando ídolo. Em 77, foi vice-artilheiro, ficando atrás de Jairzinho (Furacão da Copa), que marcara 16 gols pela Portuguesa, o mais importante time de lá. Em 78, com 20 gols, foi o principal artilheiro, com quatro gols a mais que Tanger, brasileiro e ex-companheiro de Flamengo.

Ganhou o apelido de “Artilheiro de Paramo” – ponto mais alto de Mérida, sempre coberto de neve e, por isso, atração turística. E também passou a ser perseguido, tornozelo sempre inchado.
- Lá, batem muito. Não há exame antidoping e tem zagueiro espumando, como se estivesse com ataque epilético. Velho de 40 anos corre como menino de 15.

Andrade não ganhou títulos e mesmo assim recebeu uma ótima proposta para ficar ao término do empréstimo. No entanto, preferiu retornar ao Flamengo e se projetar no futebol brasileiro. Jogou na Venezuela de junho de 1977 a outubro de 1978.

Fonte: Revista Manchete Esportiva e acréscimos.

Minhas considerações: Andrade havia jogado apenas uma partida entre os profissionais antes de ser emprestado: em 06 de outubro de 1976, no amistoso do Flamengo contra a Seleção Brasileira, no jogo beneficente pela família do ex-jogador Geraldo. Assim mesmo, na lateral-direita. Ao retornar do futebol venezuelano aguardou uma oportunidade que só ocorreu em 31 de janeiro de 1979, num amistoso contra o Bahia, na Fonte Nova.  A partir de fevereiro já estava disputando o Campeonato Estadual e não mais perdeu a titularidade. 570 jogos e 29 gols marcados foi a sua história com a camisa rubro-negra. E muitos títulos.

Jorge Luís ANDRADE é mineiro de Juiz de Fora, onde nasceu em 21 de abril de 1957. Brilhante individualmente, muito técnico, com uma habilidade rara para um jogador dessa posição: volante. Foi peça muito importante no time do Flamengo, principalmente na primeira metade dos anos 80. Era um dos pontos de equilíbrio da equipe e ainda saía para o jogo e organizava o ataque.

Além do Flamengo (campeão carioca em 1979/79-especial/81 e 86, do brasileiro em 1980/82/83 e 87, e da Taça Libertadores e do Mundial em 1981), jogou na ULA Mérida/Venezuela – por empréstimo, Roma/Itália, Vasco – 55 jogos (campeão brasileiro em 1989), Internacional de Lajes (SC), Atlético (PR), Desportiva  (campeão capixaba em 1992), Operário (campeão mato-grossense em 1994), Bacabal (MA) e Barreira (RJ). Andrade não se adaptou e por isso ficou pouco tempo no futebol italiano.

Defendeu o Brasil em 11 jogos e assinalou 1 gol, sendo 9 oficiais com esse único gol. Apesar de muitos concorrentes na posição, Andrade merecia mais oportunidades na Seleção.

Como técnico, teve uma participação importante na conquista do Flamengo no título brasileiro de 2009. É um mistério para muitos o não aproveitamento de Andrade em outros clubes, e até no próprio Flamengo, que nunca mais comandou. 

O craque Andrade, um nome de destaque da história do Flamengo, jogou no rival nas temporadas de 1989/90, atuando em 55 jogos e fazendo parte do time campeão brasileiro de 1989. Honrou a camisa do Vasco e mostrou o quanto era profissional. Não poderia esperar outra coisa do "Tromba". Esse é o tipo de jogador - com uma retidão dentro e fora de campo - que é respeitado por todos os torcedores. 

Em uma de suas vindas a Miracema com o time master do Flamengo, tive a oportunidade de falar isso com ele pessoalmente. Humildemente, ele agradeceu e disse: "Esse reconhecimento é mais um prêmio e nos dá a certeza de que tudo valeu a pena". 

terça-feira, 12 de maio de 2020

DIDI: O PRÍNCIPE ETÍOPE




- Milton, ainda vou ser o maior jogador do mundo.
- Tomara, crioulo, você tem tudo para isso. Você nasceu mesmo para jogar bola, sabia?
- Serei o maior de todos um dia. E ganharei muito dinheiro. Um dinheiro que ninguém pode imaginar.

