O site OBatuque.com fez uma entrevista com o jornalista miracemense, em fevereiro
de 2003, que transcrevo abaixo:
"Nosso entrevistado dispensa maiores apresentações. O renomado jornalista José Carlos Rego é um dos grandes conhecedores da história
do carnaval e da cultura popular em geral. Atenciosamente, recebeu a reportagem
de OBatuque.com e conversou sobre fatos e curiosidades
ligadas às escolas de samba e toda sua tradição."
Há quantos anos acompanha o carnaval e as escolas de
samba em particular?
- Desde 1958.
Como começou essa paixão pelo carnaval?
- Bem, isso já era uma relação de etnia. Como negro,
eu sempre me sensibilizei pelas coisas de carnaval, que é onde o negro tem uma
contribuição muito grande. Nasceu daí.
Sua escola de coração?
- Eu sempre respondo isso: "Não me pergunte a que
samba que eu vou, porque eu lhe direi: vou pro Império, sim senhor. Eu sou
imperiano na alegria e na dor!".
Conte-nos um pouco sobre isso, como descobriu a
Império Serrano? E fale um pouco mais da sua escola.
- Mais ou menos em 1959, o Irene Delgado, que foi um
grande cronista carnavalesco, me pinçou na seção de polícia do jornal Última
Hora, e me perguntou se eu era interessado em fazer carnaval. Eu disse que sim
e ele, então, me pediu para entrevistar Mano Décio da Viola, na Império
Serrano. Como a relação foi integral, eu já sai de lá imperiano, envolvido pela
figura da mansuetude, da poesia, do Mano Décio da Viola que, se não foi o
criador, foi o configurador do la-ra-iá. Então, eu saí de lá impressionadíssimo
com a figura do Mano Décio da Viola e incorporei a Império dele.
Como você vê o Império hoje?
- Essa questão amorosa... A gente tanto quando a
escola está no esplendor vai ao céu, como quando ela vai ao inferno, a gente
também vai junto, e eu fui para a Império toda vez que desceu. Agora a
administração do Império Serrano já estabilizou, as pessoas estão com a cabeça
no lugar. A Neide é uma excelente presidente e vai levar a Império ao seu
devido lugar.
Como eram as escolas de samba naquela época, quando o
senhor começou no carnaval?
- Era o tempo romântico das escolas de samba. A
Império Serrano, por exemplo, nesse período, ensaiava na Avenida Edgar Romero,
mais pra perto do largo do Vaz Lobo. Era uma quadra muito simples e tudo era
com a sonoridade natural, sem cobertura, sem microfone e aquelas figuras da Império
Serrano, João Fabrício, Antônio Fuleiro, Mulequinho, Mocorongo, me
impressionaram muito e, em particular, a bateria, que tinha um som que me
tomava de emoção. Mas as escolas de samba eram muito simples. Nesse período, a
Mangueira ensaiava praticamente numa quadrinha, que seria um terço da quadra
que é hoje. No Salgueiro, a quadra era lá no alto do morro, onde agora tem o
nome de Casemiro Calça Larga e é uma área de lazer. Então era um período, como
eu tô dizendo, muito romântico das escolas de samba. O que se buscava nas
escolas de samba era, basicamente, a recreação, por isso não tinha assim essa
questão do dinheiro. Mas determinados objetivos na representação da cultura
popular não dominavam o samba dessa época. Então, era uma representação muita autêntica,
e aquilo me comovia.
E
como eram o desfiles nessa época, muito diferente dos dias de hoje?
- A competição era acirradíssima. Os desfiles tinham
mais ou menos esse perfil do que eram as quadras de escola de samba e, quando
comecei, eram realizados na Avenida Rio Branco, da Beira-Mar para a Cinelândia.
O que separava o público da escola de samba era a linha do meio-fio e eu sabia
que dali em diante não podia ir porque já vinham aqueles cavalos afastando as
pessoas e, às vezes, ocorria muita violência. Mas o contato era muito direto e
a disputa era acirradíssima.
