Nota: reportagem da Revista Placar edição nº 443, de 20/10/1978,
assinada por Aristélio Andrade.
A violência passou dos limites?
Mestre Ziza e Ademir Meneses respondem: “As mocinhas de hoje deviam jogar no
nosso tempo!”
Zezinho e Ademir fizeram época.
Atacantes, habilidosos, foras de série, viveram numa época heróica e romântica
do futebol brasileiro. Uma época em que bater era regra, punir nem pensar. Ziza
dá o exemplo:
- Num Flamengo e Botafogo, Caxambu
fez um golaço e foi buscar a bola no fundo da rede. Voltou sem os dentes da
frente.
Naqueles dias, idos de 40, havia
cadeiras na pista, junto às linhas laterais, e as cercas eram baixas. Toda
comemoração de gol era respondida com sopapos e xingamentos, desde que as
torcidas se equivalessem. Dentro de campo, o pau comia solto. Zezé Moreira,
hoje finíssimo treinador do Bahia, não fazia outra coisa senão ater. Lembra
Zizinho, com uma ponta de nostalgia.
- Dava medo jogar contra aquela defesa do Botafogo – Zezé
Moreira, Zezé Procópio, Nariz, Canalli, Zarci e Grambel. Era a “Cavalaria
Rusticana”, ou simplesmente “Esquadrão de Cavalaria”. Batiam pra valer. É que
jogador expulso podia ser substituído. Contra o Flu de 36/37, um dos melhores
times que vi jogando, o Zezé entrava exclusivamente para tirar um ou dois
jogadores de campo. De preferência o Tim ou o Romeu. Ele acabava expulso e, no
seu lugar, entrava o Martim, um craque, que ficava no banco só aguardando a
vez.
Os beques usavam chuteiras de bico
duro, com reforço de metal sob o couro curtido. Toda espécie de intimidação era
válida. O Bahia, por exemplo, tinha um defensor, de nome Popó, que usa quatro
dentes de ouro na frente. Cada dente tinha uma letra. Quando ele partia em cima
do atacante, abria o bocão e deixava a inscrição à mostra: P-O-P-Ó. Popó atuava
ao lado de incêndio, Bacamarte e Bolivar. Pelos nomes, tem-se uma ideia de seus
talentos futebolísticos.
Violência, portanto, sempre existiu.
Ademir de Meneses, hoje conceituado comentarista da Continental, do Rio, nem se
abala com as acusações ao jogo violento:
- A chiação, isso sim, cresceu muito.
Nos idos de 40 e 50, os zagueiros
disputavam entre sim o mérito da primeira expulsão. Por isso não escolhiam onde
nem como bater. Segundo Zizinho, havia de tudo: tocos no tornozelo, cotoveladas
nas costelas, socos nos rins, bicos de peito. “Queriam ver quem era expulso
primeiro. Era a glória”. Tempos quentes, esses. Tanto que o primeiro jogador a
curtir suspensão de um ano foi Olavo, do
Bangu. Sua façanha: arrancou a bandeira de escanteio e abriu a cabeça de um
juiz. Mas, para Zizinho, o mais violento de todos foi Gérson dos Santos, do
Botafogo. Cinta:
- Antes de começar o jogo, eu
cumprimentava um a um os adversários. Com o Gérson não adiantava. Ele rosnava:
“Olha, Queixada, perdi tudo nos cavalos e estou disposto a ganhar esse bicho,
mesmo que tenha de matar um...”
Não havia as garantias de um
Maracanã, de um Beira Rio. Ademir e Zizinho cansaram-se de ficar retidos em
vestiários, horas a fio, até conseguir uma retirada com segurança. E houve o
episódio famoso de Buenos Aires, quando ocorreu o contrário. Ademir relembra:
- Copa Roca de 45. Eu tinha quebrado,
sem querer, a perna do Batagliero, na partida do Rio. Em Buenos Aires, o
Batagliero desfilou com a perna engessada, antes de um jogo valendo pelo
Sul-Americano. Começa o jogo, o Jair quebra a perna do Salamón. A massa invadiu
o campo e foi pro massacre. Foi a pior briga que já vi, todo mundo batendo em
todo mundo.
Os jogadores, debaixo de pancada,
conseguiram refúgio no vestiário. Um funcionário da AFA, minutos depois, veio
advertir: “Não respondemos por suas vidas, caso não voltem ao campo”.
O Brasil voltou. E, é claro, perdeu.
Zizinho apanhou muito. Mas também
deu. Ademir, ao contrário, foi uma vítima. Ao longo de sua carreira, quebrou as
duas pernas, teve afundamento no malar. E tem cicatrizes por todo o corpo. Para
piorar, a desproteção era total, pois nem existia a medicina esportiva.
No final da década de 30, ninguém
sabia, no Brasil, o que era uma operação de meniscos. O primeiro a se submeter
a uma cirurgia dessas foi o Russo, Adoldo Milmann, assim mesmo no exterior. Não
era sem propósito, aliás, que a maioria dos atletas usava joelheiras para proteger a região.
Jogar futebol nos dias de hoje,
assim, é moleza. Para Ademir e Zicinho,
a aparente violência que se observa é provocada por fatores externos. Um deles,
o cartão amarelo. Diz Zizinho:
- O beque sabe que, na primeira falta,
receberá, no máximo, um cartão amarelo. Aí, ele dá firme, faz a falta
desclassificante impunemente. Mas isso não significa que a violência seja
fenômeno atual. O futebol sempre foi um esporte violento, pois é impossível
evitar o choque. Se quiserem acabar com isso, que botem uma rede no meio do
campo e vão jogar voleibol!
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