E provavelmente nem seu amigo Milton Barreto, da cidade de Campos, poderia imaginar que um dia ele chegaria tão longe. Naquele tempo, por volta de 1941, com 12 anos, Didi era um dos mais assíduos frequentadores do campinho do São Cristóvão, num terreno baldio encravado bem no meio da Rua Machado de Assis, afastado do centro da cidade.

Entrar no São Cristóvão e na sua escolinha, dirigida pelo seu Derengo, não era fácil.  O garoto tinha de saber tudo de bola. Mas isso não era problema para Didi. Naquele tempo, por volta de 1941, com 12 anos, Didi era um dos mais assíduos frequentadores do campinho do São Cristóvão, num terreno baldio encravado bem no meio da Rua Machado de Assis, afastado do centro da cidade. Entrar no São Cristóvão e na sua escolinha, dirigida pelo seu Derengo, não era fácil.  O garoto tinha de saber tudo de bola. Mas isso não era problema para Didi. 

Didi nasceu em 08 de outubro de 1928, num pequeno sobrado da Rua Aquidabã, uma rua de chão batido que todo final de tarde se transformava em campo de peladas. E foi então que dona Maria, a mãe do jogador, começou a perceber que o filho estava jogando com gente grande quando chegava em casa todo machucado. Em pouco tempo, ele se tornava um paciente mais do que fiel da avó, Creusolina, rezadeira convicta que curava as dores do neto com muita reza e massagens de óleo de rim de carneiro.

Didi quase teve a perna amputada em certa ocasião e se não fosse a resistência da avó contra os médicos – que queriam operá-lo – provavelmente ele teria ficado sem uma perna. O certo é que Didi continuou a ser tratado pela avó e algum tempo depois voltou a andar, inicialmente amparado por muletas e depois mancando um pouco. Quando ficou bom de vez, Didi tinha a perna direita um centímetro mais curta que a esquerda. Suas chuteiras também possuíam números diferentes: 41 para o pé direito, 40 para o esquerdo.

Em 1945, aos 16 anos, o pai de Didi, seu Artur, matriculou o filho no Colégio Aprendiz Artífice, que depois virou a Escola Técnica Federal de Campos. E se recebia elogios na escola, estes eram ainda maiores quando pisava num campo de futebol. Didi passou a jogar no time do Colégio, com Olímpio Chagas, no São Cristóvão, com Derengue, e até mesmo no Americano ou Goytacaz, toda vez que um time do Rio jogava em Campos.

Depois, acabou indo para no Industrial, time formado no bairro da Lapa e sustentado por uma fábrica de tecidos. Lá, jogou ao lado do lateral-direito Edinho, irmão do jogador Amarildo, do goleiro Neílton e dos irmãos Antoninho e Fernando Falcão. Nessa época, Didi já era o mais famoso jogador de meio-campo da cidade de Campos, e sonhava em ir para um centro maior.

Um dia, em 1947, junto com os amigos Irmo e Sula, fugiu para Lençóis Paulista, no interior de São Paulo, e passou a treinar no Lençoense, onde assinou um contrato provisório. Só que o negócio acabou não dando em nada, pois, antes de viajar, Didi já tinha assinado um contrato com o Rio Branco, de Campos. O jeito foi voltar e esperar uma nova chance.

Que surgiu em 1948, quando Benedito Rosa, homem ligado ao Madureira, viu os irmãos Didi e Dodô jogarem e resolveu levá-los. Antes de viajar, Didi casou-se com Maria Luísa e dias depois do casamento viajou para o Rio.

Tudo fazia crer que Didi, um dia, iria cumprir a promessa feita ao amigo de Campos e tornar-se um craque famoso. Quis o destino que após dois anos de sua saída da cidade natal, mais precisamente no dia 18 de julho de 1950, ele entrou em campo para inaugurar o Maracanã, num jogo contra os paulistas, e marcou o primeiro gol da história do maior do mundo, até então.

O texto acima foi transcrito de uma edição da revista Placar. 