É verdade que o mestre-sala surgiu para defender a
bandeira da escola Contra componentes de escolas rivais?
- Nada disso. As figuras de mestre-sala e da
porta-bandeira dentro das escolas de samba é uma das heranças dos ranchos, que
o samba encontrou quando se organizou em escolas. Mestre-sala e porta-bandeira
eram personagens que já existiam nos ranchos e as escolas de samba
incorporaram. A comissão de frente, a formação e inúmeras outras representatividades,
como o anúncio de quem vinha através de um carro alegórico, tudo isso o samba
herdou dos ranchos carnavalescos. Então, rigorosamente, a figura de um
dançarino cortejando uma dançarina, que conduzia a porta-bandeira, tem essa
razão.
Também conta-se que era importante para a escola
amarrar o máximo de tempo na Avenida. Como era isso?
- Bem, isso se devia a um regulamento que era livre.
Houve um tempo, até o decorrer dos anos 70, que não existia cronometragem no
regulamento dos desfiles. As escolas tinham um tempo mais ou menos livre e, às
vezes, por uma estratégia para prejudicar os adversários, outras para dar tempo
de corrigir dificuldades dos carros alegóricos daquela época, que quebravam
muito, faziam isso. Esse negócio de eixo de carros era uma questão terrível.
Muitas vezes a escola se demorava na pista exageradamente por isso. Provocavam
atrasos no desenvolvimento dos concursos e era uma coisa bastante comum naquela
época.
Quais seriam os marcos no tempo mais significativos na
evolução das escolas de samba e dos desfiles? Os divisores de água? Inovações,
mudanças de regulamento...
- No princípio, as escolas de samba eram abreviações que associavam quem? O morador do morro, da favela, que não tinha espaço para brincar seu carnaval. O carnaval dos anos 30 era o rancho carnavalesco e todas as comunidades do morro não podiam se habilitar, porque exigiam fantasias que custavam um pouco mais. Exigiam uma freqüência aos ranchos carnavalescos com a permanência durante um ano nas festas dos ranchos, o que também significava despesas. As escolas de samba nasceram como um instrumento do gueto. Os moradores das escolas de samba eram do morro, eram pessoas muito humildes, muito pobres e que criaram esse instrumento como forma de fazer seu lazer, como forma de passar às ruas cantando, dançando, porque isso é uma característica dos negros: exibir-se dançando, dançar, suar através de tambores. Isso vem da própria religiosidade, vem do Candomblé, da Umbanda, a necessidade desse lazer, uma necessidade natural. Na etnia negra essa inclinação é sempre muito grande. O negro é festeiro, é uma raça em que o lúdico é uma exigência muito grande.
A propósito, o seu marco inicial era isso, congregar as famílias, botar os moradores daquela comunidade em seu lazer. Os instrumentos eram rústicos, muitos deles emprestados pelas casas de santo que essas pessoas freqüentavam. Tanto que o primeiro organizador de carnaval nos anos 20 era um macumbeiro, o Zé Espinguela, que era da Mangueira e tinha um terreiro de macumba no Engenho de Dentro. Portanto, essa primeira fase é chamada fase primitiva. A partir de 1935, quando o prefeito Pedro Ernesto dá reconhecimento às escolas de samba, incluindo-as no calendário de carnaval da prefeitura, as escolas ganham uma certa alforria, ganham um foro de representatividade frente à sociedade, mas ainda continuam naquele período em que todas as suas quadras eram dentro das comunidade de morro. As exceções eram raríssimas, e assim foi até os anos 40. Nos anos 40, as escolas sofrem uma transformação, através do samba-enredo: a constituição e a introdução do enredo na escola de samba como um elemento gerador do tema do samba - porque antes as escolas de samba saíam com um tema e cantavam um samba de terreiro qualquer. Aqueles mais aplaudidos durante a pré-temporada muitas vezes batiam de frente com o enredo, não era obrigatório. Aí, nessa década de 40, o departamento de sentenças da prefeitura torna obrigatório que a escola tenha, antecipadamente, um enredo. Então, as escolas de samba entram nessa fase, que passa a produzir os versos e as melodias correspondentes ao tema único. Antes, as escolas de samba saíam até com dois sambas, um chamado de o "samba de chegada" e o outro, o "samba de saída", porque a escola de samba tinha um negócio curioso: nos ano 30 não existia couro sintético. O couro tinha que ser esquentado à medida que a escola desfilava, porque o couro ia afrouxando. Então, essa parada entre o "samba de chegada" e o "samba de saída" era uma estratégia. Parava-se, o presidente se adiantava perante o júri, anunciava seu enredo, discorria sobre o enredo... E esse era o tempo necessário para se pegar os jornais, botar fogo e esquentar o couro dos instrumentos. Quando acabava aquela cerimônia de apresentação, a bateria já estava outra vez condicionada a dar procedimento ao desfile.
