quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O TROPEIRO - POR JOSÉ ERASMO TOSTES


Chovia torrencialmente na Serra da Ventania, os burros e mulas desciam pela estrada escorregadia. Nino Machado vinha montado num burro chamado Rosado, comandando os dois lotes de animais carregados de café, que era colocado em bolsas de couro penduradas nas cangalhas. A madrinha da tropa, a mula Esperança, vinha guiando-a com a batida de doze cincerros pendurados no pescoço, que no silêncio da serra ouvia-se à grande distância.

O café, aqui chegando, era entregue ao comprador que pagasse o melhor preço, ou ia direto para o DNC - Departamento Nacional do Café, onde era ensacado, pesado e transportado por meio de escadas formando pilhas enormes. No DNC via-se vários homens trabalhando na lavagem do café, que corria em calhas feitas no terreiro e a água escoava através de um ralo feito de chapa de ferro. Na secagem, o café era esparramado no terreirão com grandes rodos de madeira. Após essa preparação, o café ia para a estação da Leopoldina por meio de carroças e carroções e aí embarcado nos vagões do trem.

O café trouxe riqueza para Miracema, para os fazendeiros e para os comerciantes, e fez com que se construísse muitos prédios em nossa cidade. Depois veio a derrocada, levando vários deles à falência. O presidente Getúlio Vargas mandou que em todos os DNC’s se fizesse a queima do café e guardas armados tomavam conta para que se cumprisse a ordem dada.

Na volta para a Fazenda Santa Cruz, na Serra da Ventania, a tropa do Nino Machado ia carregada com mercadorias para abastecer a venda: sal grosso, fumo de rolo, querosene etc.

Nino Machado era um homem forte, usava sempre chapéu, camisa aberta na altura do umbigo, fumava cigarro desfiado Cinco Pontas ou Coral, que era enrolado no papel Ambré, e tomava suas pingas para esquentar o frio. Nino gostava de fazer uma fezinha no jogo do bicho.

Após esses acontecimentos, Nino vendeu sua tropa e veio morar em Miracema. Montou uma cocheira para sobreviver, instalou-se perto da Igreja e do Cemitério, talvez para ouvir o bater do sino da Matriz e lembrar dos que ouviu por muitos anos no peito da mula Esperança, ou para se acostumar com o sino do Cemitério, que o levaria aos sessenta e tantos anos para sua última morada.

Ainda bem que não ouviu o bater do martelo das privatizações, onde o dinheiro recebido pela venda da Vale do Rio Doce não deu para pagar 17 dias de juros da dívida externa do Brasil.


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