quinta-feira, 26 de abril de 2018

MINHA RUA - POR JOSÉ ERASMO TOSTES



Passamos a vida fazendo as mesmas coisas todos os dias. Às vezes em minha rua, fico reparando os meus vizinhos. Bem cedo, antes do amanhecer, escuto o barulho do varredor começando a sua lida diária. O barulho do cilindro da padaria já deixamos de ouvir há tempos, hoje são mais modernos.

Às seis da manhã chega o jornaleiro, entrega seus exemplares e na volta passa recebendo. O Altair passando assobiando baixinho e balançando a cabeça ao fazer seu cooper diário. Antes das sete, vejo o primeiro a abrir sua loja, o Chiquinho Alfaiate, que abre, pega a mangueira e molha a rua todos os dias, invariavelmente. Quando chega a noite, após a varredura, pega a vassoura, esfrega-a na árvore para eliminar a poeira e tira com as mãos alguma coisa que ficou agarrada na mesma.

Abaixo um pouco, o Thiara com seus badulaques a ornamentar a calçada, com bolas, calcinhas, óculos, cintos e muitos outros objetos que são protegidos do sol por uma lona azul. Mais acima, o Garibalde, sempre sentado numa cadeira de praia, onde fica por várias horas durante o dia. A Cilene, todas as manhãs a jogar água em frente ao Supermercado Real. A Tânia com sua barraca de bijuterias com relógios, carteiras, fitas, brinquedos e muitas outras coisas a mais, na calçada do Wilson há mais de dez anos.

A Cecéia coloca todos os dias na calçada os seus artigos para expor: pias, canos, arame farpado... mostruários para atrair os seus fregueses, de onde as mercadorias são levadas pelo seu caminhão.

As empregadas domésticas a descer todos os dias, carregando as suas bolsas, para o trabalho. O movimento dos alunos em direção à escola, o locutor da Rádio Princesinha que chega à porta para apreciar a paisagem enquanto a fita está rodando. O caminhão do lixo sempre ao meio-dia.

Ainda tem o Fernando Chaveiro, que conserta de tudo, amola tesoura e mais, sempre deixa uma placa com o aviso: “Volto já”. O Carequinha dentista, sempre atrasado e sem pressa para atender os seus pacientes. O Beto, no Bar do Pernoca, pintando na tabuleta: “Hoje tem feijoada”. No outro dia: “Hoje tem canjiquinha com costela”. O carteiro, que passa sempre às três horas da tarde há mais de vinte anos. No açougue do Betinho, que fica ao meu lado, começa cedo o movimento. Muita água para fazer a limpeza. Depois chega o caminhão do Matadouro, com o boi abatido, que vai para o gancho para ser desossado. Depois da venda diária, na hora de fechar, toma sua cervejinha no Zé Amim, porque ele não é de ferro. Do lado direito, o Tetinho, sempre cochilando numa cadeira. Quando acorda, queixa-se de uma injeção que tomou há mais de trinta anos. E o vigia noturno, que vejo mais de dia do que de noite. Cinco ou seis sexagenários (brochas) que após fechar a Loja do Marcellino, sentam na porta para falar de sexo e mulheres.

E assim a vida vai continuando sempre a mesma, a repetir dia-a-dia os nossos hábitos, e nessa trajetória diária, vamos vivendo, e junto conosco envelhecendo também as árvores de nossa rua, aonde os pardais, todas as tardes, às cinco e meia, vêm chegando com um alarido em profusão para buscar o abrigo e o agasalho das folhas para passarem a noite. No outro dia bem cedo, no alvorecer, parte em bando com seus trinados a procura de alimento.
Ouço o sino da Matriz bater as horas. E começa tudo outra vez.

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