Sua passagem pelo Madureira foi rápida e logo chegou ao Tricolor das Laranjeiras. Marcou época defendendo o Fluminense –287 jogos e 94 gols (campeão carioca em 1951 e da Copa Rio em 1952), e o Botafogo – 313 jogos e 114 gols (campeão carioca em 1957/61 e 62, e do Torneio Rio-São Paulo em 1962. Outros times que defendeu foi o Real Madrid, da Espanha, e uma rápida passagem pelo São Paulo, já no final de sua carreira, em 1966, quando atuou em apenas 4 jogos.

Armador clássico, Didi encantava com seu futebol técnico e criativo, seus dribles dissimulados, lançamentos precisos e chutes infernais. Foi um dos líderes do Fluminense entre o final da década de 1940 e meados da década de 1950, e também do Botafogo, além de ter sido o criador da “folha seca”. Esta técnica consistia em bater na bola, com o lado externo do pé, de modo a fazê-la girar sobre si mesma e modificar sua trajetória. Ela tem esse nome, pois esse estilo de cobrar falta que dava à bola um efeito inesperado é semelhante ao de uma folha caindo.

O principal artífice da conquista da primeira Copa do Mundo pelo Brasil não foi Pelé e nem Garrincha.  Todo o mérito cabe a Didi. Primeiro, porque foi o autor do gol que deu ao Brasil a classificação para o Mundial, na sofrida vitória sobre o Peru por 1 a 0, em 1957. Depois, porque assumiu o comando da equipe dentro e fora de campo na Suécia.  É o responsável, junto com Zito e Nilton Santos, pela pressão sobre a comissão técnica que culminou com as escalações de Pelé e Garrincha. Mas foi no gramado que mostrou todo o seu engenho e arte, sendo eleito o melhor jogador da Copa de 58. Foi bicampeão mundial em 1958 e 1962. Disputou 73 jogos e marcou 21 gols, sendo 67 oficiais e 20 gols. Didi comandou a geração de craques brasileiros que ganhou as duas primeiras Copas do Mundo.

Na Copa do Mundo de 1970, no México, foi o técnico da Seleção Peruana, classificando o país para a sua primeira Copa desde a de 1930. No confronto contra a Seleção Brasileira, foi derrotado por 4 a 2.

O ex-jogador foi internado em 25 de abril de 2001, com dores na barriga, sem saber que estava com câncer. Foi submetido a uma cirurgia de emergência três dias depois, devido a um quadro de obstrução intestinal, retirando parte da vesícula e do intestino. Didi morreu em 12 de maio do mesmo ano, 21 dias após ter descoberto a doença.

Por causa de sua elegância natural, o corpo ereto, cabeça alta, passadas muito largas, era chamado de “Príncipe Etíope”, apelido dado pelo escritor e jornalista Nelson Rodrigues. Valdir Pereira faz parte da galeria dos maiores jogadores da história do futebol mundial.



quarta-feira, 6 de maio de 2020

DIRCEU CARDOSO: A TRAJETÓRIA DE UM GRANDE LÍDER – POR MAURÍCIO MONTEIRO



Em 4 de janeiro de 1913 nasceu o primeiro filho do casal Adalgisa Leite e Melquiades Cardoso, um serrador, como vários outros que existiam no povoado, numa época em que tudo dependia da madeira e a mata nativa era rica em madeiras de lei. Recebeu o nome de Dirceu na pia bastimal, depois vieram Nadege, Danilo, Evelin, Expedito e Brissac. Quando Dirceu começou a andar, a luz elétrica estava chegando, as lamparinas foram aposentadas e aqueles postes sextavados era uma lembrança do passado. A Fábrica passou a produzir mais e os passeios noturnos pelas ruas empoeiradas ou enlamaçadas eram possíveis, até o hábito de dormir mais tarde foi mudado pelo advento da luz elétrica.

Como todos os meninos da época, Dirceu batia sua bola e devia se banhar no Ribeirão Santo Antônio, que era muito menos poluído. Para ajudar nos estudos, comprar seus cadernos, sua tabuada e uma gramática, vendia goiabada na rua. Tudo era muito difícil, escola, professores, mas ele não se deixava abater pelo que faltava, mas devia ser um menino que vivia sua infância bem vivida. Fez o primário G. E. Dr. Ferreira da Luz e o secundário no Colégio Miracemense, antes denominado Instituto Afrânio Peixoto.

