terça-feira, 3 de setembro de 2024

ADEMIR / ZIZINHO: HISTÓRIAS DO FUTEBOL MACHÃO (PARA AS MOCINHAS DE HOJE EM DIA)

 


Nota: reportagem da Revista Placar edição nº 443, de 20/10/1978, assinada por Aristélio Andrade.

 

A violência passou dos limites? Mestre Ziza e Ademir Meneses respondem: “As mocinhas de hoje deviam jogar no nosso tempo!”

 

Zezinho e Ademir fizeram época. Atacantes, habilidosos, foras de série, viveram numa época heróica e romântica do futebol brasileiro. Uma época em que bater era regra, punir nem pensar. Ziza dá o exemplo:

- Num Flamengo e Botafogo, Caxambu fez um golaço e foi buscar a bola no fundo da rede. Voltou sem os dentes da frente.

Naqueles dias, idos de 40, havia cadeiras na pista, junto às linhas laterais, e as cercas eram baixas. Toda comemoração de gol era respondida com sopapos e xingamentos, desde que as torcidas se equivalessem. Dentro de campo, o pau comia solto. Zezé Moreira, hoje finíssimo treinador do Bahia, não fazia outra coisa senão ater. Lembra Zizinho, com uma ponta de nostalgia.

- Dava medo jogar  contra aquela defesa do Botafogo – Zezé Moreira, Zezé Procópio, Nariz, Canalli, Zarci e Grambel. Era a “Cavalaria Rusticana”, ou simplesmente “Esquadrão de Cavalaria”. Batiam pra valer. É que jogador expulso podia ser substituído. Contra o Flu de 36/37, um dos melhores times que vi jogando, o Zezé entrava exclusivamente para tirar um ou dois jogadores de campo. De preferência o Tim ou o Romeu. Ele acabava expulso e, no seu lugar, entrava o Martim, um craque, que ficava no banco só aguardando a vez.

Os beques usavam chuteiras de bico duro, com reforço de metal sob o couro curtido. Toda espécie de intimidação era válida. O Bahia, por exemplo, tinha um defensor, de nome Popó, que usa quatro dentes de ouro na frente. Cada dente tinha uma letra. Quando ele partia em cima do atacante, abria o bocão e deixava a inscrição à mostra: P-O-P-Ó. Popó atuava ao lado de incêndio, Bacamarte e Bolivar. Pelos nomes, tem-se uma ideia de seus talentos futebolísticos.

Violência, portanto, sempre existiu. Ademir de Meneses, hoje conceituado comentarista da Continental, do Rio, nem se abala com as acusações ao jogo violento:

- A chiação, isso sim, cresceu muito.

Nos idos de 40 e 50, os zagueiros disputavam entre sim o mérito da primeira expulsão. Por isso não escolhiam onde nem como bater. Segundo Zizinho, havia de tudo: tocos no tornozelo, cotoveladas nas costelas, socos nos rins, bicos de peito. “Queriam ver quem era expulso primeiro. Era a glória”. Tempos quentes, esses. Tanto que o primeiro jogador a curtir suspensão  de um ano foi Olavo, do Bangu. Sua façanha: arrancou a bandeira de escanteio e abriu a cabeça de um juiz. Mas, para Zizinho, o mais violento de todos foi Gérson dos Santos, do Botafogo. Cinta:

- Antes de começar o jogo, eu cumprimentava um a um os adversários. Com o Gérson não adiantava. Ele rosnava: “Olha, Queixada, perdi tudo nos cavalos e estou disposto a ganhar esse bicho, mesmo que tenha de matar um...”

Não havia as garantias de um Maracanã, de um Beira Rio. Ademir e Zizinho cansaram-se de ficar retidos em vestiários, horas a fio, até conseguir uma retirada com segurança. E houve o episódio famoso de Buenos Aires, quando ocorreu o contrário. Ademir relembra:

- Copa Roca de 45. Eu tinha quebrado, sem querer, a perna do Batagliero, na partida do Rio. Em Buenos Aires, o Batagliero desfilou com a perna engessada, antes de um jogo valendo pelo Sul-Americano. Começa o jogo, o Jair quebra a perna do Salamón. A massa invadiu o campo e foi pro massacre. Foi a pior briga que já vi, todo mundo batendo em todo mundo.

Os jogadores, debaixo de pancada, conseguiram refúgio no vestiário. Um funcionário da AFA, minutos depois, veio advertir: “Não respondemos por suas vidas, caso não voltem ao campo”.

O Brasil voltou. E, é claro, perdeu.

Zizinho apanhou muito. Mas também deu. Ademir, ao contrário, foi uma vítima. Ao longo de sua carreira, quebrou as duas pernas, teve afundamento no malar. E tem cicatrizes por todo o corpo. Para piorar, a desproteção era total, pois nem existia a medicina esportiva.

No final da década de 30, ninguém sabia, no Brasil, o que era uma operação de meniscos. O primeiro a se submeter a uma cirurgia dessas foi o Russo, Adoldo Milmann, assim mesmo no exterior. Não era sem propósito, aliás, que a maioria dos atletas  usava joelheiras para proteger a região.

Jogar futebol nos dias de hoje, assim, é  moleza. Para Ademir e Zicinho, a aparente violência que se observa é provocada por fatores externos. Um deles, o cartão amarelo. Diz Zizinho:

- O beque sabe que, na primeira falta, receberá, no máximo, um cartão amarelo. Aí, ele dá firme, faz a falta desclassificante impunemente. Mas isso não significa que a violência seja fenômeno atual. O futebol sempre foi um esporte violento, pois é impossível evitar o choque. Se quiserem acabar com isso, que botem uma rede no meio do campo e vão jogar voleibol!

 

 

 

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