segunda-feira, 16 de abril de 2018

MOTORISTAS E CAMINHÕES - POR JOSÉ ERASMO TOSTES



Quando menino ficava embevecido ao ver passar em frente a minha rua, ainda sem calçamento, aqueles caminhões da época: Chevrolet tigre ano 38 carregado de tonéis de aguardente, escrito em sua traseira, Leão da Serra. Chevrolet Gigante ano 42 carregado de lenha para ser vendida para as padarias.

E foi em um caminhão Chevrolet 38 que João Cláudio levou a mulher e oito filhos em direção ao Paraná, atrás da corrida do ouro verde, que era o café, voltando somente após a guerra, com o dinheiro depositado no bolso da cueca, hospedando-se no hotel do turco José João na Rua das flores.

E tempos depois, já com mais idade, fiz diversas viagens de carona com motoristas meus conhecidos, só para matar meu desejo do passado. Aos 14 anos fui ao Rio de Janeiro pela primeira vez, na carona do caminhão International que pertencia ao Djalma Candinho, levando quase uma semana para chegar. Pela primeira vez presenciei o sofrimento de um motorista que carregava ajudante, enxada, enxadão e correntes para serem amarradas nos pneus. No Morro do Serrote, era como se chamava a serra em direção a cidade de Leopoldina - MG, onde se pegava o asfalto Rio-Bahia, cinco ou seis caminhões ficavam atolados no barro por dois ou três dias até parar a chuva e desagarrarem. Sebastião Magalhães fornecia comida a todos os motoristas que ali ficavam dias e noites batendo papo, tomando pinga para debelar o frio, comendo feijão tropeiro e arroz carreteiro.

Com o passar dos tempos foi chegando novos caminhões da marca International NV-AC, L160, L180. Ford F6 escrito em sua traseira: adeus pampa mia, F8 Big Job, F600, Dodge, Studebacker. São muitas as histórias dos caminhoneiros que mantive relações de amizade, por motivos outros vou mudar o nome de alguns.

Na época da construção de Brasília, fui de carona com meu amigo Dalton levar pedras para a embaixada da Rússia. Dalton tinha mudado recentemente para Miracema, vindo de Mar De Espanha, lá deixando dívidas com um motorista seu amigo, e, nessa viajem, ao pararmos para jantar num vilarejo chamado Cristalina, terra de pedras coloridas onde os habitantes faziam anéis e outros objetos de adorno. Vejo que o Dalton começou a se esconder. Perguntei o que estava acontecendo. “Que azar, neste fim de mundo o meu credor está justamente onde estamos”. Teve que se desculpar com o credor, só não pagou.

João Bichoca foi parar na fazenda do Chicrala Amim em Rio Doce. Lá chegando, vestiu o pijama do Chicrala, fazendo-se passar por seu sobrinho. Mandou matar um garrote, fez um churrasco, comeu os perus bronzeados, carregou o caminhão de toras e veio vender para o próprio Chicrala para pagar as prestações que devia do caminhão.

Francisquinho trabalhava com aguardente, tinha dois caminhões. Um vermelho, outro branco. Carregava 10 mil litros toda semana para São Paulo, que entregava a uma firma revendedora. Como o gerente não conferia a carga, toda semana ele acrescentava 500 litros d’água, chegando ao ponto de um dia levar somente água. Quando o gerente o chamou atenção, ele se desculpou dizendo que havia levado o caminhão errado, o branco em vez do vermelho.

Genuíno fez uma sociedade com seu pai Olegário. Bate com o caminhão e pede ao Olegário 300 cruzeiros para o concerto. Diz o Olegário: somos sócios. Vou te dar 150. Mas eu bati do lado do carona, diz o Genuíno, é onde fica a sua parte na sociedade.
O Manoelzinho e o Gonzaga viajavam sempre juntos e todos os dois mancavam de uma perna. Procuravam carga sempre para os mesmos lugares, sempre levando com eles mulheres que apanhavam pelas estradas, e paravam sempre no bar do Antenor. Passando os dias, levaram consigo as esposas, e ao chegar ao bar do Antenor, para as refeições, Antenor chamou-os à parte e disse: vocês sempre trouxeram umas mulheres mais ou menos, mas hoje trouxeram dois bagulhos de dar pena!

E na espera das cargas sempre batem um papo onde um diz Plimouth, o Citroen está uma Mercury. Ninguém tem Dodge da gente, mas eu não Lincol. A gente Nash, Ford, Ford faz Fiat, não sai de Simca nem Kaidelak. E quando os netos nos chama de Volvo, a gente Morris e Reossuscita. Outro diz, quando saí de casa a mulher me disse: deixa 100 reais para eu pagar o Supermercado. Fui à casa da amiga, ela me disse: deixa 200 para eu comprar umas roupas. Passo na casa de minha mãe e ela me diz: toma meu filho, 300, para você comprar o que precisar.

A vida de motorista de caminhão tem horas alegres e horas tristes. Horas alegres ao bater papo, jogar uma porrinha enquanto espera o frete, falando das garçonetes com os colegas quando bebem uma geladinha, ou água que gato não bebe. E as horas tristes em caminhos distantes ao lembrar-se da mulher e dos filhos que há muitos dias não se veem.     

Nenhum comentário:

Postar um comentário