terça-feira, 6 de novembro de 2018

O BOM VICENTE FEOLA - POR JOSÉ MARIA DE AQUINO




Nota: texto publicado na revista Placar de novembro de 1975. 

Um humanista do futebol, tranquilo até na hora da morte. Para o humano Feola, jogador era gente.   

Um campeão discreto, um conhecedor dos homens, um cultor do futebol. Esse foi Vicente Feola que poucos conheceram. Bem mais conhecido foi o folclore que o envolveu – preço pago pelo técnico da primeira Seleção Brasileira campeã do mundo pela sabedoria que o fez estar, quase sempre, à frente de seu tempo – no respeito ao jogador, no sentido humanista que tinha do esporte. É que soube conservar – até a morte.

Para quem nunca privou mais de perto de sua amizade, ouvindo seus conselhos, participando de suas histórias, sentindo em cada palavra que dizia uma ponta de sabedoria, a imagem – falsa – que ele refletia podia ser mesmo aquela do dorminhoco. Do técnico de poucos conhecimentos que abandonava o time em campo e que só conseguia ganhar jogos e títulos porque não complicava.

Uma imagem que não o incomodava e que ele, quase sempre, analisava com boa pitada de ironia. As palavras podiam mudar, mas o sentido da resposta era sempre o mesmo.
- Isso nunca me atingiu. E eu até que podia me dar a esse tipo de luxo, essa falsa impressão. Eu tinha Zagalo no time. Ele foi o jogador de maior percepção que já tive sob minhas ordens. Sempre me perguntam se o mais importante não era o Zito e eu sempre respondo que ele era bom porque não deixava a faísca sumir, a chama se apagar. Mas o orientador, o crânio era, sem a menor dúvida, o Zagalo.

Filho de imigrantes italianos, os pais queriam vê-lo médico famoso e tiveram que se contentar com as glórias de um técnico que só não foi fielmente reconhecido aqui no Brasil. Estranho, mas verdadeiro. Técnico da seleção campeã do mundo em 1958, na Suécia, exatamente aquela que marcou o fim de uma época de desorganização e o início de um período em que um jogo, um título, começou a ser ganho também fora do campo, nunca lhe renderam as homenagens, nunca lhe deram as glórias que, por exemplo, dedicaram a Zagalo, seu discípulo, depois da conquista em 1970, uma conquista evidentemente mais fácil.

Foi o técnico que perdeu a Copa da Inglaterra, em 1966, aquela que antes parecia bem fácil de ser ganha e não foi crucificado, amargurado, quase banido como foi Flávio Costa depois da derrota de 1950. Se depois da primeira não lhe reconheceram todo o valor, na segunda souberam sentir e medir que era bem pequena sua parcela de culpa. Uma dimensão que também ele, sem confundir sinceridade com amizade, fazia questão de não esconder.

O humanista
- Eu também acho que quem perdeu a Copa foi o meu amigo João Havelange. O chefe é sempre o culpado pelo fracasso de qualquer empreendimento. Nunca o funcionário, o pequeno empregado. E o Havelange era o chefe de tudo, aquele que deu as ordens e fez as exigências.

Sua parcela de culpa, dizia sempre, estava resumida ao fato de ter aceitado as exigências do povo e de parte da imprensa. Tinha sentido que seria impossível ganhar a Copa de 66 com os mesmos jogadores de 58 e 62, tentou formar uma base inteiramente nova com Carlos Alberto, Brito, Joel, Gérson, Jairzinho, naquela seleção de 1963, e acabou sendo dobrado pelo amor que o povo cria por seus ídolos. E os ídolos ainda eram Garrincha, Gilmar e outros.