- No princípio, as escolas de samba eram abreviações que associavam quem? O morador do morro, da favela, que não tinha espaço para brincar seu carnaval. O carnaval dos anos 30 era o rancho carnavalesco e todas as comunidades do morro não podiam se habilitar, porque exigiam fantasias que custavam um pouco mais. Exigiam uma freqüência aos ranchos carnavalescos com a permanência durante um ano nas festas dos ranchos, o que também significava despesas. As escolas de samba nasceram como um instrumento do gueto. Os moradores das escolas de samba eram do morro, eram pessoas muito humildes, muito pobres e que criaram esse instrumento como forma de fazer seu lazer, como forma de passar às ruas cantando, dançando, porque isso é uma característica dos negros: exibir-se dançando, dançar, suar através de tambores. Isso vem da própria religiosidade, vem do Candomblé, da Umbanda, a necessidade desse lazer, uma necessidade natural. Na etnia negra essa inclinação é sempre muito grande. O negro é festeiro, é uma raça em que o lúdico é uma exigência muito grande.
A propósito, o seu marco inicial era isso, congregar as famílias, botar os moradores daquela comunidade em seu lazer. Os instrumentos eram rústicos, muitos deles emprestados pelas casas de santo que essas pessoas freqüentavam. Tanto que o primeiro organizador de carnaval nos anos 20 era um macumbeiro, o Zé Espinguela, que era da Mangueira e tinha um terreiro de macumba no Engenho de Dentro. Portanto, essa primeira fase é chamada fase primitiva. A partir de 1935, quando o prefeito Pedro Ernesto dá reconhecimento às escolas de samba, incluindo-as no calendário de carnaval da prefeitura, as escolas ganham uma certa alforria, ganham um foro de representatividade frente à sociedade, mas ainda continuam naquele período em que todas as suas quadras eram dentro das comunidade de morro. As exceções eram raríssimas, e assim foi até os anos 40. Nos anos 40, as escolas sofrem uma transformação, através do samba-enredo: a constituição e a introdução do enredo na escola de samba como um elemento gerador do tema do samba - porque antes as escolas de samba saíam com um tema e cantavam um samba de terreiro qualquer. Aqueles mais aplaudidos durante a pré-temporada muitas vezes batiam de frente com o enredo, não era obrigatório. Aí, nessa década de 40, o departamento de sentenças da prefeitura torna obrigatório que a escola tenha, antecipadamente, um enredo. Então, as escolas de samba entram nessa fase, que passa a produzir os versos e as melodias correspondentes ao tema único. Antes, as escolas de samba saíam até com dois sambas, um chamado de o "samba de chegada" e o outro, o "samba de saída", porque a escola de samba tinha um negócio curioso: nos ano 30 não existia couro sintético. O couro tinha que ser esquentado à medida que a escola desfilava, porque o couro ia afrouxando. Então, essa parada entre o "samba de chegada" e o "samba de saída" era uma estratégia. Parava-se, o presidente se adiantava perante o júri, anunciava seu enredo, discorria sobre o enredo... E esse era o tempo necessário para se pegar os jornais, botar fogo e esquentar o couro dos instrumentos. Quando acabava aquela cerimônia de apresentação, a bateria já estava outra vez condicionada a dar procedimento ao desfile.
