terça-feira, 21 de agosto de 2018

O SONHO - POR JOSÉ ERASMO TOSTES


Ao entardecer, estava na varanda, deitado na rede, quando o sono foi chegando, e parece que fui transportado para o tempo de criança, em que todas as sextas-feiras, após as aulas, eu e meus primos íamos para a fazenda dos nossos tios Seudy e Guiomar.

Os cavalos já nos esperavam no quintal da casa de minha avó. Lembro-me bem que um daqueles cavalos era um piquira que usava uma sela marrom com debruns brancos e os outros usavam socados mais novos. Geralmente íamos na garupa um do outro, fazendo algazarra até chegar na fazenda. No dia seguinte, levantávamos bem cedo, ainda com escuro, e íamos para o curral que ficava na parte mais alta, onde lá se fazia a ordenha. O leite da vaca preta pintada de branco, chamada Figueira, era consumido na fazenda. Ali mesmo tomávamos o leite tirado na hora, ainda morno. Ao voltar para a casa da fazenda, o café já estava na mesa, com broas de fubá e outros quitutes. Em seguida, apanhávamos os apetrechos de pescaria, íamos para o açude ou para o valão pegar cascudo nas locas existentes, ou lambaris e carás com varas improvisadas.

Na época das colheitas, o tio Seudy fazia com que todos trabalhassem no corte do arroz, na colheita do milho e na apanha do algodão. O algodão era depositado num dos quartos da casa. Na sala ao lado, muito espaçosa, tinha uma eletrola movida à corda, um guarda-louça, um retrato grande pendurado na parede, um mesa comprida onde se fazia as refeições preparadas no fogão de lenha, e dois bancos para compor a mesa.

A Fazenda Santa Justa ficava num platô, o curral na parte de cima; no terreiro, um galinheiro, duas tulhas, onde se guardavam os produtos colhidos, um barracão onde ficava o carro de boi e um carroção, juntamente com as ferramentas agrícolas. Na parte de trás da fazenda, a mais baixa, onde a água era corrente, havia uma ceva com vários porcos. Do outro lado da estrada, uma roda d’água tocada pelo valão ali existente e o alambique onde se fabricava a aguardente Santa Justa, que era vendida no Mercado.

Após cinquenta anos lá voltei, e ao passar novamente pelos mesmos lugares, o açude, a banqueta onde se represava a água para tocar o moinho de fubá, os pés de goiaba, as mangueiras, as jabuticabeiras, nada tinha mudado. Eu é que havia envelhecido, e as lágrimas a correr pela face ao lembrar os tempos de menino.

E assim, naquelas recordações, eu via o entardecer, e a hora de dormir, onde a tia Guiomar fazia com que todos lavassem os pés para não sujarmos os lençóis alvejados.

E naquele silêncio que produz a noite, só ouvíamos de longe o ladrar dos cães, o pio da coruja, o coaxar dos sapos, o zumbido dos insetos, o farfalhar das folhas secas batidas pelo vento, o marulhar das águas sobre as pedras e o barulho cadenciado da roda d’água.

E neste momento, o meu neto me chama: vovô, vovô, levanta da rede. A chuva está te molhando.

Um comentário:

  1. Maravilhosa crônica! Também lembrei meus tempos de pescaria e natação no conde

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