sábado, 11 de junho de 2016

ZEZÉ MOREIRA: UMA VIDA INTEIRA DEDICADA AO FUTEBOL

Zezé Moreira em 1954 

Quis o destino que ele e seu irmão, Aymoré Moreira, morressem no mesmo ano, em 1998, com diferença de pouco mais de três meses. Seu nome verdadeiro era Alfredo Moreira Júnior, e morreu em 10 de abril, no Rio de Janeiro, no Hospital Pedro Ernesto, aos 90 anos, tendo como causa uma insuficiência respiratória, provocada por pneumonia, depois de passar 25 dias internado. O futebol perdeu uma de suas figuras mais íntegras e competentes. Ele foi um autêntico gigante na História do futebol brasileiro, um homem que transcendeu à sua obra e ao seu tempo.  

 

Zezé jamais escondeu sua paixão pelo Botafogo, pelo qual jogou e foi técnico, mas seu caixão acabou coberto por uma bandeira do Fluminense, do qual também foi treinador. Com exceção do médico Lídio Toledo, dos ex-jogadores Pampolini, Adalberto, Tomé e Gilson, e do técnico Paulo Amaral, que foi seu preparador físico no alvinegro, nenhum dirigente do clube apareceu para prestar a última homenagem. O Fluminense, ao contrário, esteve representado pelo presidente Álvaro Barcelos, o ex-presidente Francisco Horta e os ex-jogadores Orlando Pingo de Ouro, Escurinho, Ítalo e Pinheiro. Telê Santana, impedido de ir ao enterro por problemas de saúde, eram amigos íntimos, enviou uma coroa de flores com os seguintes dizeres: “AO MESTRE, COM CARINHO.”

 

Zezé Moreira quando veio a falecer já era viúvo, há oito anos, e deixou um filho, Wilson Moreira, e um neto, Wilson Júnior. O filho, por sinal, aventurou-se no mundo da bola para seguir a tradição da família, nos anos 50 e 60, jogando pelo Vasco, Fluminense e Botafogo. Depois, foi pra Espanha e atuou pelo Bétis. Ao encerrar a carreira, tornou-se advogado e seguiu a sua vida fora dos gramados.

 

Alfredo Moreira Júnior, que depois virou “Zezé Moreira”, nasceu em Miracema, interior do estado do Rio de Janeiro, já na divisa com Minas Gerais, em 16 de outubro de 1907.  O apelido “Zezé” foi devido à admiração que tinha por um certo jogador de nome “Zezé” Guimarães, que jogava pelo Fluminense.

 

O menino Alfredo começou a bater sua bola nos fundos da casa do Vigário com os colegas. Depois organizou o time de Baixo contra o time da rua de Cima, e, com o tempo, o time da zona norte da cidade virou o Operário e, da rua de Cima, o Miracema. Aos doze anos o primeiro embate esportivo com a camisa do Miracema F.C., e o início de sua fulgurante carreira. Zezé era tudo no Miracema, de roupeiro a jogador, até mesmo o dinheiro que recebia dos pais para consertar o sapato era desviado para a confecção de chuteiras na Sapataria do Granato. O time ganhou nome e fama, e passou a excursionar para as cidades vizinhas. Jodir, Rubens Carvalho, Odati e Neguinho, são alguns dos companheiros que fizeram parte dessa jornada inicial de Zezé Moreira em sua terra natal.

 

Em uma entrevista concedida ao “Projeto História em Multimídia do São Paulo Futebol Clube”, na capital paulista, em 1993, Zezé fez um breve relato de sua infância em Miracema:

Meu pai era tremendamente contra o futebol, aliás, a minha vinda da cidade onde eu nasci foi por causa de futebol. Para que eu me livrasse do futebol ele me trouxe. Foi o contrário. Ali foi o meu paraíso. Futebol foi sempre a minha paixão. Apanhei como boi ladrão. Todas as vezes que meu pai me encontrava jogando bola no campo, eu apanhava. Apanhava não de chinelo, nem de tapa, nem de palmada, eu apanhava de tala. Sabem o que é tala? Tala é um rebenque que se usa pra bater em cavalo e eu apanhava com aquilo. A minha vinda pro Rio foi justamente por isso, porque ele viu que eu, com a idade de 15 anos, jogava no meio dos homens. E havia até um fato engraçado: eu jogava e tinha sempre dois, três companheiros que ficavam olhando se meu pai vinha, porque se ele me visse jogando, ele entrava no campo e me levava. Ele era terrível, ele não gostava de futebol, ele achava que o jogador de futebol era vagabundo, não trabalhava. E ele não queria isso, ele queria que eu como mais velho dos homens, tomasse conta da farmácia dele. E eu não queria saber de farmácia, eu tinha pavor de farmácia. Eu não tolerava aqueles sais salou, iodofórmio, aquelas coisas que tinham um cheiro ativo. Enjoava-me, eu não gostava de farmácia. Mas ele... O remédio que ele teve foi me trazer pro Rio de Janeiro, eu vim com 16 anos, em 1923.

 

Além de ter tido como mestra Clarinda Damasceno, Zezé teve na vida esportiva grandes ensinamentos para o resto da vida. O domínio do medo, a coragem, a lealdade e a determinação empregadas nas partidas de futebol, levaram-no aos 16 anos, a deixar Miracema para abrir caminhos novos na grande cidade, o Rio de Janeiro. 

 

Foi justamente Zezé que, em 1930, levou os irmãos para trabalhar e estudar no Rio, arrancando-os de nossa pequena Miracema. Lá, os quatro passaram a atuar pelo já extinto Sport Club Brasil: Zezé era lateral; Aírton era central; Aderbal era meia e Aymoré, goleiro. Jogaram juntos até 1933.  Aderbal foi o único que saiu do meio esportivo, pois virou um músico de alto nível.