É verdade que o tamborim era quadrado?
- O tamborim pode ser quadrado até hoje. O tamborim
tem até um instrumento que o Fuleiro falava muito que era o avô do tamborim,
que era o tamborão: uma placa de meio metro e que só homens fortes batiam, e
batiam com a palma da mão mais à frente. Na própria escola de samba se
instituiu a baqueta, que é também uma herança dos candomblés. Nos candomblés
batem com akidavi, que é a vara que se percute nos tambores ligados ao Candomblé.
Hoje, temos a baqueta. Com a baqueta você vai ter uma sonoridade ainda maior e
mais aguda pra bateria, porque a bateria também precisa de uma. Mas essa
questão do tamborim ser quadrado ou redondo, não significa nada. Podia ser
quadrado até hoje.
O senhor falou de samba-enredo e tema. O Fernando
Pamplona questiona muito isso. O senhor também questiona? O senhor acha que tem
escolas de samba que não fazem enredo, e, sim, tema?
- Eu não tenho preocupação com isso. A escola de samba
sempre persegue o enredo em que ela opta pra ter. Vejo nada de importante
nisso. Pode anuir bem na passagem do enredo, na contagem do enredo que ela
persegue: bota um figurino nas fantasias adequadas, elevam à idéia do
carnavalesco, as alegorias adequadas ao enredo e um pouco do samba-enredo, quer
dizer: eu não vejo essa diferença toda.
Como vê a liberdade atual do regulamento, que não
limita mais os enredos das escolas a temas nacionais?
- Para mim, o ideal é que se limitasse a tema
nacional, porque a escola de samba sempre foi um grande veículo de uma
descoberta da memória do Brasil, descoberta da cultura nacional, dos ares, dos
valores regionais e isso me comovia muito. Mas nós temos que viver com o nosso
tempo, e isso chega a esse ponto de que deve se abrir o tema. Porque a fixação
do tema como elemento a ser repassado pela escola de samba era uma herança que
vinha da ditadura e já se decorreu muitos anos da ditadura de Vargas, que impôs
isso às escolas de samba. Eu acho que toda a atividade cultural deve ser livre,
deve ser aberta e aberta a esses caminhos, tanto que a própria escola de samba
está atravessando um período de mudança. A maioria das escolas de samba trata
de temas históricos do Brasil. Você pega esse ano a Mangueira: é raro isso, uma
escola de samba tratando de um tema bíblico. Isso é próprio também da cultura
do samba, as mudanças não se fazerem radicalmente. Isso vai mudando aos poucos,
sendo uma evolução natural e temos que respeitar as escolas de samba do jeito
que elas são, e não como queríamos que fosse.
O senhor tem trabalhos importantes sobre o carnaval e
a dança do samba. Poderia nos falar sobre eles?
- Realmente fiz um livro chamado "Dança do Samba
- Exercício do Prazer", da editora Aldeia. A dança para as manifestações
culturais negras é fundamental. Isso vem de que os orixás negros, todos eles,
têm uma dança com propriedades individuais. O Xangô dança de uma forma, o
Oxossi dança de outra forma. Danças que representam seus próprios perfis. Xangô
é uma dança rigorosa como ele, deus poderoso e rigoroso. A de Oxossi é rápida
como a sua própria representação de orixá protetor das matas, protetor do
verde, e ele é rápido como o vento descortinando as folhas. A dança de Oxum é
uma dança de sedução, é uma dança miúda, dança de um orixá feminino poderoso,
que é correspondente a Iansã, e é uma dança que tem o caráter de Iansã. Aquela
instantaneidade da Iansã, aquela rapidez de repentes que ela tem de humor.
