terça-feira, 3 de abril de 2018

MEU ALFAIATE - POR JOSÉ ERASMO TOSTES




Na década de cinquenta, em Miracema, havia nove alfaiatarias. Isto mostra como os homens se vestiam bem naquela época. Usavam tecidos como casimira Aurora, tropical Inglês, linho S-120, York Strit, Panamá, Caroá e até o brim cáqui. Em todas as solenidades e em todos os bailes os homens sempre se apresentavam de terno e gravata. A vida em nossa cidade era mais calma, poucos carros transitavam pelas ruas. Nas calçadas viam-se famílias sentadas reunidas batendo papo. Tínhamos o nosso médico de família; lembro-me certa ocasião em que meu pai mandou que eu chamasse o doutor Moacyr para uma consulta, e em menos de hora o mesmo estava chegando todo em terno de linho branco e gravata vermelha. Logo após a consulta a conversa descambou para o assunto de uma caçada, já que o mesmo era exímio caçador de paca. Ele começou a contar a caçada que fez junto com o seu amigo Manoel Valeiro, e fazia os gestos com as mãos como atirava, ajoelhava no chão e fazia a pontaria e imitava o cachorro latindo, até que o cachorro caiu numa fenda da pedra e ele teve que sacrificar o animal.

Mas voltando ao assunto dos alfaiates, as nove alfaiatarias eram do Sebastião Samel, Argeu Rangel, Zico Faria, Nilo Caldas na Rua Coronel Josino e outras três na Rua Direita: Amaro Leitão em frente ao Hotel Braga, em que trabalhavam os meus amigos apelidados de Botina e Coelho, a do Ernesto Granato, um italiano, em frente a Força e Luz. O Ernesto transformava em todos os carnavais a sua alfaiataria num bazar para vendas de artigos para o carnaval. Vendia de tudo: fantasias, máscaras, lança-perfume, confete e serpentina. Cem metros dali ficava a Alfaiataria do Dante Barbi, que tinha grande clientela. Às tardes, após o serviço, sempre tinha os jogadores de dama costumas, e nos fundos se jogava pif-paf. As outras duas ficavam na Rua Paulino Padilha, a dos irmãos Mercante, com o Noqueta talhando os ternos num corte mais moderno, como os de hoje. O Argentino e o Tiússa, seus irmãos, como ajudantes, além de diversos oficiais que trabalhavam na oficina e outros que faziam o serviço de acabamento em casa. Em certa ocasião, os Mercantes transferiram a alfaiataria para a Travessa do Ouvidor, no Rio de janeiro, mas depois retornaram. O Noqueta jogava bola no time do Tupã. Fazia ala de beque com o Jaminho.

Mas de todos esses alfaiates o meu era o Pepito. Talvez por ser o meu vizinho e ter ficado viúvo muito cedo. Ás vezes fazia as refeições em nossa casa. Pepito era baixo, meio gordo, pouco cabelo e gostava de usar chapéu, como era costume na época. Sua alfaiataria, que era simples, tinha dois manequins, um espelho, cadeiras de palha de taboa trançada, um ferro de brasa que deveria pesar seis quilos. Gostava de bater papo com ele, apesar de ser mais novo, mas gostava de ouvir as estórias que contava sobre os carnavais, onde ele passava todos os anos no Rio de Janeiro.

Pepito era meio excêntrico, ao mesmo tempo espirituoso, um pouco maldoso, como diziam, do bucho ruim. Tinha um freguês, o Sr. Amim do Cacheado, que pesava uns 150 quilos e era enjoado para roupa. Todo dia mandava ora abrir uma, ora apertar outra roupa, às vezes só passava, e ele ficava satisfeito. Pepito dizia que fazer roupa para o Sr. Amim era o mesmo que colocar lona em um circo. Certa ocasião o Adelino da padaria pediu que fizesse um terno para ser testemunha de um casamento. Diz o Pepito: “Me traz tantos metros”. E o Adelino, para fazer economia, trouxe menos um metro de pano.
 
- Não vai dá.
- Pode fazer que dá.

Pepito fez mais curto. Nas pernas das calças e nas mangas do paletó ficaram faltando pano. E o Adelino não foi ao casamento.
 

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