 

Zezé Moreira foi um médio com forte poder de marcação e que chegava sempre junto. Começou no Sport Club Brasil, da Praia Vermelha, em 1928, e posteriormente atuou no Botafogo – onde ficou por mais tempo e jogou ao lado de seu irmão Aymoré Moreira – Flamengo e América, todos do Rio. Em São Paulo vestiu a camisa do Palestra, hoje Palmeiras – campeão paulista de 1934 – retornando ao Botafogo para encerrar a carreira em 1943. Assim durou a sua trajetória de 15 anos como jogador. No América e no Palestra também esteve ao lado do irmão Aymoré.

 

Formado pela Escola de Educação Física, em 1944, logo começou a trabalhar como preparador físico nas categorias de base do Botafogo, quando, em 1948 assumiu a direção técnica do time profissional. Foi um grande começo, já que se sagrou campeão, após 13 anos de jejum do time da estrela solitária. Também conquistou títulos por outros clubes como Fluminense – campeão carioca em 1951 e 59, campeão da Copa Rio em 1952 e do Rio-São Paulo em 1960, Nacional – campeão uruguaio de 1963 e 69, Vasco – campeão da Taça Guanabara em 1965 e do Rio-São Paulo em 1966, São Paulo – campeão paulista em 1970, Bahia – campeão baiano em 1975, 78 e 79, Cruzeiro – bicampeão mineiro em 1975/76, e da Taça Libertadores em 1976. Treinou também o Belenenses, de Portugal, Palestino, do Chile, Canto do Rio, Corinthians, Sport Recife e América (RJ).

 

Uma das maiores conquistas como técnico foi o primeiro título da seleção brasileira conquistado no exterior – o Pan-Americano do Chile, em 1952. O sucesso do esquema tático aplicado no Fluminense, campeão carioca em 1951, levaria Zezé Moreira ao comando do Brasil e a mais uma conquista histórica. Talvez, mais do que com o título, no Pan de 52, o país inteiro tenha vibrado com a desforra promovida por Zezé e seus comandados, na vitória de 4 a 2 sobre o Uruguai, no Estádio Nacional de Santiago, festejada como parte de uma reparação à humilhação da tarde de 16 de julho de 1950, no Maracanã.  

 

Dois anos depois, Zezé permanecia no comando da Seleção e a classificava para a Copa de 54, eliminando o Chile e o Paraguai. Na Copa de 1954, realizada na Suíça, o time era bom, mas não foi capaz de superar a forte seleção da Hungria, nas quartas-de-final. A derrota de 4 a 2 e a conseqüente eliminação, talvez tenha sido a mais dramática decisão enfrentada por Zezé Moreira, apesar de todo o favoritismo do esquadrão húngaro para vencer a Copa. Favoritismo esse que foi suplantado na final pela Alemanha, com a vitória de 3 a 2.

 

Depois da Suíça, vieram cinco anos de um quase ostracismo. Mas isso não o enfraqueceria – pelo contrário. Com humildade, enfrentou a experiência de dirigir o Canto do Rio, tradicional lanterninha dos campeonatos cariocas. E Zezé o colocou em quinto lugar. Após sete anos sem um título, deu ao Fluminense o carioca de 1959, por antecipação.   

 

O retrospecto de Zezé Moreira como técnico da Seleção em jogos oficiais, entre 1952 e 1955, é o seguinte: 13 jogos; 9 vitórias; 3 empates; 1 derrota. Ainda na seleção, integrou a comissão técnica nas Copas de 1958, 62, 66 e 70. Foi espião do técnico Telê Santana nas Copas de 1982 e 86.

 

Outros números de sua carreira como treinador: Corinthians – 58 jogos, São Paulo – 57 jogos, Cruzeiro – 131 jogos, Fluminense – 467 jogos. É o técnico que mais vezes dirigiu o Fluminense na história. Zezé Moreira tinha o costume de comandar os treinos de chapéu, mas fora de campo, a elegância era sua marca registrada, usando sempre terno e gravata. No início dos anos 90, quando passou a frequentar mais a cidade natal, de vez em quando o encontrava passeando sempre elegante e com uma postura invejável. Zezé era torcedor do Botafogo, pelo qual jogou e iniciou a carreira de técnico, mas sempre teve uma ligação muito forte com o Fluminense, por quem nutria um carinho e admiração.

 

Era um inovador de funções táticas. Foi ele quem lançou o zagueiro Pinheiro, do Fluminense, como líbero, descobriu Telê Santana e criou a tática do ponta voltando para ajudar a marcar no meio-campo, função que Telê desempenhava muito bem no time Tricolor. Foi um dos poucos técnicos que durante muitos anos imprimiu uma marca pessoal nas equipes que dirigiu. Eles jogavam de maneira diferente, marcavam por zona, com um beque na sobra, e um falso ponta que ajudava na marcação. Zezé ganhou notoriedade como técnico por causa dessa marcação por zona, sistema que foi elogiado por muitos e combatido ferozmente por outros. Com o passar do tempo, ele desmentiu os que o acusavam de técnico teimoso, mostrando ser um treinador evoluído e estudioso, capaz de fazer com que a equipe que comandava se adequasse a outros diferentes sistemas.

 

2 comentários:

  1. Parabéns por nos mostrar em um texto muito elucidativo a história desse miracemense que ainda é referência no futebol brasileiro. Carlos Magno, de Pádua.

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