Então, estão todos representados ali. Com isso, em todas as manifestações da
cultura negra, seja na África ou em outros países em que houve a transferências
de povos africanos para eles, as danças são preponderantes. Tendo essa visão é
que eu defini a importância das danças como elemento universal. Em todas as
culturas a dança está representada. Então, eu quis fazer uma fotografia da
dança dentro das escolas de samba. Inclusive mostrando os ícones da dança em
respectivos pequenos perfis dessas pessoas que sobressaíam com a dança, porque
compreendi que assim estaria traduzindo, de certa forma, a importância cultural
do samba.
As baterias batem para algum santo?
- Fica sempre um resíduo. Os primeiros instrumentos do
samba eram instrumentos também dos santos. A maioria dos adeptos das escolas de
samba, quando ela surgiu, era de gente do culto aos orixás. As pessoas que
vinham nesses cultos e que batiam no samba traziam resíduos daquela casa - e
toda casa de santo é dedicada a um orixá. Por conseqüência, dança-se muito mais
para aquele orixá na casa dele do que para os outros. É natural que fiquem
resíduos disso.
A Mangueira, por exemplo: a marcação única. O senhor
sabe a qual santo é a referência?
- A Mangueira tem uma vinculação com Oxum, tanto que
eles têm uma Nossa Senhora da Glória lá no alto e, inclusive, têm seus
fundamentos enterrados lá na quadra. Agora, aquela batida da Mangueira, que é
chamada de batida diferente, que o Pandeirinho até fez um samba, "batida
diferente das demais", foi uma criação de uma pessoa identificada na
Mangueira como Juca Pato. Ele que sinalizou aquela ausência (de resposta), que
é uma das identidades mais célebres de bateria do Rio.
De
todos os desfiles que presenciou, quais considera mais marcante?
- Muitos, mas o que mais me tocou,
extraordinariamente, foi o de 1988, com a Vila Isabel apresentando
"Kizomba". Aquele desfile da Vila Isabel surpreendeu até a ela mesmo,
que nunca esperou fazer uma coisa daquelas. A Vila chegou à concentração para
fazer mais um desfile. Não vinha com aquela coisa "nós vamos fazer um
desfile excepcional". Eles descobriram que era um desfile excepcional dentro
do desfile. Naquele ano choveu tanto que não houve o desfile das campeãs.
Então, foi uma coisa do tipo: quem viu, viu; quem não viu, não viu.
Poderia
contar alguns fatos curiosos, pitorescos, ocorridos em desfiles?
- Há muita coisa. Eu me lembro de algo muito
interessante. Naqueles anos 60, justamente quando o regulamento não era tão
rigoroso, havia quebra de carro nos desfiles escolas de samba, e eles então
interrompiam o desfile e passava-se horas na Avenida para retomar o desfile. E
eu vi uma vez o Geraldo das Neves, da Mangueira, com o Casquinha, da Portela, e
o Hélio, da Cartolinhas de Caxias. Parou tanto tempo, que eles começaram a
lembrar o samba-canção que um tinha feito. Aí o outro dizia que viu outro samba
na gafieira assim, assim... E o outro “... eu fui ao samba uma vez e ouvi um
seu..." Aí eles começaram a cantar samba-canção no dia do carnaval, na
Avenida, e eu ali como testemunha privilegiadíssima, ouvindo aquelas maravilhas
de sambas-canções e todos eles cantando fantasiados. Foi uma coisa inesquecível
para mim.
Ainda há espaço para o passista nas escolas de samba?
E os passistas que ainda resistem, hoje, estão dançando samba mesmo?
- Com certeza estão dançando samba e, diga-se de
passagem, muito bem. O espaço do passista hoje está muito reduzido. O passista
tem que ou criar uma estratégia pra poder mostrar suas criações, ou sambar em
duas ocasiões certas: uma na concentração, e outra quando a bateria pára pra se
exibir para o jurado dela. Ali o passista arranja um espaço pra ficar, em frente
da bateria ou do outro lado, embaixo da cadeira do juiz, e se exibe mais. Mas o
sistema de desfile de hoje é realmente um cadafalso para o passista.