Por esta época deve ter acompanhado, muitas vezes, a Banda Sete de Setembro levar o italiano José Giudice até a Estação quando ia para o Rio de Janeiro a negócios e na volta era o mesmo espetáculo: a Banda iria buscá-lo na Estação até a sua residência. Era o principal comerciante do distrito e dotado de grande espírito público, ajudava toda iniciativa que viesse em benefício de Miracema.

O distrito vivia uma febre de construções, em face da grande produção de café, casa de dois andares e os grandes casarões começam a ser erguidos na Rua Direita, mas em 1929, veio a crise do café, e o distrito, de uma hora para outra, ficou pobre, toda a produção seria queimada para valorizá-la. Dirceu estava com 16 anos e tendo concluído o curso secundário, o máximo no distrito, manifestou aos pais o desejo de estudar direito e lá se foi para Niterói para cursar a faculdade. Foram quatro anos de estudos e aos vinte estava formado, mas não tinha dinheiro para comprar o terno e não participou da tradicional festa de Formatura.

Voltou à terra natal para lecionar no Colégio Miracemense, nos idos de 1933, como professor de História Natural e Biologia. O interventor do município de Pádua, Altivo Linhares, neste ano, passa a responder um processo criminal em Petrópolis e teve que se afastar da interventoria, passando a prefeitura para Cícero Garcia Bastos.

Com o afastamento de Linhares, a Campanha Separatista ganha fôlego e o jovem advogado de 20 anos de idade, torna-se um dos principais oradores dos comícios que se sucedem quase todos os fins de semana, em cada esquina, em cada bairro. Por esta época, no Cine Sete de Setembro passava um filme denominado “Os Quatro Diabos”, com façanhas incríveis e, no distrito, a população viu semelhança com os quatro oradores da Campanha: Bruno de Martino, José Naegele, Melquiades – seu pai – e Dirceu. “O Libertas” era rodado na Gráfica do Neguinho, insuflando mais ainda a campanha.

No ano seguinte, o interventor afastado, Altivo Linhares, capitula e dá uma carta a Dirceu para ser entregue ao Almirante Ary Parreiras, concordando com a separação do distrito e um ano após é instalado oficialmente o novo município pelo Almirante Protógenes Guimarães. Dirceu não foi aproveitado pelos novos governantes, então aceitou um convite para lecionar numa pequena cidade do Espírito Santo, Muqui, que havia fundado um Colégio há dois anos apenas e precisava de professores para integrar o seu corpo Docente. Dirceu aceita mudar-se e num discurso pronunciado aqui, ele queixou-se que teve que abandonar Miracema “tangido pelos ventos da desgraça e da desventura política.”

Em Muqui ele se firma como um ótimo professor, enérgico e disciplinador. Foi lá também que conheceu Lisete, a filha do proprietário do Colégio e se casa com ela. É alçado à direção do Educandário e o projeta na região e depois no Estado, chegando a ter 355 alunos, com internato masculino e feminino. Gostava de esportes e o Colégio de destaca também nos embates esportivos, onde se praticava muitas modalidades. Alugou um trem em Muqui e trouxe o seu Colégio para uma olimpíada em Miracema durante uma semana com o Miracemense. A esta altura já é a personalidade de maior projeção em Muqui.

Com o fim da Ditadura Vargas, em 1945, sua vocação política o leva a disputar a Prefeitura de Muqui, sendo eleito prefeito da cidade pelo PSD. Com o orçamento minguado, construiu um pequeno galpão com mais de uma dezena de tanques para as lavadeiras pobres da cidade, que passaram a ter um lugar à sombra para lavar suas roupas, o “Parque das Lavadeiras”. Aos domingos, acompanhado de um médico, enfermeiros e barbeiro, visitava a população carente. Homem de temperamento explosivo andou tendo sérios e graves problemas com os vereadores.

A fama de educador, de bom orador, de bom administrador o credencia para a disputa de uma vaga a Deputado Estadual, onde se elege com boa votação, aos 37 anos e se firma na Assembleia como líder do Governo de Jones dos Santos Neves, que foi o governador que abriu estradas, construiu a Usina Hidrelétrica de Rio Bonito, o Porto de Vitória e a Universidade Estadual do Espírito Santos. Na Assembleia era temido e respeitado e teve embates acalorados com seus pares que ficaram famosos em sua vida parlamentar no Estado, pela sua valentia e coragem.

