quarta-feira, 10 de abril de 2019

UMA VIAGEM NO TEMPO (1953) – POR MAURÍCIO MONTEIRO (1ª PARTE)


Maurício Monteiro
Nota: transcrito do jornal “O Tempo”, de setembro/outubro de 2003. Por ser um texto grande, dividi o mesmo em três partes. Aproveito a oportunidade e parabenizo o Dr. Maurício Monteiro, um historiador que retrata fielmente fatos e personagens marcantes de Miracema.


Naquele 1º de agosto de 1953, os jornais (que só chegavam no dia seguinte, à noite, na banca do Neném Amaral) davam notícias da crise do governo de Getúlio Vargas, através da CPI do jornal “Última Hora”, de Samuel Wainer, que era fustigado por um seu ex-colega, Carlos Lacerda. Estampava também o governador de Minas, Juscelino Kubistcheck, que dizia que era cedo para falar em sucessão presidencial, prevendo que a crise teria fim.

Em Miracema, com o término das férias de julho, os estudantes retornam ao convívio no internato e na pensão da dona Julica e o tradicional passeio das internas, de duas a duas, animam a Rua Direita. Aos sábados, José Ferreira de Assis ligava as luzes de néon do magazine “Ao Reis dos Barateiros”. No domingo, o Esportivo venceu o Miracema por culpa do Jair Polaca, que, ao invés de cruzar a bola para o Parafuso cabecear e marcar os gols, preferiu, ele mesmo, arriscar. Resultado: acabou por erra seguidamente o gol e acertar uma pacata lavadeira do outro lado da rua, jogando-a na cacimba. Socorrida no consultório do Dr. Moacyr Junqueira, lamentava: “Eu não sabia que o Jair jogaria hoje, senão teria ficado dentro de casa”. Chicralla Amim, presidente do Miracema, aborrecido com Polaca, criticou severamente o ponta-direita. Mas Chicralla não podia repreender o Polaca, pois ele, Chicralla, passara a semana toda sem ir em sua concessionária Chevrolet, no centro de Miracema, passando este tempo todo acompanhando o poeta Olegário Mariano em recitais no Aero Clube e no Rotary. E foi o Polaca quem ficou tomando conta da empresa para ele.

No sábado, o temperamental porteiro do Cine Sete, Burú, passou com várias tabuletas na cabeça, anunciando o faroeste estrelado por Charles Starret e o seriado do Perneta. Dizia que o Polaca entraria de graça. Depois da fita, já alegre, de passo rápido, ainda alcança o Farid Felix naquele passo arrastado. Bateu nas suas costas, dizendo: “O Coruja, precisa tomar um banho”. Farid retrucou: “Não amola”. E continuou a conversar com Fernando Moura até o seu botequim. Abriu a porta, que rangia, acendeu a luz e ligou aquele velho rádio RCA valvulado que, cansado de ficar ligado à noite, demorava a começar a falar. Acendeu o fogo e veio aquela cinza nos óculos, o que o tornava ainda mais sujo, cego e surdo. E o Burú continuava falando, rindo. Já não era mais o temido porteiro que dava corrida na garotada.

No fim de semana, Sebastião Soares da Costa, naquela “oca” do jardim, ligava o serviço de alto falante no programa de notícias da cidade e do Colégio. Ao som do bolero “assim se passaram dez anos”, lia as notícias fazendo pose e puxando pelos erres. Lia “A Hora do Estudante Faltoso”. Havia alunos que faltavam à aula só para ouvir o seu nome no programa. O Colégio tinha um jornalzinho, fundado por Evandro Freire, intitulado “Avante”, e que tinha como redator um aluno do curso científico, Maurício José Corrêa, que mais tarde se tornou o todo poderoso presidente do Supremo Tribunal Federal. Maurício José, como era conhecido, morador em Cisneiros, distrito de Palma (MG), era magro, alto, narigudo e quem levava o jornal para a gráfica para ser impresso. Na coluna humorística dizia que um aluno, o Edomar Vargas, tentou dar um golpe do baú ao pedir em casamento a filha de um homem rico da cidade.
- O senhor tem emprego para sustentar a minha filha? – perguntou o pai.
- Não, mas acredito que o senhor não vai deixar sua filha passar fome – respondeu Edomar.


Maurício José Corrêa
já presidente do STF. 
Esta outra, quem diria, Maurício José teria vetado. Era um aluno do Ginásio, Reynaldo, que, chamado ao quadro negro para declinar um verbo em latim, respondera: “Não sei”. O professor o repreendeu: “Mas o senhor está há quatro anos no colégio e a sua resposta é sempre a mesma”! O professor, já sem paciência, disse-lhe: “Vá, então, à Loja Marcelino comprar uma caixa de fósforos para mim”. Reynaldo saiu e, quando tocou a sineta, ele regressou à sala, sendo abordado pelo professor que lhe perguntou: “E a caixa de fósforos”? Luiz Reynaldo respondeu: “O Marcelino falou que o senhor não tem crédito para comprar uma caixa de fósforos”. O professor empalideceu. Ele era o juiz da cidade.

continua... 


2 comentários:

  1. Corrigindo. Quem apresentava A Hora do Estudante Faltoso era eu, ás 20 h, na PM4, juntamente com o saudoso Sebastião Ferreira Couto.Como eu trabalhava na secretaria do Colégio e controlava a frequência dos alunos anotava as faltas e criei esse programa. Muitos odiavam. Passei muitos finais de semana na casa do Maurício José Correa, cujo pai era o chefe da estação ferroviária de Cisneiros

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