E para sambas melódicos e cadenciados, ainda há
espaço? Melodia tem sido um item um tanto esquecido nos sambas-enredos atuais?
- É verdade. A aceleração da passagem das alas das
escolas de samba na Avenida e a necessidade de cumprir o horário fizeram com
que transformassem o samba-enredo cadenciado de muitas décadas num samba mais
apressado, mais corrido, que realmente quebrou a magia das escolas de samba,
que era passar mais ou menos como o rancho de onde elas vinham. Os ranchos eram
lentos, a própria música dos ranchos era lenta. Isso era uma carga de herança
muito grande. Aliás, diga-se de passagem, essa forma de passar mais cadenciada
era uma forma de dar maior prazer aos desfilantes, de o desfile ser mais
prazeroso. Contudo, você ainda acaba se divertindo muito nas escolas de samba.
De tempos pra cá a gente reclama de tudo das escolas de samba, das modificações.
Mas podemos observar bem uma coisa, que hoje é extraordinário, que não havia
antigamente. Quer dizer, não havia com essa constância que se faz hoje, que é o
ensaio de rua. Antigamente, praticamente se fazia um ensaio de rua e um ensaio
geral. Hoje, se faz ensaios de rua. A partir de janeiro, já há uma nova
tradição, que está se firmando, de ensaiar no próprio local do desfile. Isso aí
significa uma programação na vida de muitas pessoas que rigorosamente não fazem
fantasias, não desfilam no dia do carnaval, mas desfilam no ensaio técnico, no
ensaio do bairro, toda semana. Isso significa outro carnaval muito
satisfatório, porque é gostoso. Você desfila, as famílias botam cadeira na
calçada pra ver a escola passar. Você vê lá em Nilópolis isso. Você pode
esperar a escola no seu próprio bairro. Você se inclui nisso. São
transformações prazerosas. Tem pessoas que não fazem fantasias e brincam muito
carnaval nessas ocasiões.
Haveria alguma influência da gravação do disco das
escolas nisso? Muitas faixas em único álbum?
- Pode ser que isso tenha contribuído muito também,
mas o que contribuiu decisivamente para a alteração da velocidade do
samba-enredo foi o regulamento, porque o regulamento hoje é cumprido.
Antigamente, desrespeitava-se o regulamento e não dava em nada, pois acabava
que sempre no dia da apuração se arranjava uma forma de não contar os pontos
negativos, resultado de ultrapassagem de horário e outras irregularidades.
Agora, de uns anos pra cá, a Liga transformou isso em uma questão de respeito.
Tirou ponto e vai tirar mesmo ponto da escola. Resultado: agora as escolas
perceberam que a regra é pra valer, e realmente isso transformou muito o samba.
Como
o senhor vê o futuro das escolas de samba? Para onde evoluirão?
- Isso a Deus pertence, porque em cultura popular você
nunca pode dizer que há um caminho. Porque de repente se redescobre ou se
inventa o caminho. Então, fazer previsão de como as escolas de samba serão
daqui a dez anos é difícil, porque elas estão aprendendo alguma coisa. As escolas
de samba estão procurando reunir um acervo, e exibir esse acervo. As escolas de
samba mirins têm tido um tratamento mais efetivo, mais caloroso, mais
carinhoso. Então, são elementos que estão sendo introduzidos nas escolas de
sambas, que são transformações positivas. A gente tem a mania de só olhar para
o negativo da escola de samba. Hoje, você vai à Mangueira, à Império Serrano, e
tem atividade de profissionalização durante o ano todo. Você vai em julho, no
meio do ano, e encontra todos os camarotes da Mangueira ocupados com atividades
profissionalizantes, com atividades que dão rendimentos pras pessoas. Isso é
modernidade, que veio aprimorar esse centro de lazer, centro de atividades
culturais que é a escola de samba.
E
as escolas pequenas, o que o senhor acha para o futuro?