Em 1958 insistiu na convocação de Pelé e brigou para que não o tirassem da relação por estar contundido. Sentia que aquele negrinho podia ser a chave de tudo e correu o risco de disputar a Copa com apenas 21 jogadores. Poucos sabiam, mas foi num papo descontraído, num canto sossegado – como gostava – que convenceu Garrincha de que devia centrar as bolas onde estava Vavá, e nãop chutá-las na rede, como andava fazendo. Preveniu Vavá para que não reagisse se o ponta lhe dissesse alguma coisa e armou seu esquema.
- Mané, você já percebeu que o Vavá está chegando atrasado, perdendo todos os seus centros? Vamos fazer uma coisa: você agora vai centrar um pouco mais para dentro.


Garrincha deu uma bronca enorme em Vavá e nunca mais chutou bolas na rede. Foi o primeiro técnico brasileiro a dirigir um time com humanidade, bondade e sabedoria. Começou assim em 1937, quando chegou ao São Paulo, e era assim até três meses atrás, antes de ser definitivamente internado no Hospital Santa Catarina, vítima de um colapso cardíaco e de complicações circulatórias, proibido de receber visitas, e onde morreu no último dia 6, cinco dias depois de ter completado 66 anos de idade.

Viveu 38 anos ligados ao São Paulo, foi seu técnico várias vezes, ganhou os títulos de 1948 e 1949 e sempre que ficou de fora, na secretaria, nunca negou seu apoio aos técnicos que eram contratados. Olheiro da Seleção Brasileira desde 1949 foi auxiliar de Flávio Costa na Copa de 1950, técnico em 1958 e 1966 e só não foi ao Chile, em 1962, porque na época sofria delicada crise renal.

O pioneiro
Antes dele os técnicos eram mais conhecidos pela quase tirania com que dirigiam o time, não entendendo, como ele, que nem todos podiam ser vistos como marginais. Em 1945 já levava o time do São Paulo para se concentrar em Campos do Jordão antes de jogos mais importantes e nessa mesma época já falava e escrevia sobre a necessidade de se organizar um bom departamento médico, de se cuidar dos dentes dos jogadores, do asseio corporal, do bom preparo físico, feito de maneira científica, e de se fundarem escolinhas de futebol, um sonho que o São Paulo procurou realizar, que concretizou definitivamente no princípio deste ano mas que ele não pode sentir mais de perto.


 Sempre gordo, tranquilo e bom observador, não gostava de meias palavras. Vivia dizendo para Paraná que, se não fosse tão teimoso e se não estivesse tão errado com relação a certas coisas, ainda seria o ponta-esquerda titular do São Paulo. Contratou Leônidas em 1942 e não permitiu que ele parasse em 1947, quando ainda tinha bom futebol para dar. Trouxe Poy da Argentina quando tinha apenas 18 anos, cuidou de Bauer, de Canhoteiro, de Roberto Dias e de quase todo garoto bom de bola que começou o passou pelo São Paulo.

Mais admirado no exterior – foi técnico do Boca Juniors da Argentina em 1959 – do que no Brasil, foi apresentado como o inventor do 4-3-3, mas parecia não dar a mínima importância aos elogios.
- Sabe o que é tática para mim? É reunir uma equipe que se entende bem.A maneira de jogar surge do entendimento do grupo. Depois do WM ninguém inventou mais nada.

Algumas vezes falou dos críticos, dos entendidos.
- Eles sempre ganham os jogos depois que foram realizados. No papel e sem adversário pela frente é muito fácil.

Vicente Ítalo Feola morreu tranquilo como sempre procurou viver e seu enterro foi acompanhado por bom números de amigos. Gente que de alguma maneira ganhou com sua experiência. Dirigentes, jornalistas, jogadores e torcedores. Gente que mais tarde, não apenas porque agora ele morreu, talvez entenda a importância que ele teve para o futebol brasileiro.

Nota: Vicente Feola nasceu em São Paulo no dia 1º de novembro de 1909. Também faleceu na capital paulista em 6 de novembro de 1975.

Um comentário:

  1. Olha impressionante de Fato o papel do mestre Feola no título de 58 e da sua visão de futebol!

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