Aos 41 anos é reeleito com uma votação expressiva, novamente na liderança do governo, agora de Carlos Lindemberg, também uma das grandes figuras capixabas. Já é o deputado mais conhecido no Estado e esse fato o credencia a Deputado Federal, sendo eleito aos 45 anos com uma das maiores votação. O orador da Campanha Separatista de Miracema é a estrela maior das concentrações públicas, vibrante, ardoroso e, sobretudo, destemido. Fixa residência no Leblon e novamente o povo capixaba o recomenda à Câmara Federal. Nos doze anos que passou na Câmara, integrou várias Comissões como a de Educação ao lado de Carlos Lacerda e Santiago Dantas, quando definiram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil. Visitou dez Universidades Americanas, como membro desta comissão. Foi nomeado pelo Presidente da República como representante do Brasil na ONU, com sede em Nova York juntamente com Paulo Brossard.

Da ONU Dirceu Cardoso aproveitou a oportunidade de remeter a todas às Câmaras do Espírito Santo e do Brasil, mensagem na qual ressalta que, depois de galgar todas as representações legislativas, reconhecia que o voto mais difícil e representativo era o do Vereador, mais valioso do que todos os outros, por se tratar de um voto arrancado no ambiente em que era disputado palmo a palmo, família por família, rua a rua, com uma mensagem de fé e confiança.

A sua última e grande conquista para o ES foi no apagar das luzes do governo J.K. que resultou na criação da Universidade Federal do Espírito Santo. Juscelino não conseguia enviar a mensagem ao Congresso solicitando a federalização da UFES e Jânio avisou que depois que assumisse o cargo não assinaria alto algum. Foi uma correria! Dirceu levou a mensagem de Vitória para J.K. assinar cinco dias antes de encerrar o seu mandato. E, no último dia, com o Presidente reunido com o Ministério, Dirceu consegue furar o bloqueio quando João Goulart, o vice-presidente, falava em nome do Ministério e, logo após pediu a J.K.  que assinasse o decreto. Dali seguiu para a Imprensa Oficial para a sua publicação. Dez anos depois, a Universidade, com aprovação da totalidade de seus membros, outorgou-lhe o título “Doutor Honoris Causa.”

Mas o que lhe deu notoriedade nacional foi ler a Carta-Renúncia de Jânio Quadros, depois de sete meses no exercício da Presidência, aonde chegara com uma avalanche de votos – seis milhões – e com indiscutível popularidade. O alto comando do PSD escolheu o paramentar capixaba para dar conhecimento ao Congresso. Destemido como era, sabia que ao ler aquele documento poderia resultar em problemas gravíssimos diante da popularidade de Jânio Quadros. Lida a Carta por Dirceu, o deputado Ranieri Mazzili foi chamado para ocupar a Presidência da República

Depois de três mandatos consecutivos como deputado federal, se prepara para o último desafio, o Senado da República, concorrendo pelo MDB, contra a máquina eleitoral da Arena montada no Estado. Visita cidade por cidade, distrito por distrito. Eram comícios quase todos os dias e para surpresa geral acaba por vencer o pleito eleitoral mais difícil de sua vida e no Senado iria abrir mais uma frente de lutas, contra os empréstimos externos para Prefeituras, Autarquias e Companhias Estaduais. Sozinho deixava a pauta do Senado paralisada por meses, se havia pedido de empréstimos. O experimentado parlamentar, que conhecia como poucos o Regime Interno da Casa, com pedidos de verificação de quorum, obstruía e batia firme no presidente da Casa, Jarbas Passarinho.

Como Senador, pronunciou mais de mil e cem discursos, era assíduo e prestou relevantes serviços a nação, a ponto do ministro da Fazenda Ernani Galveas agradecer em seu nome, do ministro Delfim Neto e do presidente do Banco do Brasil com as seguintes palavras: “O Senhor está desempenhando um papel importante e patriótico, que a bancada do governo deveria estar fazendo (...). Não sabemos o que seria do Brasil se estes empréstimos fossem aprovados”. Foi o único elemento do MDB, por indicação do presidente da República, para cursar a Escola Superior de Guerra, tendo viajado por toda a Europa em estudos.

