sexta-feira, 8 de junho de 2018

O CONTADOR DE HISTÓRIAS - POR JOSÉ ERASMO TOSTES



Há pessoas que ao conversar gostam de contar histórias. Assim era meu avô, pai de minha mãe, chamado Veriano. Eu era criança e gostava de ouvir as histórias que contava.

Ele já tinha uma idade avançada, morava em um sítio, no Belo Monte, fazendo divisa com os imigrantes italianos da família Mercante e dos Letiéri. Comprava aves, ovos e cabritos nas cercanias, trazia e os revendia para o comprador Manoel de Jesus e este mandava as mercadorias em grades de madeira com tela de arame pela Estrada de Ferro Leopoldina, todas as semanas, para o Rio de Janeiro. Tivemos o ciclo do café, da cana de açúcar, do arroz e também das aves.

Meu avô era pai de doze filhos: sete mulheres e cinco homens. Um dia foi contrariado por um dos filhos, saiu de casa e nunca mais soubemos do seu paradeiro. Em sua casa na roça havia, no terreiro, uma grande pedra arredondada, onde os filhos sentavam e tocavam vários instrumentos de corda. Na parte de trás havia um porão onde eram guardadas as ferramentas agrícolas. Ali amarravam os animais para tratamento e outras serventias.

Um dia, vindo à Miracema, contou-me que um seu amigo resolvera vender o sítio. Procurou seu vizinho que sabia escrever muito bem, pois era poeta, para que fizesse um anúncio para realizar a venda. O poeta então escreveu que o sítio que estava à venda era muito bonito; que ao alvorecer o sol saía por trás das verdes matas, parecia que o céu iria encontrar com a terra; poderia ver em todas as primaveras o desabrochar das flores ou os zumbidos dos insetos; que o marulhar da cachoeira transmitia uma doce paz dolente nas pessoas que lá viviam; que o cantar dos pássaros era uma verdadeira festa harmoniosa durante as madrugadas; que o vento ao roçar nas palmeiras promovia uma verdadeira sinfonia. Passados os dias, o poeta encontra com o amigo e pergunta: - Já vendeu o sítio? Ele respondeu: - Não quero mais vendê-lo. Depois é que fui ver que o meu sítio tinha tudo isso que você escreveu, e eu nunca havia reparado.

Isso acontece com muita gente, que não percebe o que tem à sua volta. Passa a dar mais valor ao que tem, após perdê-lo.

Meu avô parava um pouco a conversa, acendia o cigarro de palha e continuava contando que, quando meu pai, ainda solteiro, namorava sua filha, que mais tarde seria a minha mãe, todas as noites ia montado em um burro que deixava debaixo do porão da casa enquanto namorava. Passados uns tempos ele brigou com a namorada e havia resolvido que lá não mais iria voltar. Mas aconteceu um imprevisto: Ele havia arreado o burro e caminhava em direção a outro lugar, mas o animal empacava. Devido ao costume, foi arrastando-o em direção a casa onde estava acostumado ir e foi entrando debaixo do porão. Sem graça, apeou e reatou o namoro e acabou casando.

Se o burro não houvesse, naquele dia, entrado debaixo do porão da casa, hoje eu não estaria aqui para contar esta história.


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