- Eu desejo que elas cresçam e fiquem melhores, mas
que elas continuem um centro de lazer. Pequenininha ela chega lá, faz um
bailezinho no fim de semana, as cabeças-brancas, como eu, vão jogar cunca –
aliás, um jogo de cartas que só tem na escola de samba, meio parecido com o
pif-paf -, tem o dominó, a dama... A escola de samba é um centro de lazer, um
ponto de encontro de pessoas, e isso é muito positivo.
Os enredos de aluguel seriam uma válvula de escape,
principalmente para as escolas menores?
- Não é a solução. Pode ser uma solução de caráter
financeiro, mas isso sempre caminha para a deformação. A escola pequena deve
ter orgulho de funcionar, porque para funcionar tem que funcionar bem, seja ela
pequena, média ou grande. Tem escola grande que não funciona bem e tem escola
pequena que funciona admiravelmente em relação a seus objetivos de caráter
social.
No mapa de apuração do desfile do Grupo Especial de
2000, um jurado de um determinado quesito justificou a nota para uma grande
escola falando em "próximo à perfeição". O mesmo jurado, na avaliação
de uma escola de menor porte, escreveu "próximo à grande perfeição".
Esse jurado deu nota 9,5 para a grande e 8 para a de menor porte. Há esperanças
que um dia esse tipo de distorção – e injustiça - possa acabar?
- Cabeça de jurado é igual à barriga de mulher, você nunca sabe o que vai sair dali. Agora esse ditado morreu, porque hoje as mulheres sabem no terceiro mês o sexo da criança. Mas o julgamento das escolas de samba é muito cansativo. Já aconteceu comigo em julgamentos menores. Eu queria ter dado nota maior a um samba e dei a outro. Isso é derivado do cansaço, derivado até da forma da organização, de como você dá a nota. Mas o certo é que o jurados acertem.
- Cabeça de jurado é igual à barriga de mulher, você nunca sabe o que vai sair dali. Agora esse ditado morreu, porque hoje as mulheres sabem no terceiro mês o sexo da criança. Mas o julgamento das escolas de samba é muito cansativo. Já aconteceu comigo em julgamentos menores. Eu queria ter dado nota maior a um samba e dei a outro. Isso é derivado do cansaço, derivado até da forma da organização, de como você dá a nota. Mas o certo é que o jurados acertem.
Qual seria a solução para isso?
- Isso é questão humana, não tem como mudar.
- Isso é questão humana, não tem como mudar.
Um samba-enredo?
- "Aquarela Brasileira", do Império Serrano
(Silas de Oliveira, 1964).
Um compositor?
- Martinho da Vila.
- Martinho da Vila.
Um mestre-sala?
- Delegado, da Mangueira.
- Delegado, da Mangueira.
Uma porta-bandeira?
- Vilma, da Portela
- Vilma, da Portela
Um mestre de bateria?
- Alcídio Gregório, do Império Serrano.
- Alcídio Gregório, do Império Serrano.
Uma passista?
- Maria Helena, da Mangueira.
- Maria Helena, da Mangueira.
Um passista?
- Joel Vitalino, do Salgueiro.
- Joel Vitalino, do Salgueiro.
Uma personalidade?
- Paulo da Portela.
- Paulo da Portela.
Que mensagem o senhor deixaria para as comunidades que
tanto se esforçam para colocar o carnaval na Avenida e que, com muito suor,
produzem o mais fascinante espetáculo da Terra?
- Em primeiro lugar, divirtam-se com a escola. Tenham
a escola como uma coisa prazerosa, que isso já é um ganho extraordinário para a
pessoa como ser humano. Em primeiro lugar, os veículos de escola de samba têm
que ser uma coisa prazerosa, um instrumento de prazer para o ser humano, de
brincadeira, de recreação e até de certo
Material de relevância histórica. Parabéns Miracema.
ResponderExcluirObrigado por esse presente. Abraços, Rodrigo Ernesto (Filho do Jose Carlos Rego)
ResponderExcluirO mais completo comentarista de desfiles de escola de samba. OBRIGADO SR JOSE CARLOS REGO
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