Foi considerado pela Imprensa como o Senador mais atuante em 1980 e eleito “O Senador do Ano” em 1981, especialmente pela sua "luta de um homem só" contra a inflação, a corrupção, as mordomias e o desperdício de dinheiro público, sendo verdadeiro paladino da instituição parlamentar. Reeleger o grande senador capixaba foi um ato de justiça do povo do Espírito Santo, conforme descrito em sua Biografia no site da Câmara Municipal de Muqui, que se encerra com o seguinte frase: “Obrigado, Dr. Dirceu Cardoso! Muqui se sente honrada por tê-lo recebido.”

Tinha tudo para ser o governador do Estado, mas a idade já pesava e a juventude de Gerson Camata era a opção do eleitorado mais jovem, e quando este foi a Brasília com seu secretariado para agradecer as obras que João Figueiredo fez no Estado, o presidente disse: “Está aqui presente em contrapartida, um homem que lutou para pôr um fim à avalanche de empréstimos solicitados à presidência e encaminhados ao Senado para aprovação. O Brasil não deve mais porque este Senador combateu desesperadamente está série ameaça ao nosso Governo. Está aqui o ex-Senador Dirceu Cardoso, o herói desse procedimento patriótico e cívico, o nosso sincero agradecimento.”

Eleito sucessor de Figueiredo, Tancredo Neves o convidou para ser Chefe de sua Casa Civil, afirmando ao Governador do Espírito Santo que não o cederia para o Estado. Tancredo disse: “Quero que ele me acompanhe no meu gabinete de Presidente para me ajudar a combater a corrupção no Brasil. Ele forma um pequeno grupo de homens em que tenho absoluta confiança”. Só não cumpriu essa missão porque Tancredo morreu e o Presidente José Sarney, de quem também era amigo, não o aproveitou.

Depois de cumprir seu mandato de Senador, voltou para Muqui e o Governador Gerson Camata o convidou para ser Secretário de Segurança Pública, e depois foi diretor do Porto de Vitória. Foi o último cargo público que ocupou. Com o falecimento da esposa, ele fixa residência definitivamente na sua terra adotiva, Muqui. Neste meio século de atividades políticas, raramente usava um carro oficial, não empregou a família e terminou seus dias com uma modesta aposentadoria.

Mas a vida de Dirceu não foi só de triunfos e glórias; nos embates ferozes na Assembleia Legislativa e na violenta política capixaba de então, fez vários inimigos, inclusive na sua cidade adotiva. O melhor colégio do Estado acabou sendo demolido por seus inimigos políticos. Os cinco pavilhões de dois andares, hoje é apenas recordação num quadro afixado na parede de sua casa e na lembrança nas centenas e centenas de alunos que todos os anos festejam o Colégio de Muqui, na festa dos ex-estudantes.

Na sua última entrevista a Rogério Medeiros, intitulada a “Lenda Viva”, na revista Século, o Estado do ES em Revista, de março de 2001, ele declara: “Estou esperando a morte como compensação pela vida, mas ela está demorando, já deveria ter chegado. Além do mais, eu quero ir dormir com minha querida companheira, enterrada no cemitério daqui”. Todos os domingos ele vestia o melhor terno e levava um buquê de flores para depositar no túmulo de Lizete. Disse ainda que apesar dos feitos, lamentava ter trocado a vida de educador pela vida política.

Faleceu aos 90 anos de idade, em 6 de maio de 2003, na cidade do Rio de Janeiro, mas foi enterrado em Muqui, onde iniciara sua carreira política. O Governado Paulo Hartung veio de Vitória para o seu sepultamento que foi acompanhado por várias “Folias de Reis”, uma de suas paixões. A Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo deu seu nome ao plenário, hoje Plenário Dirceu Cardoso, assim como Miracema, sua cidade natal, em 2005, ao prédio da Câmara Municipal, cujos móveis maciços, no local até os dias de hoje, foram entalhados por seu pai, Melchíades, além de jornalista e escritor, um excelente carpinteiro.

NOTA: TRANSCRITO DO JORNAL DOIS ESTADOS, DE 30 DE AGOSTO DE 2005, COM ALGUNS ACRÉSCIMOS.